Afinal, o pensamento simbólico não é exclusivo do Homo sapiens



Uma equipa internacional de cientistas descobriu que os Neandertais (Homo neanderthalensis), uma espécie humana que conviveu com os modernos Homo sapiens há milhares de anos, mas que acabou por ser extinta, colecionavam troféus de caça, o que revela uma capacidade para o pensamento simbólico.

A portuguesa Ana Abrunhosa, investigadora do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano, da Universidade do Algarve, e arqueóloga do Centro Nacional de Investigação da Evolução Humana, fez parte do grupo de dezenas de cientistas, entre eles Enrique Baquedano, principal autor, Juan Luis Arsuaga e Alfredo Pérez-González.

O trabalho centrou-se na análise de crânios de grandes animais herbívoros descobertos na gruta Des-Cubierta, em Madrid, considerado um “santuário de caça” pelos especialistas. Os restos mortais de bisontes (Bison priscus), de auroques (Bos primigenius), de veados (Cervus elaphus) e até de rinocerontes (Stephanorhinus hemitoechus) foram encontrados nesse local e percebeu-se que os Neandertais arranjaram os crânios de forma metódica e intencional para transformá-los em troféus.

Crânio de bisonte (Bison priscus) encontrado na gruta de Des-Cubierta, Madrid, e transformado em troféu de caça pelos Neandertais.
Fonte: Artigo

A descoberta foi divulgada num artigo publicado na revista ‘Nature Human Behaviour’ e os autores explicam que os esses hominínios, que terão vivido nessa região há mais de 40 mil anos, removeram as mandíbulas e conservaram o crânio com as hastes ou com os chifres do animal.

O reputado paleoantropólogo Juan Luis Arsuaga, autor de conhecidas obras como ‘Vida – A grandes história’, explica, citado em comunicado da Universidade do Algarve, que “conseguimos confirmar que a atividade foi mantida durante pelo menos várias gerações, o que introduz o conceito de tradição cultural que teria passado de geração em geração”.

O Homo sapiens era, até agora, considerado a única espécie com “capacidade de atribuir conceitos a símbolos”, adianta, por sua vez, Baquedano, mas esta descoberta vem deitar por terra essa noção de exclusividade e obrigar-nos “a partilhar este atributo intelectual com os Neandertais”.

Além dos crânios das presas herbívoras caçadas, foram também encontradas na gruta Des-Cubiertas ferramentas líticas, feitas de pedra, características das sociedades de Neandertais, sobretudo constituídas por sílex, quartzito e gneisse.

Diz Ana Abrunhosa que essa espécie humana, para a construção desses utensílios, soube “tirar partido de cada matéria-prima, adaptando a sua tecnologia e necessidades ao material disponível, demonstrando que não dependiam de um tipo específico de rocha para desenvolver a sua tecnologia e atividades diárias”.

Arsuaga assinala que esta investigação “abre a porta a um novo conceito desta espécie de hominínio [o Neandertal] e questiona o nosso papel como únicos sapiens na evolução da vida no planeta”.





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