“Supergenes” ajudam peixes a adaptar-se a novos habitats e a evoluírem para novas espécies

Como é que surgem novas espécies? Como é que a Terra se tornou o lar de tamanha diversidade de formas de vida? Estas são apenas algumas das questões que têm fascinado e mistificado os cientistas ao longo dos séculos.
Contudo, um lago na África oriental pode dar novas pistas. Trata-se do Lago Niassa, partilhado pelo Malawi, pela Tanzânia e por Moçambique, onde reside um grande número de espécies de peixes da família dos ciclídeos, mais de 800, e todas elas terão evoluído a partir de um único antepassado comum. O mais impressionante é que essa enorme diversidade aconteceu numa fração do tempo que demorou aos humanos e aos chimpanzés para divergirem do seu próprio antepassado.
Surpreendido? Há mais. Todas essas mais de 800 espécies de ciclídeos surgiram precisamente no Lago Niassa: uns tornaram-se exímios predadores, outros adaptaram-se a dietas à base de algas, alguns procuram comida na areia e ainda uns quantos aprenderam a alimentar-se de organismos microscópicos conhecidos como plâncton. Isso significa que nesse corpo de água, formado há cerca de dois milhões de anos, o terceiro maior de África com 29.500 quilómetros quadrados de superfície e considerado aquele que mais espécies de peixes tem em todo o planeta, um único peixe antigo deu origem a centenas de espécies e cada uma delas adaptou-se a um nicho ecológico específico.
Uma equipa de cientistas, coordenada pelas universidades de Cambridge e de Antuérpia, que contou com a participação de Sandra Louzada, investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), acredita ter descoberto a razão pela qual essa explosão de novas espécies, fenómeno conhecido como especiação, aconteceu num tão curto espaço de tempo.
Para isso, fizeram análises genéticas a mais de 1.300 ciclídeos, de 240 espécies, e descobriram que em cinco cromossomas de algumas delas porções de ADN sofreram um tipo de mutação conhecido como “inversão cromossómica”, o que, essencialmente, significa que parte desses blocos de informação genética está “de cabeça para baixo”.
Quando os animais se reproduzem, o ADN dos dois progenitores é misturado um com o outro e volta a ser estruturado, dando origem a uma nova constituição genética, num processo chamado recombinação. No entanto, quando ocorre a inversão cromossómica, essa recombinação é travada, pois, em termos muito simples, os componentes do cromossoma de um progenitor não encontram correspondência no cromossoma do outro. Dessa forma, os cromossomas com essa mutação passam para a descendência intactos, atravessando gerações. Os cientistas dizem que isso permite preservar adaptações úteis que ajudam os animais a adaptar-se a diferentes ambientes e acelera a evolução, isto é, genes que ajudaram os seus antepassados a prosperarem ajudarão, agora, a sua descendência.
A esses genes que se mantêm preservados os biólogos chamam “supergenes”. Ainda que as espécies de ciclídeos possam reproduzir-se umas com as outras, a inversão cromossómica permite manter alguns cromossomas intactos, impede que os seus ADN se misturem totalmente e, assim, mantém as espécies separadas umas das outras. Resultado? Uma grande diversidade de espécies diferentes num único lago.
“Quando diferentes espécies de ciclídeos se cruzam, inversões inteiras podem passar entre elas, levando consigo traços importantes para a sobrevivência, como adaptações a ambientes específicos, acelerando o processo da evolução”, salienta Moritz Blumer, primeiro autor do artigo que dá conta da descoberta, publicado este mês de junho na revista ‘Science’.
As inversões cromossómicas não são exclusivas dos ciclídeos, tendo sido já encontradas noutros animais, incluindo nos humanos, e “são cada vez mais vistas como um fator chave na evolução e na biodiversidade”, acrescenta Richard Durbin, que também assina do estudo.
Os investigadores acreditam que desvendar os segredos dos “supergenes”, como se formam, como evoluem e como se disseminam, aproximar-nos-á cada vez mais das respostas a questões que há muito não as têm.