“Portugal tem um enorme potencial para explorar o design biofílico”

Nuno Matos Cabral foi diretor criativo do Gato Preto e ocupa atualmente o mesmo cargo na Matceramica Group & Nosse l Portugal. A paixão pelo design biofílico surgiu durante o seu percurso pelo design sustentável. Ouviu falar pela primeira vez no conceito, em Milão, depois num curso sobre arquitetura sustentável, e a partir daí começou a aprofundar os seus conhecimentos sobre o assunto. Para ele, as formas inspiradas na natureza “são altamente transformadoras”, razão pela qual servem de inspiração para muitos dos seus projetos.
Em entrevista à Green Savers, o designer, que já venceu vários prémios internacionais e que teve um blog onde explicava como podemos ter um dia 100% sustentável, fala sobre o conceito do design biofílico, quando e como é que surge, e sobre como pode ser aplicado nos projetos arquitetónicos, em produtos e em interiores.
Para Nuno Matos Cabral, Portugal “tem um enorme potencial para explorar o design biofílico graças à riqueza dos seus recursos naturais, à qualidade da luz e à ligação cultural com a terra e com a imensa costa marítima”. Por isso, acredita que o país “pode acelerar o processo e transformar-se num dos maiores players nesta área”.
– O que é exatamente o design biofílico?
Em primeiro lugar é importante explicar que o design biofílico não é uma nova forma de construir. É uma nova forma de pensar e incorporar experiências sensoriais, que tem como objetivo a conexão do ser humano com a natureza nas edificações construídas. No design biofílico, partimos da utilização de elementos como a luz natural, plantas, água, texturas, outros materiais naturais e formas orgânicas, para criar espaços que proporcionam bem-estar e ambientes harmoniosos.
“No design biofílico, partimos da utilização de elementos como a luz natural, plantas, água, texturas, outros materiais naturais e formas orgânicas, para criar espaços que proporcionam bem-estar e ambientes harmoniosos”
– Quando e como é que surge?
O design biofílico surge a partir da ideia de “biofilia” que o biólogo Edward O. Wilson foi tornando mais popular nos anos 80 e sublinha a nossa afinidade inata com os sistemas naturais onde vivemos. A conceção biofílica reconhece que a nossa espécie evoluiu durante mais de 99% da sua história numa resposta adaptativa ao mundo natural, que é fundamental para a saúde física e mental, para o bem-estar das pessoas. À medida que fomos assistindo à edificação acelerada e em massa, afastando as pessoas dos ambientes naturais, o design biofílico foi ganhando relevância, passando a ser utilizado com mais regularidade em projetos de arquitetura, design de interiores e urbanismo a partir das décadas de 90 e 2000.
– Quais os seus objetivos e as suas vantagens?
O foco é promover o bem-estar físico e mental, a redução do stress, aumentar a produtividade e a criatividade, melhorar a saúde emocional e estimular comportamentos sustentáveis.
– Como é que se aplica o design biofílico nos projetos arquitetónicos?
O Design Biofílico aplica-se tendo em conta as três grandes áreas:
– Experiência direta com a natureza, onde os elementos da natureza são incorporados no edificado, tais como jardins interiores, paredes verdes e áreas ao ar livre. Grandes aberturas, claraboias e janelas amplas para promover a iluminação e ventilação natural;
– Padrões naturais, construções ou elementos inspirados em padrões e formas da natureza, formas orgânicas, onde as superfícies curvas e linhas são inspiradas nas formas encontradas na natureza;
– Lugares e Culturas, refere-se a caraterísticas espaciais próprias do ambiente natural que contribuíram no passado para a saúde e o bem-estar dos humanos, que podem ser aplicados nas construções do presente e do futuro.
– O design biofílico chega para resgatar os ambientes naturais?
Embora o design biofílico promova uma reconexão essencial entre o ser humano e a natureza, não devemos encará-lo como uma solução para “resgatar” os ambientes naturais. Este conceito, que integra elementos naturais e orgânicos nos espaços construídos, é uma resposta ao impacto massivo da construção e ao consequente afastamento das pessoas do mundo natural. No entanto, o seu objetivo principal é criar ambientes interiores mais saudáveis, harmoniosos e inspiradores.
O verdadeiro “resgate” dos ambientes naturais exige uma abordagem muito mais ampla, que inclui políticas públicas diferenciadas, conservação de ecossistemas, redução do impacto ambiental das atividades humanas e uma mudança cultural em relação à forma como interagimos com o planeta.
O design biofílico pode e deve ser um aliado nesse processo, servindo como uma ferramenta educativa e sensibilizadora. Deve aproximar as pessoas da natureza, através da colocação de vegetação nos escritórios, luz natural nos interiores e materiais sustentáveis nas construções. Este tipo de design tem o poder de criar um impacto emocional profundo, despertar maior consciência ambiental e inspirar atitudes e comportamentos mais responsáveis em relação à preservação da natureza.
