REPORTAGEM: Primeira reserva natural do país era há 50 anos usada como lixeira



A zona onde se situa a primeira reserva natural classificada em Portugal, no Algarve, era há 50 anos usada para depositar lixo, mas hoje serve de habitat a 200 espécies de aves, entre as quais os flamingos.

A Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, no distrito de Faro, junto à foz do Rio Guadiana, foi criada no papel em 1975, mas só em 1988 é que entraram em funções os primeiros vigilantes da natureza.

Um deles era Paulo Monteiro – ainda hoje vigilante naquela área protegida, agora sob a égide do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) -, que contou à Lusa que a reserva foi criada para impedir o avanço de uma lixeira.

Segundo o responsável, a criação da reserva acabaria por contribuir para travar a deposição de lixo naquela área natural, numa época em que havia pouca consciência ambiental, inclusivamente por parte das autarquias.

“Hoje, também as autarquias olham para a conservação da natureza [de forma] completamente diferente. Hoje temos autarcas que veem a conservação da natureza como uma mais-valia, como um valor acrescentado. E isso é claro que tem importância na valorização da área protegida”, considerou.

Mas, até chegar ao que é hoje, houve outras ‘batalhas’ que tiveram de ser travadas para proteger uma área que se estende por 2.300 hectares constituídos por sapais salgados, corpos de água salobra, salinas e esteiros.

“Além dos caçadores, os proprietários existentes aqui na área da reserva olhavam para a reserva como um impedimento do desenvolvimento. Hoje a realidade é completamente diferente”, garantiu Paulo Monteiro.

Segundo o vigilante da natureza, além da proibição da caça, a criação da reserva natural foi responsável pela união dos salineiros, que formaram uma cooperativa e tiveram de começar a trabalhar em conjunto, facilitando a organização do espaço.

“Evidentemente, também não foi um trabalho fácil convencê-los a trabalhar em conjunto, porque as pessoas têm ideias completamente diferentes. Mas, lá está, foi uma aposta que foi feita e cujos resultados foram bastante positivos”, referiu.

A trabalhar na reserva aproximadamente desde a mesma altura que Paulo Monteiro, Rosa Madeira lembra como há 37 anos muito pouca gente tinha noção de que ali existia uma área protegida e tem sido esse o seu papel: divulgar a reserva e sensibilizar a comunidade.

Segundo a técnica do ICNF, é a criação da reserva que permite que, atualmente, se possa usufruir daquele espaço de uma forma natural, sendo o flamingo uma das espécies mais procuradas por quem visita a área protegida.

Em 2020, a espécie nidificou pela primeira vez em Portugal e o local escolhido foi a reserva que ocupa territórios dos concelhos vizinhos de Castro Marim e Vila Real de Santo António, embora o feito não se tenha voltado a repetir até hoje.

“Também foi um ano atípico, um ano de [pandemia de] covid, em que o turismo de natureza estava resguardado e a zona onde eles nidificaram tornou-se uma zona muito mais tranquila porque são aves que nidificam em colónia”, explicou.

De acordo com Rosa Madeira, os flamingos “já fizeram mais algumas tentativas” de nidificação, mas não tiveram sucesso, situação para a qual não há ainda explicação, estando em curso projetos para tentar que a espécie ali volte a nidificar.

Não muito longe, do outro lado da fronteira, em Espanha, o Parque Nacional de Doñana, uma das maiores zonas húmidas da Europa, está a ser seriamente ameaçado pela seca, levando algumas empresas espanholas de passeios a procurar a reserva portuguesa.

“Há empresas de turismo da natureza que neste momento têm vindo para Portugal, porque Doñana teve um período muito conturbado, e as empresas começaram a apostar no turismo de natureza aqui na zona da reserva, porque era um turismo mais próximo, de proximidade”, relatou.

A reserva natural é atualmente administrada por uma comissão de cogestão composta pelos presidentes das autarquias de Castro Marim e Vila Real de Santo António, pelo diretor regional da Conservação da Natureza e Florestas do Algarve e por representantes da Universidade do Algarve, de organizações não-governamentais de ambiente e associações locais.






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