Lobos comedores de néctar revolucionam entendimento sobre polinização
A polinização é fundamental para que as plantas possam reproduzir-se. É um processo que, em traços largos, define a transferência das células sexuais masculinas, contidas nos grãos de pólen, para as estruturas sexuais femininas.
A dispersão do pólen pode ser feita por meios abióticos, como o vento ou a água, mas acontece sobretudo com a ajuda de animais. As abelhas e as borboletas são consideradas os polinizadores por excelência, não só pelos seus estilos de vida altamente dependentes de pólen e néctar, mas também pela longa história de evolução conjunta que partilham com as plantas com flor.
Ainda assim, a polinização pode ser feita por outros tipos de animais, como anfíbios e morcegos. E uma nova investigação científica vem ampliar ainda mais o leque de polinizadores.
Uma equipa internacional de cientistas, liderada pela Universidade de Oxford (Reino Unido), revela que também os canídeos podem ser vetores de polinização. Num artigo publicado na revista ‘Ecology’, anunciam ter captado os primeiros registos de interação entre uma planta e um grande carnívoro, o lobo-etíope (Canis simensis).
Através de trabalho de campo nas terras altas da Etiópia, os investigadores observaram lobos-etíopes a alimentarem-se do néctar de uma planta nativa da região, a Kniphofia foliosa, floresce em abundância entre maio e outubro. Por produzirem grandes quantidades de néctar doce e devido às suas cores chamativas, essas plantas atraem uma variedade de polinizadores, como insetos, aves e mamíferos.
A celebridade do néctar da K. foliosa é tal que até conquistou os humanos, uma vez que as comunidades Oromo, o maior grupo étnico da Etiópia, usam-no para adocicar o café.
Apontando que o consumo de néctar é um comportamento antes desconhecido dos lobos-etíopes, os investigadores relatam que, durante as observações no local, viram alguns indivíduos a visitar até 30 plantas K. foliosa de uma só assentada. E o comportamento foi registado em lobos de várias alcateias, pelo que se considera que seja amplamente difundido na espécie e poderá ser transmitido entre gerações, pois foram vistos juvenis a acompanhar indivíduos mais velhos nas viagens em busca do néctar.
Ao lamberem o líquido adocicado, o focinho dos lobos-etíopes fica coberto de grãos de pólen, que podem ser transferidos para outras plantas, fazendo-se, assim, a polinização e transformando esse carnívoro selvagem em agente polinizador.
O lobo-etíope é considerado o canídeo selvagem mais raro do mundo e o carnívoro africano mais ameaçado, sendo apenas encontrado nas terras altas da Etiópia e contando com menos de 500 indivíduos atualmente, distribuídos por 99 alcateias. Está classificado como “Em Perigo” na Lista Vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, com uma tendência populacional em decréscimo e tendo na expansão agrícola a principal ameaça à sua sobrevivência.
“Estas descobertas mostram o quanto ainda temos a aprender sobre um dos carnívoros mais ameaçados do mundo”, aponta Sandra Lai, primeira autora do artigo, citada em comunicado. Para a especialista, também membro do Programa de Conservação do Lobo-Etíope (EWCP), os resultados do estudo demonstram também “a complexidade de interações entre diferentes espécies que vivem no belo Teto de África”, nome pelo qual também são conhecidas as terras altas da Etiópia.