O design biofílico não resgata os ambientes naturais, mas pode ser um catalisador para relembrar a importância deles, incentivando-nos a agir de forma mais consciente e sustentável, tanto no nosso modo de vida como nas nossas escolhas diárias.
– Como aplicar princípios biofílicos no produto e nos interiores?
O objetivo é criar ambientes ou produtos que proporcionem bem-estar e harmonia. Uma das formas de o conseguir é através de formas inspiradas na natureza, no caso dos interiores, com a incorporação de materiais naturais, como madeira, pedra ou fibras orgânicas, como o algodão e o linho.
A utilização de plantas vivas é outra abordagem essencial no design biofílico. Jardins verticais, vasos com plantas de diferentes tamanhos e texturas, ou até mesmo ervas aromáticas, não apenas decoram, mas também podem contribuir para purificar o ar e refrescar o ambiente. Complementando essa estratégia, a paleta de cores inspirada na natureza desempenha um papel importante. Tons de verde, castanho, azul e cores terrosas, evocando florestas, oceanos e paisagens naturais, podem ser integrados em paredes, peças de decoração, têxteis e mobiliário, criando uma atmosfera acolhedora e relaxante.
“Embora o design biofílico promova uma reconexão essencial entre o ser humano e a natureza, não devemos encará-lo como uma solução para ‘resgatar’ os ambientes naturais”
Padrões que replicam formas naturais, como folhas, ramos, ondas ou crustáceos, também são excelentes para reforçar a conexão visual com a natureza. Estes podem ser usados em tecidos, tapetes ou papéis de parede, proporcionando continuidade estética. Espaços que permitem a entrada de luz solar, complementados por cortinas translúcidas ou espelhos estrategicamente posicionados para refletir essa luz, criam ambientes mais confortáveis.
A integração de elementos de água e som é outra maneira eficaz de aplicar o design biofílico. Fontes decorativas ou materiais acústicos que imitam sons naturais, como o da floresta ou das ondas do mar, proporcionam uma experiência sensorial que promove relaxamento e foco.
A sustentabilidade e circularidade são pilares essenciais do design biofílico. Utilizar produtos e materiais fabricados de forma ética e sustentável, recorrendo a processos que respeitam o ciclo natural, reforça a ligação com a natureza de forma responsável. Texturas sensoriais também desempenham um papel crucial, convidando ao toque com materiais como madeiras polidas, tecidos macios ou superfícies em cerâmica artesanal, criando uma conexão emocional com os objetos e os espaços.
Por fim, a integração subtil da tecnologia permite equilibrar as necessidades da vida moderna com o design biofílico, garantindo que os elementos tecnológicos não dominem o espaço e permitindo que os naturais permaneçam em destaque. O design biofílico vai para além de uma simples tendência estética, é uma abordagem transformadora que melhora a saúde, reduz o stress e nos reconecta com as raízes da nossa existência: a natureza.
– O design biofílico faz com que as pessoas adotem comportamentos mais sustentáveis?
Tem um grande impacto nisso, sim. Ao experienciar os benefícios de elementos naturais nos espaços, como plantas, luz natural e materiais sustentáveis, as pessoas passam a valorizar mais o ambiente e a adotar práticas como reciclagem e consumo responsável. Embora não transforme automaticamente os comportamentos, o design biofílico cria as condições para inspirar escolhas mais conscientes e ecológicas.
– Acredita que as pessoas que têm comportamentos mais sustentáveis estão em maior contacto com a natureza?
Sim, a relação com ambientes naturais fortalece o sentido de responsabilidade e empatia pelo planeta. Pessoas que passam mais tempo em contacto com a natureza tendem a valorizar mais os recursos naturais e a compreender melhor a importância da sustentabilidade.
– Como vê o conhecimento e adoção do design biofílico em Portugal?
Em Portugal, o design biofílico ainda está numa fase inicial de reconhecimento, mas tem vindo a ganhar relevância.
No entanto, a adoção generalizada ainda enfrenta desafios, como a falta de informação e a ideia de que incorporar elementos biofílicos pode ser mais caro ou complexo. Apesar disso, iniciativas de sustentabilidade e o foco no bem-estar nas empresas e espaços públicos estão a impulsionar a aceitação deste conceito.
“À medida que questões como a saúde mental, bem-estar e sustentabilidade ganham maior relevância, o design biofílico ocupa cada vez mais espaço”
Portugal tem um enorme potencial para explorar o design biofílico graças à riqueza dos seus recursos naturais, à qualidade da luz e à ligação cultural com a terra e com a imensa costa marítima. O nosso País pode acelerar o processo e transformar-se num dos maiores players nesta área. Para além de todas as vantagens inerentes ao design biofílico, também poderia criar um polo diferenciador na Europa. Porque não um parque empresarial concretizado de raiz, tendo como base o design biofílico, ou um shopping? Com mais educação e sensibilização, é provável que o design biofílico se torne uma abordagem central no desenvolvimento de espaços mais humanos, saudáveis e sustentáveis no país.
