Açores com 10 milhões para implementar maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico norte
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O Governo dos Açores, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt, parceiros no programa Blue Azores, assinam esta terça-feira, na ilha do Faial, um memorando de entendimento que define um montante conjunto de 10 milhões de euros para a implementação da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores (RAMPA), a maior do Atlântico Norte.
Depois de em outubro do ano passado ter sido aprovada a ampliação do Parque Marinho dos Açores, por via do Decreto Legislativo Regional 14/2024/A, o Blue Azores vai, nesta nova fase da parceria, focar-se na concretização efetiva da RAMPA, que cobrirá 30% do mar dos Açores, face aos 4% previstos no diploma anterior, sendo que uma metade terá proteção total, ou seja, exclui qualquer atividade extrativa, como a pesca, e a outra proteção elevada, com uma forte regulação dessas atividades.
Com uma área total de 287 mil quilómetros quadrados entre as seis e as 200 milhas náuticas, a rede pretende consolidar a região dos Açores como “líder global na conservação marinha”, dizem os parceiros do Blue Azores em comunicado.
Em conferência online com jornalistas, Luís Bernardo Brito e Abreu, assessor do Presidente do Governo dos Açores, com as pastas do Mar e das Pescas, e coordenador do Blue Azores, salientou que esta nova etapa do programa é o culminar de “seis anos de muito trabalho”.
Para o responsável, RAMPA destaca-se como exemplo a seguir por todos os países e regiões do mundo que se comprometeram, no âmbito do Quadro Global da Biodiversidade emanado do Acordo de Kunming-Montreal de 2022, a proteger 30% dos habitats marinhos e terrestres até ao final da década, vulgarmente conhecido como objetivo 30×30.
Brito e Abreu apontou a Ciência como o principal pilar do programa Blue Azores, salientando que só assim se pode tomar decisões com base “no melhor conhecimento possível”. O segundo eixo, sustentou, são as pessoas, indicando que a RAMPA contou com um processo participativo “relativamente inédito no país”, que se estendeu ao longo de 18 meses e incluiu mais de 40 reuniões com 17 partes interessadas, das quais organizações representantes do setor das pescas e dos pescadores. O terceiro é a política, com o responsável a afirmar que, por os processos participativos poderem alongar-se por vários anos, “chega a altura em que é preciso tomar uma decisão”.
Ainda que tenha referido que a aprovação da ampliação da área marinha protegida foi “uma vitória para os açorianos” e salientando a participação ativa e interessada dos setores afetados, Brito e Abreu reconheceu que “temos bastantes desafios pela frente”.
Um deles será muito provavelmente os impactos da RAMPA no setor da pesca, que, a par do turismo, é um dos vetores económicos mais importantes da região insular. Ao longo do próximo ano, o programa Blue Azores apresentará uma estratégia de reestruturação do setor, que, disse Brito e Abreu, “terá de se adaptar” a essa nova realidade e alinhar-se com os objetivos de uma transição para uma economia azul sustentável.
Ainda assim, o representante do Governo Regional acredita que se conseguirá chegar a um equilíbrio entre os interesses dos pescadores e os da conservação marinha, embora reconheça que nunca será possível satisfazer totalmente todas as partes interessadas. Para ilustrar o envolvimento do setor da pesca em todo o processo, avançou que cerca de dois terços do total das áreas marinhas protegidas que formam a RAMPA tiveram origem em propostas feitas pelo próprio setor em sede de processo participativo.
Apesar de alguns alertas feitos já por associações de pesca dos Açores sobre os impactos que o setor sofrerá com a RAMPA e de apelos a apoios por parte do Governo Regional para colmatá-los, Brito e Abreu considera que será possível “cumprir os objetivos de conservação minimizando os impactos na pesca”.
Em parte, espera-se que isso seja possível graças ao aumento da quantidade de peixe nas águas açorianas que as áreas marinhas protegidas impulsionarão. Por outro lado, estão também previstos apoios, por exemplo, à valorização dos produtos, à modernização das frotas e compensações diretas por perdas de rendimento nos primeiros tempos de vida da RAMPA.
Além disso, está também a ser desenvolvido um estudo para avaliar precisamente os impactos na pesca que servirá, depois, de suporte à definição de mecanismos de compensação.
Está ainda nos planos do Blue Azores a incorporação de áreas protegidas costeiras, da costa às seis milhas náuticas, na RAMPA, que, por ora, inclui apenas áreas marinhas oceânicas.
“As áreas marinhas protegidas são a melhor solução para a proteção do oceano”
Emanuel Gonçalves, coordenador científico e administrador da Fundação Oceano Azul, parceira do programa Blue Azores, declarou, sem querer deixar margem para dúvidas, que “as áreas marinhas protegidas são a melhor solução para a proteção do oceano”.
Aos jornalistas, alertou que a crise climática “está fora de controlo”, que inúmeras espécies marinhas estão em risco de extinção devido à sobre-exploração e à poluição, destacando que “o caso dos plásticos é evidente”. E apontou que a causa de tudo isso é a forma como nós, humanos, temos desvalorizado os mares e oceanos e toda a vida neles contida.
“Estamos a perder Natureza e as comunidades costeiras têm cada vez mais dificuldade em viver dos oceanos”, destacou. Por isso, acredita que “as respostas a estes desafios têm de ser proporcionais ao problema”.
