Biochar aumenta produção de energia limpa a partir de resíduos alimentares
Um novo estudo conduzido por investigadores da University of Western Australia e da Universitas Brawijaya revela que a adição de biochar a sistemas avançados de reciclagem de resíduos alimentares pode aumentar de forma significativa a produção de hidrogénio e metano. Esta descoberta abre caminho a estratégias promissoras para municípios e indústrias que procuram transformar restos de comida em combustíveis renováveis de elevado valor, reduzindo simultaneamente o impacto ambiental.
Transformar resíduos em energia
Os resíduos alimentares gerados por lares, restaurantes e unidades de processamento constituem um desafio ambiental crescente em todo o mundo. São necessárias soluções inovadoras de reciclagem para evitar que estes resíduos acabem em aterros e para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A digestão anaeróbia — um processo que recorre a microrganismos para decompor matéria orgânica na ausência de oxigénio — é uma das formas mais eficazes de converter restos alimentares em biogás para aquecimento e produção de energia.

Esta investigação incidiu sobre uma variante de última geração: a digestão anaeróbia em duas fases. O sistema opera em duas etapas consecutivas: primeiro, um grupo de bactérias especializadas produz hidrogénio durante a decomposição dos resíduos; depois, outro conjunto de microrganismos converte o material restante em metano. A separação das fases permite otimizar as condições de cada etapa, aumentando a eficiência global da produção de biogás.
A vantagem do biochar
A equipa de investigação quis compreender em particular o impacto do biochar — um material poroso e rico em carbono obtido pelo aquecimento de resíduos de madeira — nestes sistemas de digestão. O biochar já tinha mostrado potencial, em ensaios de pequena escala, para estabilizar comunidades microbianas, melhorar o equilíbrio do pH e aumentar a produção de gases, mas faltavam dados em condições reais e contínuas de funcionamento.
Nos ensaios laboratoriais, os cientistas utilizaram dois conjuntos idênticos de reatores de digestão alimentados com resíduos alimentares simulados. Um dos conjuntos recebeu doses regulares de biochar; o outro não. Ao longo de 100 dias, monitorizaram atentamente a produção diária de hidrogénio e metano, as condições químicas no interior dos tanques e os tipos de microrganismos presentes.
Os resultados foram marcantes. Em todos os níveis de carregamento orgânico, os reatores com biochar produziram mais hidrogénio e metano do que os reatores de controlo. Com entradas mais elevadas de resíduos, os sistemas sem biochar registaram quebras na produção de gás e instabilidade microbiana. Pelo contrário, os reatores com biochar mantiveram um desempenho estável e evitaram a acumulação de ácidos — um dos principais obstáculos à digestão eficiente.
O que revelou a microbiologia
A adição de biochar esteve associada a mudanças benéficas no ecossistema microbiano. Na fase de produção de hidrogénio, o biochar favoreceu o crescimento de Clostridiaceae, um grupo de bactérias conhecido pela capacidade de decompor resíduos alimentares em ácidos ricos em energia. Na fase de produção de metano, foram beneficiados microrganismos metanogénicos, como Methanosarcinaceae, responsáveis pela conversão da matéria orgânica em metano.
O biochar atuou ainda como tampão natural, mantendo o pH em níveis ideais, e forneceu superfícies que favoreceram comunidades microbianas mais robustas. Importa destacar que estes efeitos positivos se mantiveram mesmo com taxas mais elevadas de entrada de matéria orgânica, que normalmente colocam dificuldades a este tipo de sistemas.
Implicações para a gestão de resíduos e energia renovável
O estudo indica que o uso de biochar na digestão anaeróbia em duas fases pode tornar os sistemas de conversão de resíduos alimentares em energia mais fiáveis e produtivos, sobretudo nas escalas necessárias para operações municipais ou industriais. Ao permitir cargas mais elevadas de resíduos e manter a produção de biogás, os sistemas com biochar podem reduzir custos e aumentar o interesse pela produção de energia limpa a partir de resíduos inevitáveis.
O autor principal, Yusron Sugiarto, sublinha o alcance da descoberta:
“Os nossos resultados mostram que o biochar não é apenas um aditivo sustentável e economicamente viável, mas também um elemento-chave para ampliar a produção de gases renováveis a partir de resíduos alimentares. Estas conclusões podem orientar soluções práticas para a recuperação de energia e para a proteção ambiental.”
A investigação foi publicada na revista Energy Environment Nexus.