– Como vê o futuro biofílico da Arquitetura e do Design de Interiores?
O futuro parece promissor. À medida que questões como a saúde mental, bem-estar e sustentabilidade ganham maior relevância, o design biofílico ocupa cada vez mais espaço.
No futuro, espera-se uma integração mais fluida e tecnológica dos princípios biofílicos, com soluções arquitetónicas que aproveitem ao máximo a luz natural, incorporem jardins verticais, tetos verdes e sistemas de ventilação natural. As cidades podem tornar-se mais verdes, com edifícios que funcionam como ecossistemas em miniatura, por exemplo.
No design de interiores, o foco estará em materiais naturais, duráveis e recicláveis, e em espaços multifuncionais que promovam a calma, a criatividade e a produtividade. Depois há também a personalização biofílica, com tecnologias que permitem adaptar a iluminação, a temperatura e até os sons dos ambientes para imitar condições naturais.
Além disso, a arquitetura e o design de interiores biofílicos não estarão apenas associadas às categorias do luxo, mas também acessíveis a um público mais amplo. Com o avanço da consciencialização e regulamentações governamentais, veremos o design biofílico tornar-se uma norma, especialmente em escolas, hospitais, escritórios e habitações, onde os seus benefícios para a saúde e o bem-estar são inegáveis. Será uma evolução natural, penso eu.
– Falta uma clara definição do objeto de estudo desta área nos projetos imobiliários?
Antes de discutir a definição do objeto de estudo do design biofílico nos projetos imobiliários, é fundamental reconhecer que ainda falta uma campanha massiva de sensibilização sobre tudo isto. O design biofílico não é apenas uma tendência estética, é uma filosofia que promove o bem-estar humano e a sustentabilidade ao integrar elementos da natureza nos ambientes construídos. No entanto, para que seja efetivamente adotado e compreendido, é necessário educar tanto profissionais do setor como o público em geral sobre os seus benefícios.
Essa sensibilização deve começar com ações educativas, workshops, conferências e a inclusão do design biofílico nos currículos académicos de arquitetura, design e urbanismo.
A médio e longo prazo, a criação de regulamentação específica que incentive ou exija a aplicação de princípios biofílicos em projetos urbanos pode acelerar a sua implementação. Políticas públicas que incentivem o uso de materiais sustentáveis, a integração de vegetação e o aproveitamento da luz natural podem ajudar a consolidar o design biofílico como parte integrante dos projetos imobiliários em Portugal.
“Elevar o design biofílico a um outro patamar exige uma abordagem integrada que combine educação, inovação, políticas públicas e a criação de exemplos de sucesso”
Sem esta base de sensibilização e legislação, o design biofílico continuará a ser visto como um “luxo” em vez de uma necessidade. Portanto, o foco inicial deve ser na educação e na consciencialização, abrindo caminho para a sua definição clara e aplicação em larga escala.
– Como elevar o design biofílico a um outro patamar?
Elevar o design biofílico a um outro patamar exige uma abordagem integrada que combine educação, inovação, políticas públicas e a criação de exemplos de sucesso. Em primeiro lugar, é essencial investir na sensibilização de profissionais e do público em geral sobre os benefícios do design biofílico. Depois, a inovação tecnológica também desempenha um papel crucial. O uso de novas tecnologias, como sensores ambientais, sistemas inteligentes para monitorizar a qualidade do ar e da luz, e materiais bio, podem ampliar as possibilidades e tornar o design biofílico mais eficiente e acessível. Além disso, parcerias com cientistas, designers e engenheiros podem levar ao desenvolvimento de soluções pioneiras que demonstrem como a natureza pode ser integrada de forma harmoniosa e funcional nos espaços construídos.
Depois, como já disse, é importante criar regulamentações e incentivos que favoreçam a aplicação do design biofílico em projetos públicos e privados. A tudo isto junta-se, na minha opinião, a questão mais simbólica da criação de projetos emblemáticos que sirvam de inspiração e referência. Espaços públicos, escritórios, hotéis e habitações que integrem princípios biofílicos de forma exemplar podem demonstrar o impacto positivo desta abordagem.
– Quando é que surge esta paixão pelo design biofílico?
A paixão pelo design biofílico surgiu durante o meu percurso pelo design sustentável. Ouvi falar pela primeira vez de design biofílico, de uma forma muito genérica, no Master, em Milão. Voltei a ouvir falar do tema num curso sobre arquitetura sustentável, e a partir daí comecei a aprofundar os meus conhecimentos sobre o assunto, nomeadamente com informação disponibilizada por entidades internacionais, nomeadamente pelo Instituto do Design Biofílico, nos EUA. Sempre tive como princípio, que as formas inspiradas na natureza são altamente transformadoras, servindo-me de inspiração para muitos dos projetos que já desenvolvi e que vou continuar a desenvolver.
*Artigo publicado originalmente na revista de março de 2025