Financiamento para conservação da biodiversidade está a esquecer espécies menos visíveis e mais ameaçadas
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A maioria do financiamento, a nível global, de projetos para a conservação de espécies selvagens tem como foco espécies maiores e mais emblemáticas, como aves e grandes mamíferos, e a deixar de lado espécies menos visíveis e mais ameaçadas, como anfíbios e algas.
De acordo com investigadores das universidades de Hong Kong (China) e de Florença (Itália), com base na análise do financiamento de mais de 14 mil projetos de conservação em todo o mundo entre 1992 e 2016, parece existir um “viés taxonómico substancial” a favor de certas espécies ou grupos, alguns deles nem ameaçados de extinção.
Num artigo publicado esta semana na ‘PNAS’, os cientistas estimam que, no total, foram investidos cerca de 1,9 mil milhões de dólares nesses projetos, a maioria para a conservação de vertebrados. Dentro desse grupo, as aves e os mamíferos são os mais apoiados.
Depois de identificarem as espécies-alvo de cada projeto, os autores compararam os estatutos de ameaça de cada uma delas, com base na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, e a quantidade de financiamento recebido para a sua conservação.
“Quase 94% das espécies identificadas como ameaçadas, e, por isso, em risco direto de extinção, não receberam qualquer apoio”, lamenta Benoit Guénard, primeiro autor do artigo, citado em comunicado. Os investigadores acreditam que a preferência das entidades financiadoras (governos, empresas, instituições internacionais) por espécies mais vistosas e carismáticas não permite uma “efetiva conservação da biodiversidade”.
“Proteger esta maioria negligenciada, que desempenha uma miríade de papéis nos ecossistemas e representa estratégias evolutivas únicas”, sustenta Guénard, “é fundamental se o nosso objetivo comum for a preservação da biodiversidade”.
No artigo, os autores escrevem que vários grupos altamente ameaçados, como os anfíbios, recebem pouco apoio financeiro para a sua conservação, e há cada vez menos dinheiro a ser investido na sua conservação.
Os grupos que recebem mais financiamento são, de longe, as aves e os mamíferos, seguidos pelos peixes e pelas plantas terrestres. No fim da lista, surgem os anfíbios e os invertebrados, e, a uma distância enorme de todos os outros, surgem as algas e os fungos.
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Fonte: Universidade de Hong Kong
Os cientistas dizem que a falta de financiamento para os grupos com maior biodiversidade limita o que se pode fazer para protegê-los, incluindo a atualização do conhecimento existente.
“Alguns dos grupos com os níveis mais altos de extinção, como caracóis de água doce, têm as avaliações mais desatualizadas de todas”, aponta Alice Hughes, outra das principais autoras.
Além disso, mais de metade os projetos e do financiamento foram direcionados para a proteção de apenas uma espécie, “em vez de se focarem em múltiplas criaturas”, argumentam os investigadores.
“Os governos, em particular aqueles que representam as principais fontes de financiamento [de projetos de conservação], têm de seguir uma abordagem mais rigorosa e orientada pela Ciência no que toca ao financiamento da conservação”, defende Guénard.
“É também urgentemente necessária uma maior cooperação global para estudar e proteger grupos ricos em espécies, e partilhar informação sobre investimentos em conservação”, apela o investigador da Universidade de Hong Kong.