“Apocalipse dos insetos”: Perda de polinizadores coloca em risco economias e saúde humana
A relação entre os polinizadores e a saúde das populações humanas pode não ser, à primeira vista, óbvia, mas é fundamental. Sem a ação dos pequenos insetos e de outros animais, como os morcegos e as aves, para transportar o pólen de uma flor para outra, a produção de alimentos saudáveis fica em risco.
A conclusão é apresentada num artigo que será publicado esta quarta-feira, dia 14 de dezembro, da ‘Environmental Health Perspectives’, e que foi liderado pela Harvard T.H. Chan School of Public Health.
Os cientistas apontam que a “polinização inadequada levou já à perda de entre 3% e 5% da produção de frutos, vegetais e nozes”, e estima-se que tenha também sido a causa de 427 mil mortes anuais “devido à perda de alimentos saudáveis”, algo que estará associado ao aumento da incidência de doenças cardíacas, à diabetes e a certos tipos de cancro.
Samuel Myers, especialista em saúde planetária e o principal autor do artigo, e a propósito da cimeira global da biodiversidade, a COP15, que decorre no Canadá, afirma que está em falta um elemento fundamental: as ligações entre a diversidade biológica e a saúde humana.
“Esta investigação estabelece que a perda de polinizadores está já a impactar a saúde [humana]” ao mesmo nível de outros fatores de risco, como o cancro da próstata ou o consumo de drogas, explica Myers.
Os especialistas apontam que a ação humana sobre a natureza está a causar “perdas alarmantes de biodiversidade”, e estima-se que todos os anos as populações de insetos, a nível global, registem declínios de entre 1% e 2%, o que faz com que alguns considerem que nas próximas décadas assistiremos a um ‘apocalipse dos insetos’, com perdas ainda maiores que terá impactos devastadores nas populações humanas.
O artigo evidencia que os insetos polinizadores são essenciais para aumentar a produção agrícola em 75% e “são cruciais para cultivar alimentos saudáveis como frutas, vegetais e frutos secos”, mas a utilização de pesticidas, a exploração insustentável do solo e as alterações climáticas “ameaçam os polinizadores selvagens, afetando o fornecimento de alimentos saudáveis para os humanos”.
Os investigadores perceberam que as perdas na produção agrícola devido ao declínio dos polinizadores eram mais significativas em países mais pobres. Mas os impactos na saúde eram mais expressivos nos países de rendimentos médios e altos, “onde os níveis de doenças não-transmissíveis são mais elevados”.
Os resultados indicam também que os países mais pobres estão mais expostos à perda de rendimentos derivados da agricultura “devido à polinização insuficiente”, podendo causar perdas de entre 10% e 30%.
Timothy Sulser, cientista do International Food Policy Research Institute, sublinha que “estes resultados podem surpreender, mas refletem das dinâmicas complexas dos fatores por trás dos sistemas de alimentos e as populações humanas em todo o mundo”.
Para Matthew Smith, especialista em saúde e segurança ambiental, proteger os polinizadores não se trata apenas de uma questão ambiental, mas também de um problema económico e de saúde.
“Este estudo mostra que não fazer o suficiente para ajudar os polinizadores não só prejudica a natureza, como também prejudica a saúde humana”, diz o cientista.
A urgência de conservar as populações de animais polinizadores não pode ser ignorada pelos decisores políticos que estão reunidos na COP15. De recordar que, em conversa com a ‘Green Savers’, Sílvia Castro e João Loureiro, investigadores do Centro de Ecologia Funcional, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, disseram que sem polinizadores as sociedades humanas entrarão em colapso, pelo que “temos de passar das palavras às ações”.