Como São Francisco vai triplicar a partilha de bicicletas em seis anos



As semelhanças entre São Francisco e Lisboa vão para além das pontes suspensas, eléctricos e colinas, uma vez que ambas as cidades têm grandes áreas metropolitanas e vários problemas de mobilidade.

Uma das formas que as duas cidades encontraram para solucionar o problema é aumentar o uso da bicicleta. Porém, São Francisco está anos-luz à frente de Lisboa no que toca a incentivar o uso da bicicleta e restante rede de transportes públicos. São Francisco pretende que o seu sistema de partilha de bicicletas atinja 10% das viagens da cidade em 2018. Em Lisboa, este sistema atinge apenas 1%, bem abaixo da meta de São Francisco, da Europa ou da European Cycling Federation (ECF), que pretende que em 2020 o sistema de partilha das duas rodas se situe nos 15%.

Para incentivar a este uso da bicicleta, a ECF organiza anualmente um ciclo de conferências, a Velo-city, que já tem anfitriões escolhidos até 2016, sendo que as candidaturas para a edição de 2017 estão a decorrer. Neste sentido, a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBI), membro da ECF, lançou o desafio à autarquia de Lisboa para concorrer à edição de 2017.

Em resposta à MUBI, a Direcção Municipal de Mobilidade de Transportes de Lisboa convidou Timothy Papandreou, vice-director da Agência de Transportes de São Francisco (SFMT A), – e que será orador na conferência deste ano da ECF, em Adelaide, Austrália – para falar deste plano ambicioso de São Francisco para estimular o uso da bicicleta.

Um sistema barato que se baseia em parcerias

O boom do uso da bicicleta em São Francisco ocorreu em 2007, com o eclodir da crise mundial, que levou muitas pessoas a começar a utilizar meios de transporte mais económicos que o automóvel.

Esta cidade californiana tinha, na altura, uma rede pobre e degradada de ciclovias, que não impediu, porém, que cada vez mais pessoas trocassem o carro pela bicicleta. Apercebendo-se da ocorrência e do incremento do uso deste meio de transporte, a SFMTA lançou há quatro anos um plano para remodelar o sistema e rede de transportes públicos de São Francisco.

O sistema de transportes desta cidade norte-americana compreende metro, rede comboios, táxis, autocarros, sistema de partilha de carros eléctricos, de scooters e de bicicletas, que servem a população da Bay Area – com cerca de sete milhões de habitantes. As autoridades estimam que a população continue a aumentar nos próximos anos e, como tal, é necessário dar resposta à crescente procura de meios de transporte.

O plano para a remodelação do sistema de transporte públicos é um projecto que engloba vários departamentos municipais e só assim funciona, como explica Timothy Papandreou, já que é ineficiente implementar novos sistemas de partilha de veículos, se não houver coordenação com as entidades que gerem estes transportes – ou com o departamento de planeamento de vias, por exemplo.

Desde a sua implementação, o plano já permitiu a requalificação e implementação de estruturas que estimularam a utilização de meios de transporte públicos e mais ecológicos. Facto que constata esta preferência crescente por meios de transporte alternativos é a diminuição do número de cartas de condução emitidas, pela primeira vez na história da cidade, no último ano. “Os mais novos preferem ter um smartphone que lhes permita indicar as opções de mobilidade – e não um carro”, indica Papandreou.

Porém, os agentes de São Francisco conseguiram um sistema de transportes públicos tão eficiente graças “aos muitos erros que cometeram no passado”, como explica o vice-director da SFMTA. E por muito surpreendente que possa parecer, o principal objectivo do sistema não é o ecológico, apesar das vantagens inerentes que possa ter para o meio ambiente. “O argumento económico para o que estamos a fazer não é principalmente o ambiental. Estamos a fazer isto pela economia própria da cidade. Se as pessoas tiverem um carro vão ter menos dinheiro para gastar, porque vão ter de pagar o carro. Ao terem alternativas eficientes têm mais dinheiro para investir no comércio e na economia local”, indica.

Melhorar a experiência através da tecnologia

A par das várias opções de deslocação, as autoridades municipais têm a preocupação constante de melhorar a experiência de utilização dos transportes. Com tantos meios disponíveis, o município criou um único cartão que permite utilizar todos os transportes, assim como aplicações para os dispositivos móveis que permitem saber o tempo de espera, trajectos e opções de transporte disponíveis.

