Canadá engrossa oposição à mineração em mar profundo. Alerta para riscos de desastres ecológicos e falta de conhecimento
O Canadá é o mais recente país a declarar oficialmente a sua oposição à exploração e extração de minerais em águas internacionais, numa altura em que vários Estados do mundo estão reunidos na Jamaica numa sessão da Autoridade Internacional para os Fundo Marinhos (ISA) para continuar o debate sobre se esse tipo de mineração deve ou não passar a ser permitido.
Numa declaração conjunta divulgada esta segunda-feira, os ministros canadianos dos Negócios Estrangeiros, Mélanie Joly, dos Recursos Naturais, Jonathan Wilkinson, e das Pescas e Oceanos, Joyce Murray, afirmam que “a proteção, conservação, restauro e uso sustentável dos ecossistemas oceânicos é essencial para toda a vida na Terra”.
Os governantes, no que pode ser interpretado como uma mensagem enviada aos governos presentes na cimeira da ISA, salientam que a comunidade internacional tem de reconhecer a sua “responsabilidade coletiva para assegurar a saúde e integridade do nosso oceano partilhado para as gerações futuras”.
O trio ministerial, de um país com uma forte indústria mineira, argumenta que tal só será possível através do desenvolvimento e implementação de “fortes princípios ambientais, sociais e de governança” e do posicionamento das evidências científicas no centro dos processos de tomada de decisões políticas e legislativas.
E defendem uma “abordagem de precaução”, que se alinhe com “os esforços para combater as alterações climáticas e a poluição, e para proteger a biodiversidade e os habitats”.
No entanto, salientam que a escassez de conhecimento científico suficiente para que se possa compreender devidamente os impactos ambientais da mineração em mar profundo e na ausência de um “regime regulatório robusto”, o país “apoia uma moratória à mineração comercial em mar profundo em áreas que estão além da jurisdição nacional”.
O governo canadiano declara que esse tipo de atividade, que cientistas e ambientalistas dizem que tem o potencial para devastar os ecossistemas nas profundezas marinhas com consequências imprevisíveis e sobre as quais hoje não existe conhecimento suficiente, “só deverá acontecer for assegurada a proteção do ambiente marinho através de uma estrutura regulatória rigorosa”, alicerçadas no princípio da precaução, da transparência e da responsabilização.
A tomada de posição sobre a mineração em águas internacionais segue no encalço do pronunciamento feito pelo governo, em fevereiro passado, de que não autorizaria essas operações nas águas sob a sua jurisdição por não ter “uma estrutura legal nacional que permita a mineração em mar profundo”.
O Estados-membros da ISA, reunidos na Jamaica, deverão abordar as regras da mineração em mar profundo até ao final desta semana, depois de no passado dia 9 ter caducado o prazo que tinha sido estabelecido para a apresentação de uma estrutura regulatória.
Ainda assim, findo esse prazo, as empresas interessadas podem agora candidatar-se a licenças de mineração, ainda que provisórias por agora, e a ISA terá já emitido cerca de 30 licenças apenas para prospeção.
A razão de tanto alvoroço em torno da mineração em mar profundo
A mineração em mar profundo define-se como uma atividade de extração de depósitos minerais incrustados no leito marinho a profundidades superiores a 200 metros, uma área que cobre dois terços do leito marinho a nível global.
De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), diz a Ciência que a exploração mineral no fundo do mar “pode prejudicar seriamente a biodiversidade e os ecossistemas marinhos”. No entanto, existe ainda pouco conhecimento sobre os impactos e sobre quais as melhores medidas de proteção a implementar.
Apesar disso, “existe um interesse crescente pelos depósitos minerais oceânicos”, diz a UICN, algo que em muito se deve à redução dos depósitos de minerais, como o níquel, o cobre, o alumínio ou o lítio, em terra. Além disso, a procura é cada vez maior porque muitos desses metais são usados para produzir smartphones, turbinas eólicas, painéis solares e baterias, peças apontadas fundamentais para a transição de economias dependentes de combustíveis fósseis para economias alicerçadas em energias consideradas ‘limpas’.
Num relatório de 2020, a WWF defende que os benefícios a curto-prazo que possam advir a mineração em mar profundo são “altamente incertos” e que não devem ser considerados como uma resposta adequada às “mudanças estruturais que precisamos” para descarbonizar as nossas sociedades.
Ana Colaço, investigadora do Instituto de Ciências Marinhas – Okeanos, da Universidade dos Açores, já havia explicado à ‘Green Savers’ que os habitats profundos “têm uma função importantíssima, porque servem de refúgio a larvas e juvenis de peixes ou outros organismos” e podem também ser usados como “berçários” onde alguns animais depositam os seus ovos até “poderem crescer e enfrentar a vida”. Além disso, essas zonas dos oceanos são também importantes locais de alimentação e de abrigo para adultos de várias espécies marinhas.
A juntar a tudo isso, “muitos dos ecossistemas de profundidade são responsáveis pela reciclagem dos nutrientes, que são importantíssimos para as zonas mais superficiais”, como para a fotossíntese.