Para Emanuel Gonçalves, a proteção dos ecossistemas marinhos tem sido feita à base de “pensos rápidos”, pelo que as soluções têm de ter escala e velocidade. Como tal, as AMP são a peça central desses esforços de proteção, não só da biodiversidade não-humana, mas também dos modos de vida e da subsistência das comunidades que mais fortemente dela dependem.
Com as AMP, defendeu Emanuel Gonçalves, “temos uma Natureza mais protegida e uma economia azul que se gera em torna dessa Natureza vibrante”, e, por isso, sublinhou que “talvez em 2024 não tenha havido decisão tão importante no mundo no que diz respeito à proteção marinha do que a que foi tomada pelo Açores”, de criação da RAMPA.
As águas marinhas açorianas albergam uma imensa diversidade de formas de vida, estimando-se a ocorrência de mais de 500 espécies de peixes, incluindo endemismos como o peixe-cão (Bodianus scrofa), sendo quase o dobro a variedade de espécies de invertebrados.
Além disso, o mar dos Açores é considerado, a par do arquipélago das Galápagos, da Nova Zelândia e do Sri Lanka, aquele onde ocorre o maior número de espécies de cetáceos, como os célebres cachalotes (Physeter macrocephalus), os golfinhos-comuns (Delphinus delphis), os golfinhos-roazes (Tursiops truncatus), os golfinhos-riscados (Stenella coeruleoalba), os golfinhos-pintados-do-atlântico (Stenella frontalis), as baleias-comuns (Balaenoptera physalus), as baleias-de-bossa (Megaptera novaeangliae), e até as gigantescas baleias-azuis (Balaenoptera musculus) por lá passam.
Também ocorrem outros mamíferos marinhos, como a foca-comum (Phoca vitulina) e a foca-cinzenta (Halichoerus grypus), e répteis, como a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), a tartaruga-verde (Chelonia mydas) e a tartaruga-de-escamas (Eretmochelys imbricata). A toda essa diversidade de animais, junta-se uma ampla variedade vegetal, com mais de 400 espécies de algas.
Decisões regionais, impactos globais
Apesar de a decisão de ampliação do Parque Marinho açoriano ter sido tomada ao nível regional, os seus impactos poderão ter repercussões de dimensão global.
Kathryn Mengerink, diretora-executiva do Instituto Waitt, uma organização filantrópica sediada na Califórnia (Estados Unidos da América) que apoia governos nos seus esforços de proteção marinha e de maior sustentabilidade nas atividades oceânicas, recordou que durante décadas os cientistas têm vindo a alertar para os impactos humanos nos mares e oceanos, mas que a política nem sempre os ouviu ou agiu com o sentido de urgência exigido.
Apontando que “muitos países estão significativamente atrasados” nos seus esforços para alcançar o objetivo 30×30 (faltam já menos de cinco anos), Mengerink, doutorada em Biologia Marinha, acredita que os impactos da RAMPA se sentirão por todo o planeta. Isto, porque os mares açorianos são visitados por várias espécies migradoras, sendo, por isso, fundamentais para a sua sobrevivência a nível global.
Porque os ciclos políticos e os ciclos da Natureza nem sempre coincidem, a responsável apontou que “é importante perceber que estes resultados podem demorar anos a notar-se”, defendendo que, por isso mesmo, é preciso garantir que as áreas marinhas protegidas não são “meras linhas num mapa” e “torná-las realidade”. E aponta que a RAMPA faz isso mesmo.
Fiscalização das AMP é algo “crítico”
Dado que a RAMPA implicará a interdição de áreas marinhas a atividades extrativas, como a pesca, é importante assegurar que essa proteção não é violada. Por isso, a fiscalização e monitorização de atividades ilegais é algo que Emanuel Gonçalves considera ser “crítico”, acrescentando que algumas áreas marinhas protegidas falham nos seus propósitos de conservação “porque as pessoas não respeitam”.
Luís Bernardo Brito e Abreu, coordenador do programa Blue Azores, salientou que o diploma que codifica a RAMPA “altera completamente o regime contraordenacional”, com um “aumento exponencial das coimas” por violação das interdições impostas pelas áreas marinhas protegidas nos Açores. E indica que as violações passarão a ser enquadradas como crimes ambientais.
De recordar que em novembro de 2024, um mês após a aprovação da RAMPA, o Governo Regional dos Açores reforçou a parceria com a Marinha Portuguesa e com a Autoridade Marítima Nacional, tendo em vista o uso de sistemas de vigilância marítima na região.
“O acordo assume particular importância no contexto da nova Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores, considerada um instrumento fundamental para a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas únicos do arquipélago”, salienta o Executivo açoriano em comunicado.
De acordo com o programa Blue Azores, a RAMPA deverá estar implementada até 2028, depois de estabelecidos todos os quadros jurídicos e sistemas de gestão necessários.
“A parceria renovada hoje garante que esta visão ambiciosa de proteger o nosso mar se torne realidade, proporcionando benefícios tangíveis tanto para os nossos ecossistemas marinhos como para o povo açoriano, que deles depende”, salientou José Manuel Bolieiro, Presidente do Governo Regional dos Açores, citado em nota. “Esta medida terá benefícios a longo-prazo para a Europa, o Atlântico, e, esperamos, inspirará outras regiões e países a fazer o mesmo.”