Áreas Marinhas Protegidas em Portugal e Espanha não são suficientes para proteger os cavalos-marinhos
Investigadores do MARE-Ispa revelam, num estudo publicado na revista Global Ecology and Conservation, que o habitat estimado para as duas espécies de cavalos-marinhos que ocorrem na frente Atlântica da Península Ibérica, o cavalo-marinho de focinho comprido Hippocampus guttulatus e o cavalo-marinho comum Hippocampus hippocampus, tem um baixo nível de proteção.
Segundo a mesma fonte, as Áreas Marinhas Protegidas apenas cobrem aproximadamente 20% do habitat estimado em Portugal continental, e menos de 12% na frente Atlântica de Espanha, sendo que menos de 0,5% são áreas de proteção total. Contudo, os investigadores acreditam que estes valores são sobrestimados, uma vez que a cobertura das Áreas Marinhas Protegidas confere baixos a moderados níveis de proteção, permitindo em muitos casos o uso de redes e armadilhas de pesca, que capturam os cavalos-marinhos de forma acessória.
“A grande maioria das Áreas Marinhas Protegidas não contempla medidas específicas para a proteção dos cavalos-marinhos e de organismos sésseis ou de baixa mobilidade nos seus planos de gestão, isto quando existem planos de gestão. É absolutamente fundamental criar medidas de proteção para estas espécies e dotar as Áreas Marinhas Protegidas de recursos humanos, financeiros e técnicos para que se possam gerir as atividades e a biodiversidade de uma forma sustentável”, refere Gonçalo Silva, coordenador do estudo.
Os cavalos-marinhos são espécies que vivem tipicamente em zonas costeiras onde existe o maior impacto de atividades humanas, ficando por isso muito suscetíveis à poluição, à pesca acessória e à perda de habitat.
O reconhecimento internacional destes fatores de pressão e do seu impacto negativo nas populações de cavalos-marinhos levou a que fossem implementadas medidas de mitigação, entre as quais se destaca a inclusão destas espécies na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), no anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES) e no anexo II da Convenção de Berna.
Recentemente, foi aprovada uma resolução no congresso da UICN que visa a conservação de singnatídeos (cavalos-marinhos, marinhas e dragões-marinhos). Esta resolução (WCC-2020-Res-0951) enfatiza o impacto das atividades humanas nos habitats críticos para os singnatídeos, como por exemplo as pradarias marinhas, e outras zonas de extrema importância para as fases juvenis destas espécies e que se encontram ameaçadas em toda a Europa.
Assim, “urge implementar as diretrizes que esta resolução define, nomeadamente a de recolha de informação do estado das populações de singnatídeos bem como promover ativamente a sua conservação”.
Em Portugal, o decreto-lei nº38/20212 aprova o regime jurídico aplicável à proteção e à conservação de algumas espécies vulneráveis, entre as quais os cavalos-marinhos (e outros singnatídeos), atribuindo um regime de proteção para estas espécies. Estes fatores de proteção, aliados ao carisma e consenso para a preservação destes animais, “fazem com que os cavalos-marinhos sejam considerados espécies-bandeira, usados em ações de sensibilização e de conservação da biodiversidade marinha”.
No nosso país sabe-se muito pouco sobre a distribuição dos cavalos-marinhos, sendo as populações da Ria Formosa as mais estudadas. Na última década, a abundância sofreu uma redução na ordem dos 90%, devido sobretudo a pressões antropogénicas.
“No resto do país não há estudos que permitam inferir sobre as tendências populacionais, mas este estudo vem confirmar que os estuários do Tejo e do Sado, a par da Ria Formosa, são os locais mais importantes para os cavalos-marinhos em Portugal”, afirma a primeira autora do estudo Friederike Peiffer.
“Neste estudo, através de registos anteriores, foi possível estimar o habitat favorável para os cavalos-marinhos. O papel do conhecimento ecológico local e da ciência cidadã, através da partilha do conhecimento de atores-chave como os pescadores e centros de mergulho, ou de observações de cidadãos comuns que partilham o registo (data, fotografia e local) em plataformas online como inaturalist.org/, biodiversity4all.org ou iseahorse (https://projectseahorse.org/iseahorse), permitem que estas observações possam ser utilizadas por cientistas para compreender melhor a distribuição das espécies”, continua.
Recentemente, no âmbito do projeto CavALMar foi descoberto um núcleo populacional de cavalos-marinhos no estuário do Tejo de interesse ecológico e para a conservação, mais concretamente na baía da Trafaria (concelho de Almada), confirmando os resultados deste artigo onde o estuário do Tejo surge como um hotspot de cavalos-marinhos.
Este artigo foi realizado no âmbito da tese de doutoramento da estudante Friederike Peiffer, financiado pela FCT (Refª 2020.07299.BD). Tem como objetivo compreender o estado de espécies marinhas vulneráveis e estimar o impacto das alterações climáticas na distribuição destes organismos.
Resulta da colaboração de diversos investigadores e centros de investigação a nível nacional como o MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, o IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o CCMAR Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve e o Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, mas também do Project Seahorse da Universidade de British Columbia no Canadá e do Grupo de Especialistas em Cavalos-marinhos, marinhas e dragões marinhos da Comissão para a sobrevivência de Espécies da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).