Preço zero: a morte do sucesso das energias renováveis?



Por Jesús Heras, Director Técnico de Wattkraft Ibérica

O crescimento do autoconsumo de energia é imparável. O relatório sobre o autoconsumo fotovoltaico em Portugal, publicado pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), mostra um aumento do interesse dos Portugueses, com mais de 80% na capacidade instalada.

No final do primeiro semestre, Portugal somava 2980 megawatts (MW) de capacidade fotovoltaica em operação. Este total, representa um aumento de 419 MW de potência solar existente face ao final de 2022. E deste bolo, 81% (338 MW) são UPAC, unidades de produção de energia destinadas ao abastecimento direto de um cliente residencial ou industrial, podendo instalar o excedente na rede elétrica de serviço público.

Da potência recentemente instalada, 19%, equivalente a 81 megawatts (MW), representam centrais fotovoltaicas de grande dimensão destinadas exclusivamente à rede elétrica.

De acordo com as estatísticas mais recentes da DGEG, Portugal possui aproximadamente 3 gigawatts (GW) de capacidade fotovoltaica. Um pouco mais de metade desse total está instalada em grandes centrais solares (1575 MW).

No entanto, o aspecto económico começa a parecer desconcertante. Em menos de um ano passámos por vários momentos com eletricidade a preço zero em metade da Europa, facto que tem vindo a a tornar-se mais frequente. É um modelo sustentável ou as ameaças de falência das empresas de energia têm fundamento?

O facto de o preço chegar a zero no mercado grossista não significa que seja gratuito para quem o consome. O custo zero só é aplicado no mercado regulado, ao qual se juntam as portagens, a potência contratada e os impostos. A energia não é gratuita e nunca deveria ser, pois exigirá sempre esforço para a gerir, mas como bem básico,o facto de ser mais acessível, económica e democrática é uma óptima notícia.

O custo zero da eletricidade é um sintoma do progresso em direção à soberania energética. Será cada vez mais comum, mas não deve desencorajar o investimento nem distrair-nos dos objectivos ambiciosos estabelecidos pela Europa. A rápida aceleração das energias renováveis, a redução do IVA e a “exceção ibérica”, reduziram os preços num mercado ainda muito volátil. Seremos erráticos e ineficazes se adoptarmos uma estratégia orientada exclusivamente para a poupança económica.

Continuaremos a assistir à coexistência de preços muito baixos com preços muito elevados, porque as curvas da procura e da produção de energias renováveis tendem a ser inversas. É sabido que os picos de produção tendem a ocorrer nas horas centrais do dia, mas a procura de energia tende a aumentar quando o sol se põe.

A grande chave para resolver este desfasamento é o armazenamento. As baterias são o grande aliado da Europa para uma energia verde e mais bem gerida. As instalações fotovoltaicas que incorporam armazenamento conseguem os chamados “peak shaving” e “filling valleys”, que consistem em equilibrar a curva trazendo energia renovável em alturas de preços mais elevados ou de menor produção, o que protege o bolso do utilizador.

Uma instalação fotovoltaica típica, com painéis bem dimensionados e uma boa tecnologia de inversores, já se pode pagar em dois ou três anos aos preços actuais da energia. No entanto, se introduzirmos sistemas de armazenamento de energia e optimizadores, o retorno do investimento poderá ser aumentado para 5 a 6 anos.

Para tal, é necessária uma mentalidade de longo prazo, centrada na sustentabilidade e na estabilidade do modelo. As baterias levar-nos-ão mais tarde ao retorno do investimento, mas desde o início colocam-nos na corrida pela independência energética e pelo autoconsumo baseado em energias renováveis.

Também implica desafios na formação dos nossos profissionais e empresas. Os instaladores necessitam de novos conhecimentos técnicos sobre os sistemas de armazenamento e o software que os optimiza e que está a evoluir rapidamente. A sua compreensão e aplicação é também o primeiro passo para divulgar as suas vantagens e convencer o cliente desta mudança de mentalidade no momento da comercialização.

A capacidade das baterias para regular a procura, dependerá não só da sua capacidade bruta de armazenamento, mas também da sua gestão inteligente. O mercado já está a incorporar novos sistemas, apoiados em inteligência artificial, para ajudar os proprietários a tomar decisões na gestão da sua instalação. Estes sistemas já são capazes de se auto-regularem para introduzir energias renováveis quando estas são mais necessárias, alimentar a rede em caso de excedentes e até ativar ou desativar autonomamente qualquer dispositivo ligado ao sistema, de acordo com as preferências do utilizador.

As baterias também fornecem uma reserva de segurança que pode ser fundamental em indústrias onde uma interrupção no fornecimento pode resultar em perdas significativas de produção. Muitos sistemas de armazenamento já podem ser utilizados tanto em sistemas de micro-rede ligados à rede como fora da rede, em cenários de autoconsumo comercial e industrial, bem como em grandes centrais fotovoltaicas. Além disso, algumas empresas estão a começar a oferecer soluções modulares que permitem a expansão da capacidade de acordo com as necessidades da instalação, adaptando-se a múltiplos cenários de carga e descarga.

Em suma, trata-se de aumentar o nosso poder sobre a energia para a tornar disponível para as nossas necessidades. A soberania energética significa garantir o abastecimento face à incerteza causada por conflitos internacionais, condições climatéricas adversas ou escassez de recursos. E isso só é possível com o armazenamento como proteção contra os caprichos da produção de energia verde. Trata-se de uma questão estratégica para o país, mas também de um fator de competitividade essencial para as nossas empresas e de um mecanismo de poupança para as nossas famílias.

 





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