Adicionalmente, as autoridades valorizam muito as opiniões e sugestões dos munícipes. Assim, organizam reuniões frequentes com os moradores das diversas áreas da cidade para saberem como é que podem melhorar os transportes na respectiva zona. Desenvolveram também plataformas online, onde os cidadãos podem comunicar com as entidades. “Por exemplo, as pessoas utilizam o Twitter para comunicar connosco. Indicam-nos quando algo não está a funcionar ou quando os transportes estão sujos. Desta forma podemos ser mais eficientes, explica Papandreou.

Um sistema que se baseia na troca pela troca

A principal forma que a autarquia vai utilizar para triplicar o sistema de bike share é fomentando a troca pela troca – o mode shift efect. Ao possuírem uma boa rede de transportes públicos, as pessoas vão começar a trocar o carro pelo autocarro ou metro. O número de utilizadores vai então aumentar, o que levará a que os utilizadores dos autocarros troquem estes veículos pela bicicleta e os ciclistas comecem também a andar a pé. “É preciso mudar. Se não mudarmos vamos acabar como Detroit”, assevera o vice-director.

E para que os cidadãos troquem o autocarro pela bicicleta – para que os que ainda usam o carro possam passar a utilizar o autocarro – a SFMTA recuperou nos últimos anos várias ciclovias e construiu outras. Os percursos para as bicicletas estão agora todos assinalados e existem várias pistas onde não existe mesmo o contacto com os carros.

Paralelamente, no último ano, foi lançado um sistema de bike share com cerca de 350 bicicletas e 35 estações. Porém, na Bay Area existem 700 bicicletas públicas e 70 estações.

A SFMTA trabalha ainda com a polícia municipal para saber quais são as áreas mais perigosas para os ciclistas e poder melhorar a segurança nesses troços. Em 2024, as autoridades de São Francisco pretendem ter 0% de fatalidades nas estradas municipais.

Adicionalmente, as estradas mais movimentadas são cortadas ao trânsito um domingo uma vez por mês, para que possam ser utilizadas pelos ciclistas e pelos pedestres, o que incentiva ao uso da bicicleta.

Frequentemente são também promovidas acções de formação para que os munícipes aprendam a utilizar as ciclovias e a pedalarem em segurança. Por exemplo, existem instrutoras que ensinam às mulheres como andar de bicicleta de saia e não estragar o penteado.

Pedalar na Golden Bridge

Ao contrário de Lisboa, é possível andar a pé na Golden Bridge, assim como atravessar a ponte de bicicleta. “ Se se realizam maratonas na ponte por que é que não se há-de poder andar de bicicleta?”, questiona Papandreou.

Para que as bicicletas pudessem utilizar a ponte, levando à redução do número de veículos que entra na cidade, o número de faixas de carros foi reduzida, sendo substituídas por vias para bicicletas. “Foi uma solução pouco dispendiosa, como grande parte das que implementámos na cidade”, refere o vice-presidente.

Como contornar as ingremes colinas?

Se pedalar em Lisboa pode ser uma tarefa árdua devido à inclinação, andar de bicicleta na homóloga norte-americana é ainda pior, porque as colinas são muito mais íngremes. Para contornar este problema, as autoridades de São Francisco desenvolveram ciclovias alternativas que evitam os locais mais íngremes e instalaram suportes para bicicleta na frente dos autocarros. Assim, os troços mais ingremes podem ser feitos de autocarro, já que a bicicleta pode ser alocada na frente do veículo sem perturbar a visão do motorista.

Existem também táxis que têm este sistema, mas na traseira, permitindo fazer a parte do percurso mais difícil de carro e o restante com a bicicleta. Porém, grande parte de São Francisco é ciclável e a zona mais movimentada – a baixa – é praticamente plana.

Outra das acções para a promoção dos transportes públicos foi o incentivo dado aos taxistas para que trocassem os veículos convencionais por carros eléctricos. “Se mudarem de carros podem passar à frente nas filas de espera do aeroporto, o que significa que conseguem o cliente primeiro”, explica o representante da SFMTA. Papandreou revelou também que todo o dinheiro proveniente dos parquímetros de estacionamento e das multas é investido na rede de transportes públicos, de forma a melhorar a qualidade do serviço.

Foto:  www.bluewaikiki.com / Creative Commons





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