Aquaponia apresenta oportunidades “significativas” para empresas e Ambiente

A aquaponia é uma técnica inovadora que combina a aquacultura (criação de peixes e outros organismos aquáticos) com a hidroponia (cultivo de plantas sem solo) num sistema de ecocultura em circuito fechado. Nesse sistema, os resíduos gerados pelos peixes servem como fonte de nutrientes para o crescimento das plantas, que, por sua vez, filtram e purificam a água antes de devolvê-la ao tanque dos peixes. O resultado é um ciclo sustentável, eficiente e quase autossuficiente.
Em entrevista à Green Savers, Ana Paula Oliveira, docente do ISEC Lisboa (Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa) e diretora da Direção Geral para a Investigação e Desenvolvimento dessa instituição, explica que o interesse pela aquaponia “tem crescido exponencialmente devido à sua capacidade de produzir alimentos saudáveis”.
Além disso, acrescenta, “é promissor para contribuir para a sustentabilidade ambiental e socioeconómica das cidades inteligentes, especialmente em ambientes urbanos caracterizados por terras agrícolas e recursos hídricos limitados”. Segundo a investigadora, a aquaponia desempenha um “papel fundamental” ao facilitar a produção local, livre de pesticidas e saudável, com cadeias de abastecimento curtas em áreas urbanas.
Esta técnica está também alinhada com diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, “contribuindo para metas como segurança alimentar, gestão sustentável da água, inovação em sistemas produtivos e promoção de comunidades resilientes”, sublinha ainda a docente, referindo que, com o seu potencial para integrar inovação, sustentabilidade e segurança alimentar, “desempenha um papel central na construção de um futuro mais resiliente e responsável”.
O ISEC Lisboa, onde Ana Paula Oliveira é docente, coordenou o NEMO – Plantas Energéticas em Aquaponia – um projeto interdisciplinar que envolveu uma instituição de ensino superior, o Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa (ISEC Lisboa), e uma instituição de ensino profissional, a Escola Profissional Gustave Eiffel (EPGE), ambas localizadas no campus do Lumiar, em Lisboa.
Principais atividades do projeto
Segundo a investigadora, o projeto teve como objetivo avaliar o potencial económico e ambiental de um sistema de aquaponia de água doce, utilizando culturas alimentares e energéticas. As principais atividades incluíram a análise do crescimento de plantas, como alface (Lactuca sativa) e colza ou couve-nabiça (Brassica napus), e de peixes, como o pimpão-vermelho (Carassius auratus), usando vários indicadores, como produtividade, taxa de crescimento e qualidade da água. Adicionalmente, foi avaliado o consumo energético necessário para a recirculação da água no sistema, “evidenciando a eficiência e sustentabilidade deste modelo”.
O projeto também visou ampliar a sua relevância educativa, “promovendo a consciencialização ambiental e a disseminação de conhecimentos sobre aquaponia”, aponta Ana Paula Oliveira, destacando que ações voltadas para diferentes faixas etárias “procuraram envolver alunos do ensino pré-escolar ao ensino secundário, com um incentivo para a aprendizagem prática e a adoção de práticas sustentáveis”.
Por tudo isso, a investigadora não tem dúvidas: “o projeto NEMO representa um marco na integração de inovação, sustentabilidade e educação, contribuindo para o desenvolvimento de soluções ambientais conscientes e para a capacitação de futuras gerações”.
Crescimento acentuado das alfaces e menor mortalidade dos peixes
Com o projeto já concluído, a investigadora principal fala-nos dos seus resultados. Na Cultura Alimentar, observou-se um crescimento acentuado de alface, produzida de forma sustentável, “evidenciando a eficiência do sistema de aquaponia na produção de vegetais”, revela a docente. Quanto à Cultura Energética, a colza apresentou um crescimento limitado, “demonstração da sua dificuldade em se adaptar ao cultivo sem substrato (solo), o que indica a necessidade de ajustes específicos para culturas energéticas”. Em relação aos peixes, depois de conseguidas as condições ideais da água, a sua taxa de mortalidade foi significativamente reduzida, o que “permitiu um crescimento saudável e acelerado”, sublinha.
No que respeita à Eficiência Hídrica, a investigadora explica que houve uma redução substancial no uso de água em comparação com os métodos agrícolas tradicionais, “devido ao ciclo fechado característico do sistema de aquaponia”. Já sobre a Sustentabilidade Ambiental, o impacte “foi minimizado pela reciclagem de nutrientes dentro do sistema, eliminando a necessidade de fertilizantes químicos”, revela.
Para a investigadora, devem considerar-se dois aspetos finais. Um deles é o aproveitamento conseguido de resíduos dos peixes, que “foram eficientemente utilizados para promover o crescimento das plantas, reduzindo o desperdício e maximizando os recursos disponíveis”. Ou outro é a Economia de Recursos, “pois inúmeros materiais foram reutilizados durante a implementação do sistema, o que resultou numa redução significativa dos custos operacionais”.
Montagem do microssistema aquapónico
Entre as principais atividades a desenvolver no âmbito do projeto estava a montagem do microssistema aquapónico que foi concebido com os seguintes componentes: tanque de peixes, sistema de filtragem (mecânico e biológico), circulação de água, ventilação, iluminação, controlo da evapotranspiração e leito de cultura, tendo por base a Técnica do Filme de Nutrientes (NFT), constituída por dois leitos de cultivo paralelos. O consumo energético foi monitorizado através de um medidor de energia convencional, “possibilitando a análise da eficiência elétrica do sistema”, explica Ana Paula Oliveira.
