Cavalos-marinhos conseguem adaptar-se a mudanças no habitat. Mesmo quando está cheio de algas invasoras
Numa altura em que a transformação dos habitats está a pôr em risco inúmeras espécies, é importante perceber até que ponto as espécies se conseguem adaptar a ambientes com condições diferentes daquelas a que estão acostumados.
A maior ou menor flexibilidade de animais e plantas pode ditar, num planeta em profunda convulsão, sobretudo por causa dos impactos humanos, se uma espécie é capaz de se “reinventar” ou se chegou ao fim da sua história.
Pelo mundo fora há vários exemplos de espécies selvagens que têm, com mais ou menos esforço e sucesso, adaptar-se às alterações nos seus habitats. Aqui mais perto de nós, no Algarve, há um cavalo-marinho que está a conseguir prosperar perante as adversidades.
Investigadores do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR) descobriram que os cavalos-marinhos-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) conseguem caçar com sucesso mesmo que os seus habitats estejam repletos de algas invasoras. Isso vem confirmar que esses peixes são predadores altamente adaptáveis.
Num artigo publicado na revista ‘Marine Environmental Research’, escrevem que os cavalos-marinhos há muito que são uma espécie icónica da Ria Formosa. Em tempos, esse habitat albergara a maior população de cavalos-marinhos-de-focinho-comprido do mundo, mas ao longo das últimas duas décadas a espécie sofreu um declínio populacional profundo, com perdas na ordem dos 90%.
A captura ilegal, a destruição do habitat e a perturbação humana serão das principais causas das perdas registas. Nesta altura, tanto o cavalo-marinho-de-focinho-comprido como o cavalo-marinho-de-focinho-curto (Hippocampus hippocampus) são considerados espécies altamente em perigo, embora não haja para já dados suficientes para fazer uma avaliação adequada acerca do seu estado de conservação.
A juntar a esses fatores, recentemente a Ria Formosa começou a ser invadida pela alga não-nativa Caulerpa prolifera, que começou a conquistar terreno a espécies nativas e a reduzir a área antes ocupada por pradarias de ervas marinhas.
Esta investigação mostra que mesmo num habitat com uma forte presença de C. prolifera, os cavalos-marinhos-de-focinho-comprido conseguem manter a sua taxa de sucesso alimentar.
Para os cientistas envolvidos, e para a comunidade conservacionista mais ampla, são boas notícias e trazem esperança no que toca ao futuro da espécie e até à recuperação das suas populações na Ria Formosa.
“O cavalo-marinho é um peixe curioso — não é um grande nadador, mas é um caçador paciente e eficiente. Usa a vegetação à sua volta como camuflagem e abrigo, seja ela nativa ou invasora”, explica, em comunicado, Filipe Parreira, primeiro autor do artigo.
Para testarem a proeza predatória dos cavalos-marinhos-de-focinho-comprido, os cientistas, em laboratório, recriaram três tipos de habitats que se encontram hoje na Ria Formosa: ervas marinhas, sedimento e Caulerpa prolifera.
Em cada um deles, analisaram os tipos de presas preferidas pelos cavalos-marinhos, como se comportam em cenários de maior ou menos abundância de alimento e se a sua capacidade de caça é afetada pela densidade da vegetação. Os cavalos-marinhos alimentam-se por sucção e predar sobretudo pequenos crustáceos, como copépodes e anfípodes, mas também podem consumir camarões e outras presas de maiores dimensões.
Os resultados mostram que o aumento da densidade da vegetação, seja de ervas marinhas, seja da C. prolifera, duplica o sucesso das caçadas dos cavalos-marinhos. Uma maior densidade de vegetação fornece abrigo e camuflagem, pelo que podem caçar de forma mais eficaz sem serem detetados.
Além disso, percebeu-se que os cavalos-marinhos conseguem alimentar-se com sucesso em qualquer um dos três tipos de habitats testados, mantêm-se caçadores eficientes mesmo em cenários de menor abundância de alimento e tornam-se mais seletivos quando há uma maior variedade de presas, o que, segundo os investigadores, demonstra “comportamentos alimentares flexíveis”.
“Estes resultados são muito encorajadores. Mostram que, apesar das mudanças rápidas na Ria Formosa, os cavalos-marinhos têm uma notável capacidade de adaptação. No entanto, pradarias marinhas saudáveis e densas continuam a ser essenciais para o seu sucesso e recuperação”, salienta Filipe Parreira.