Educar para agir

Por Manuel Castelo Branco, Diretor do Mestrado em Economia e Gestão do Ambiente da FEP e membro do Comité da Sustentabilidade da faculdade
Na universidade forma-se simultaneamente o profissional e o cidadão que atuará nos mais diversos tipos de organizações e na sociedade. A educação universitária em Economia e Gestão, como, de resto, a educação universitária em geral, não se limita à transmissão de conhecimentos ou à preparação dos estudantes para papéis como atores económicos. A ciência e a educação não são meros instrumentos utilizados para a prossecução de objetivos económicos, embora se reconheça que também desempenham esse papel.
Nesta perspetiva, não considero ser possível pensar a educação universitária em Economia e Gestão sem um forte componente de ensino de ética (entendida aqui como a reflexão sobre a melhor forma de vivermos e de convivermos), nem pensar tal educação sem ter como pano de fundo os grandes problemas sociais e ambientais contemporâneos e sem assumir a responsabilidade de propor alternativas para promover um desenvolvimento sustentável. Isto implica que a educação sobre “sustentabilidade empresarial”, “responsabilidade social das empresas” ou “fatores ESG” não deve ocorrer tendo por foco o que as empresas podem ganhar com a implementação de práticas que lhes permitam contribuir para o desenvolvimento sustentável, como a obtenção de melhor reputação ou maior facilidade na obtenção de recursos financeiros (o chamado “business case” para a sustentabilidade).
Mas isso não é tarefa fácil em escolas de Economia e Gestão, nas quais, como salientou o Professor José Madureira Pinto, uma referência do ensino e investigação feitos na FEP, numa entrevista publicada na revista Análise Social em 2013, existe um “contexto de aprendizagem escolar estruturado em torno de pressupostos ideológicos e referências teóricas globalmente sintonizadas com as correntes dominantes da economia”. Não só o estudo e investigação da sustentabilidade empresarial requer a mobilização de contributos das ciências naturais (por exemplo, para conhecer os impactos ambientais globais das atividades económicas e suas implicações) e das ciências sociais e humanas (por exemplo, para conhecer as causas e implicações dos mais diversos tipos de exclusão social), como requer uma certa abertura para desenvolver e discutir propostas de formas de vivermos e convivermos.
No caso da sustentabilidade empresarial, isto passa por escapar à lógica do business case e dar a palavra a perspetivas ecocêntricas e discutir perspetivas que colocam em causa o foco no crescimento como critério de sucesso, como a perspetiva do decrescimento ou a abordagem da economia donut (proposta por Kate Raworth). A verdade é que os “pressupostos ideológicos e referências teóricas” a que se refere Madureira Pinto acentuam a dificuldade de discutir temas fulcrais da vertente económica do desenvolvimento sustentável, como o comportamento tributário ou a partilha dos rendimentos gerados pela empresa. A título de curiosidade, estes dois aspetos encontram-se ausentes das Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade. Poderá haver alguma dificuldade em lidar com estes aspetos ao nível da legislação sobre sustentabilidade empresarial, possivelmente devido às pressões das próprias empresas e das organizações que representam os seus interesses.
As dificuldades colocadas pelos “pressupostos ideológicos” parecem ter crescido nos últimos anos. Por exemplo, a discussão de questões como as da diversidade e inclusão em sala de aula tornou-se substancialmente mais complexa nos últimos anos e, provavelmente, tornar-se-á ainda mais nos que virão. Tal complexidade deriva, em grande medida, das alterações recentes ao nível do contexto político em vários países, com destaque para os Estados Unidos da América. Convém referir que, embora isso não se sinta ainda na Europa, estas alterações ao nível do contexto político tornaram também bastante difícil nos EUA a discussão em torno dos assuntos ambientais.
Na FEP, foram recentemente criadas duas unidades curriculares para a reforçar a aposta na formação para os desafios do desenvolvimento sustentável: “Corporate Sustainability” (Master in Management) e “Transição e Ação Climática nas Organizações” (Licenciatura em Gestão). Como já sucede com as unidades curriculares existentes que abordam assuntos relacionados com o desenvolvimento sustentável, procurar-se-á não ceder às dificuldades apresentadas acima, oferecendo abordagens interdisciplinares e abordando todos os assuntos relevantes, por mais difícil que possa ser a sua discussão. No caso de Corporate Sustainability, procurar-se-á abordar um variado leque de assuntos associados à sustentabilidade empresarial, económicos, sociais e ambientais, independentemente da sua dificuldade ou de haver instrumentos relevantes que não contemplam assuntos que se considerem importantes. No caso de Transição e Ação Climática nas Organizações, apesar de se focar num aspeto específico do desenvolvimento sustentável, a abordagem será semelhante.