Para reduzir custos, alguns equipamentos foram desenvolvidos numa impressora 3D, enquanto outros foram reutilizados. A estrutura de suporte foi construída com materiais obsoletos disponíveis no campus do ISEC Lisboa, como mesas antigas e estantes metálicas. Com essa abordagem, foi possível “uma redução significativa no investimento total necessário para a implementação do microssistema”, acrescenta.
A conceção e montagem do microssistema envolveram a participação ativa dos alunos, através da metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (Project-Based Learning, PBL). Essa abordagem pedagógica “promoveu o envolvimento dos alunos, que puderam aplicar conhecimentos teóricos na prática e desenvolver habilidades técnicas e colaborativas”, afirma a docente.
Desafios: custos, infraestruturas, manutenção e tempo
Apesar do evidente valor educativo e da sua aparente simplicidade, a aquaponia envolve processos complexos e diversos desafios. Um dos principais obstáculos foi o investimento inicial e os custos de instalação, “pois a implementação de um sistema de aquaponia exigiu a aquisição de equipamentos, como tanques, bombas de água, sistemas de filtração e materiais para o cultivo das plantas”, conta a investigadora.
Além disso, acrescenta, a questão das infraestruturas “também representou um desafio significativo, pois foi necessário adaptar um espaço e realizar obras para viabilizar a instalação do sistema, o que aumentou ainda mais os custos iniciais”.
A manutenção contínua também foi complexa, ao envolver monitorização constante da qualidade da água, a alimentação dos peixes, o controlo de pragas e de doenças das plantas, além da manutenção dos equipamentos, “o que exigiu tempo e conhecimento técnico, que nem sempre estavam disponíveis, especialmente durante os períodos de férias escolares”, explica.
“Outro ponto crucial”, confidencia Ana Paula Oliveira, foi a integração da aquaponia no currículo escolar, que “obrigou a uma adaptação pedagógica para transformar o sistema numa ferramenta interdisciplinar, conectando ciências, matemática e sustentabilidade, o que exigiu tempo e planeamento por parte dos professores”.
O que pode advir em termos práticos
Apesar das “dores de crescimento”, a investigadora considera que “a superação dos desafios resultou no desenvolvimento de competências técnicas e interdisciplinares” para os alunos envolvidos no projeto, pois ganharam experiência prática em diferentes áreas, como biologia, química, sustentabilidade, gestão de recursos e tecnologia. Essa experiência, assegura, “também fomentou o pensamento crítico e a resolução de problemas, competências essenciais para o futuro académico e profissional”.
Além disso, diz ainda Ana Paula Oliveira, a gestão do projeto “estimulou a colaboração e o trabalho em equipa, e levou ao empoderamento dos alunos, ao demonstrar como soluções sustentáveis podem ser implementadas e os impactos positivos passíveis de gerar no mundo real”.
Para os professores, os desafios enfrentados “proporcionaram um desenvolvimento profissional, uma vez que tiveram de adaptar as suas abordagens pedagógicas para integrar a aquaponia no currículo escolar, o que enriquece o seu repertório de práticas e metodologias de ensino”.
Por fim, sublinha, a superação dos obstáculos “fortalece o compromisso com a sustentabilidade, tanto no contexto escolar quanto na comunidade em geral, o que gera um exemplo prático de como um modelo de produção sustentável pode ser integrado no dia-a-dia, enquanto sensibiliza para a importância de práticas ambientais conscientes”.
Uma oportunidade de negócio
Para a investigadora, a aquaponia representa simultaneamente um “desafio para a investigação científica e uma oportunidade estratégica de investimento para empresas portuguesas, ao unir inovação, sustentabilidade e eficiência na produção de alimentos”.
“Este sistema oferece a possibilidade de otimizar o equilíbrio entre peixes e plantas, adaptando espécies às condições climáticas e ambientais de Portugal, enquanto promove a utilização eficiente de recursos hídricos e energéticos. A investigação científica desempenha um papel crucial no desenvolvimento de tecnologias mais avançadas, capazes de melhorar a produtividade, reduzir o consumo de energia e medir os impactes ambientais e socioeconómicos deste modelo de produção”, aponta Ana Paula Oliveira.
Para as empresas, a aquaponia “apresenta oportunidades significativas, como a possibilidade de produzir alimentos frescos e livres de pesticidas em espaços urbanos, atendendo à crescente procura por produtos sustentáveis”, destaca a docente.
Além disso, acrescenta, a redução de custos logísticos e a criação de cadeias curtas de abastecimento “permitem oferecer produtos de alta qualidade com menor impacte ambiental”. Para a investigadora, o investimento na inovação tecnológica, como sistemas modulares e automatizados, “abre portas para uma posição competitiva no mercado global, enquanto a integração com projetos de urbanismo sustentável e cidades inteligentes reforça a relevância deste modelo em ambientes urbanos”.
“Ao combinar esforços de investigação científica com iniciativas empresariais, Portugal pode destacar-se como líder em soluções sustentáveis de aquaponia, contribuindo para a segurança alimentar, a resiliência ambiental e o cumprimento das metas globais de sustentabilidade”, conclui.
*Entrevista originalmente publicada na revista de março de 2025