Austrália testa novo índice para certificar projetos de recuperação da natureza

Um novo índice desenvolvido por investigadores da Universidade de Queensland, na Austrália, poderá vir a revolucionar o modo como os projetos de recuperação ecológica são avaliados e financiados. O objetivo é permitir que iniciativas de restauro de zonas húmidas costeiras possam gerar certificados de biodiversidade com valor de mercado, incentivando o investimento privado na preservação da natureza.
O trabalho, liderado pela investigadora Valerie Hagger, da Escola do Ambiente da UQ, resultou na criação de um Índice de Multi-Biodiversidade (MDI) que permite quantificar, de forma fiável, os ganhos ecológicos em zonas restauradas. A ferramenta poderá ser fundamental para o funcionamento do Nature Repair Market, um novo mercado criado por legislação australiana em 2023 que visa recompensar projectos de restauro ambiental de elevada integridade.
“Se conseguirmos medir com rigor os benefícios ecológicos de um projecto, é possível emitir certificados que possam ser comercializados, tal como já acontece com os créditos de carbono,” explica Valerie Hagger.
Até aqui, a aposta em mercados ambientais concentrou-se sobretudo na reflorestação e na compensação de emissões. Mas os ecossistemas costeiros — como mangais, sapais ou zonas húmidas supratidais — também desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade e no sequestro de carbono. O desafio, sublinha a investigadora, é que o restauro destes habitats é dispendioso e exige financiamento sustentado.
O índice agora proposto foi testado em dois locais com características bastante distintas: The Blue Heart, na região costeira de Queensland, e Webb Beach, no sul da Austrália. Em ambos os casos, os projetos procuraram reintroduzir o fluxo natural das marés para permitir a recuperação espontânea dos ecossistemas. Os investigadores compararam áreas restauradas com zonas vizinhas não perturbadas, bem como com locais ainda degradados.
“Os resultados confirmam melhorias claras na biodiversidade — desde a vegetação e invertebrados, até às aves e morcegos,” afirma Hagger. “O MDI permite traduzir essa informação em dados comparáveis, com uma pontuação simples que reflete a saúde do ecossistema”, acrescenta.
Além de reforçar a transparência nos projetos de restauro, o índice poderá também aumentar o valor de iniciativas de “carbono azul”, ao permitir que os benefícios de biodiversidade sejam integrados nos créditos de carbono. Isso, por sua vez, pode atrair maior investimento por parte de empresas ou financiadores interessados em compensações ambientais com maior impacto.
O trabalho será apresentado em Outubro na 11.ª Conferência Mundial sobre Restauro Ecológico. O estudo contou com o apoio do programa Coastal Carbon – Australia’s Blue Forest Future, financiado pela CSIRO e pela BHP, bem como da AXA Research Fund. Participaram ainda a The Nature Conservancy Australia, a Universidade de Flinders, a Universidade da Sunshine Coast e a Câmara Regional da Sunshine Coast.
Os resultados foram publicados na revista científica Ecological Indicators.