Apesar das proteções legais, o comércio global ameaça quase mil espécies de animais e plantas
A sobre-exploração de animais e plantas impulsionada pelo comércio internacional é uma das principais ameaças que está a agravar a perda de espécies a nível global. Foi esse reconhecimento que levou os governos do mundo, em dezembro passado, a incluírem no Acordo Kunming-Montreal para a Biodiversidade o objetivo de “assegurar que o uso, recolha e comércio de espécies selvagens é sustentável, seguro e legal”.
A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES) é a estrutura legal das Nações Unidas que regula o comércio global de espécies selvagens (cerca de 40 mil) para impedir que essa atividade coloque em risco a estabilidade e sobrevivência das populações na Natureza.
Uma recente investigação de cientistas da Universidade de Oxford, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) e da Sociedade Zoológica de Londres identificou que atualmente 2.211 espécies de animais e de plantas estão ameaçadas pelo comércio ilegal em todo o mundo.
Contudo, desse total, 904 espécies não estão abrangidas pela CITES, incluindo 370 classificadas como ‘Em Perigo’ ou ‘Criticamente em Perigo’, entre elas 31 espécies de tubarões e raias que são comercializados pela sua carne e barbatanas, bem como 23 espécies de palmeiras.
Os investigadores concluíram também que 1.307 espécies, como o pangolim, a enguia-europeia e diversas orquídeas, que fazem parte da convenção estão, apesar disso, a ser ameaçadas pelo comércio internacional. Como tal, argumentam que é preciso rever as proteções internacionais atribuídas a esses animais e plantas para ser possível perceber se serão precisos mecanismos mais rigorosos para controlar ou mesmo limitar a sua comercialização.
Num artigo publicado recentemente na ‘Nature Ecology & Evolution’, os autores criticam a falta de uma metodologia “robusta” para incluir ou retirar espécies das listas da CITES, conhecidos como Apêndices.
No Apêndice I estão listadas todas as espécies ameaçadas de extinção cuja sobrevivência está a ser ou pode vir a ser afetada pela sua comercialização. Por isso, o comércio desses animais e plantas está sujeito a uma “regulação particularmente rigorosa”, como se pode ler o no texto da CITES, “para não ameaçar ainda mais a sua sobrevivência”. No entanto, geralmente o comércio destas espécies do Apêndice I é proibido.
O Apêndice II, por sua vez, é constituído, essencialmente, por espécies de fauna e de flora que, embora não o estejam nesse momento, possam vir a ser empurradas para o limiar da extinção se a sua comercialização não foi devidamente regulada. O comércio internacional dessas espécies só é possível mediante a emissão de uma licença por parte das autoridades nacionais com competências sobre a gestão e conservação da Natureza. No caso de Portugal, essa responsabilidade recai sobre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Por fim, existe um Apêndice III, pouco falado, que inclui espécies cujo comércio é regulado por algum dos Estados-contratantes e que, para garantir que não desaparecem por via da extinção, requerem a cooperação de outros países para controlar a sua comercialização a nível internacional.
Daniel Challender, principal autor, afirma que “a listagem da CITES deve apoiar-se na melhor informação disponível sobre o estatuto de uma espécie” e que “embora a nossa investigação mostre que as CITES é relativamente bem capaz de identificar espécies cujo comércio precisa de ser regulado, também sugere que centenas de espécies estão a ser deixadas de fora”.
A próxima cimeira da CITES está marcada para 2025, e é nesses encontros que os Estados-parte da convenção analisam os dados sobre as várias espécies e propõem a inclusão ou retirada de animais e plantas dos Apêndices. Challender espera que a metodologia apresentada por este estudo possa vir a ser adotada pela convenção para fortalecer esses processos.
Kelly Malsch, do UNEP e coautora do artigo, salienta que travar e reverter a perda de biodiversidade só será possível se o comércio internacional de animais e plantas for sustentável e “não ameaçar a sobrevivência das espécies na Natureza”.
E alerta que devido a “falhas” no conhecimento o número de espécies ameaçadas pelo comércio internacional poderá ser “bastante maior”.