Contrabando de madeira em Moçambique está a financiar insurgentes
Milhões de toneladas de madeira continuam a ser exportadas ilegalmente de Moçambique para a China e os grupos insurgentes no norte do país estão a beneficiar financeiramente, revelou a organização norte-americana Agência de Investigação Ambiental.
Apesar das restrições do Governo moçambicano à exportação de madeira, a Environmental Investigation Agency (EIA) estima que, entre 2017 e 2023, foram enviadas para a China cerca de 3,7 milhões de toneladas de toros, com um valor calculado de 1,3 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros).
A organização, com escritórios em Londres e Nova Iorque, está a monitorar o setor madeireiro em Moçambique há vários anos, tendo-se centrado em Cabo Delgado mais recentemente, e acredita existir uma relação entre este comércio ilegal de madeira e os grupos de insurgentes islamistas.
Um relatório publicado este mês cita uma fonte bem colocada que estima que “30% da madeira explorada em Cabo Delgado corre um risco elevado de ser proveniente de florestas ocupadas pelos insurgentes”.
A madeira terá sido cortada nos distritos de Montepuez, Muidumbe, Meluco, Quissanga, Mueda, até na província vizinha de Nampula, e depois transportada para as serrações de Montepuez, por vezes de mota ou dissimulada nos porões de autocarros.
Com base em mais de 30 fontes locais, com profissionais do setor, sociedade civil e funcionários públicos, a EIA descreve como o movimento da madeira é facilitado graças a subornos pagos à polícia, soldados, representantes governamentais e inspetores alfandegários.
O relatório refere que “indivíduos do partido Frelimo beneficiam do comércio de madeira ilegal e do caos e insegurança causados pela insurreição”.
A madeira é depois comprada por empresários chineses, que enviam os toros em contentores para o país asiático através de transportadoras marítimas internacionais.
Os toros de pau-preto, em particular, uma espécie nativa protegida, podem ser comprados por poucos dólares mas servem depois para fazer peças de mobiliário que custam milhares de dólares.
Os empresários compram madeira de diferentes origens, algumas delas ilegais, incluindo de florestas ocupadas por insurgentes, afirmou a responsável pelo estudo, Alexandra Bloom.
“Por vezes é madeira que os insurgentes cortaram eles próprios, e eles beneficiam do dinheiro que ganham com a venda desta madeira. Uma fonte disse que eles estavam escondidos na floresta e que estavam a ficar com pouco dinheiro, por isso passaram a vender madeira”, explicou.
Este negócio acaba por gerar financiamento para o grupo terrorista Ahlu Sunnah Wal Jamaah (ASWJ), o principal da região, também conhecido internacionalmente como ISIS-Moçambique e localmente designado por Al-Shebab.
Bloom, que é analista especializada em comércio na EIA, acredita que Maputo esteja a fazer esforços para combater os insurgentes e este tipo de atividades ilícitas.
No entanto, acrescentou, “muitas pessoas estão a receber subornos ao longo do processo da cadeia de abastecimento de madeira ilegal, por isso, têm um certo incentivo para permitir que continue”.
Desde 2002 que existem restrições à exportação de madeira em toro, as quais foram reforçadas em 2017 para proibir a saída de espécies nativas do país. Em 2023, a proibição foi alargada a todas as espécies.
Além de instar o Governo moçambicano a afetar mais recursos à administração florestal e à transparência na indústria do comércio de madeira, a organização quer que companhias de navegação internacionais deixem de transportar madeira ilegal de Moçambique e pede maior intervenção de Pequim.
“Isto é exacerbado, em certa medida, pela enorme quantidade de dinheiro e pela procura destes produtos na China e facilitada pelas companhias de navegação. O Governo chinês poderia fazer muito mais para interditar a importação de madeira ilegal”, defendeu Bloom, referindo bons resultados no passado no combate ao tráfico de marfim.
O contrabando de madeira evidencia também a crescente desflorestação em Moçambique, que desde os anos 1980 perdeu quase metade da área florestal, expondo o país às alterações climáticas e a fenómenos meteorológicos extremos como furacões e tufões.
“O objetivo da proibição da exportação de toros é manter os recursos naturais e, se os quiserem processar, deve ser feito localmente e captar esse valor e criar oportunidades económicas a nível interno e mais empregos para as pessoas de Moçambique e de Cabo Delgado”, vincou.