Guterres junta ciência e dinheiro na batalha contra a rutura climática global

Durante uma década, o secretário-geral da ONU usou a ciência para alertar para a cada vez mais perigosa rutura climática global e agora acrescentou-lhe algo importante para os ricos: dinheiro.
Durante uma entrevista exclusiva com a Associated Press, António Guterres realçou a importância das designadas forças de mercado no que tem repetidamente designado “a batalha” para salvar os humanos ameaçados pelo aquecimento global.
Apontou para dois relatórios recentes que mostram a queda acentuada do custo da energia solar e eólica e o aumento sustentado da produção e capacidade destas fontes de energia. Aviou, a propósito, que os que se agarram às energias fósseis podem ir à falência se persistirem.
“A ciência e a economia mostram o caminho”, afirmou Guterres, durante uma entrevista, que durou 20 minutos na sua sala de conferência, no 38.º andar, da sede da ONU.
“O que precisamos é de vontade política que tome as decisões que são necessárias no quadro regulamentar, nos aspetos financeiros, nas outras dimensões políticas. Os governos têm de tomar decisões que não obstaculizem a tendência natural para acelerar a transição para as renováveis”.
Isto significa que até ao fim do outono, os governos têm de apresentar novos planos para combater a rutura climática que sejam compatíveis com o objetivo global de limitar o aquecimento global e que se apliquem à totalidade da economia e incluam todos os gases com efeito de estufa (GEE), disse.
Mas não se espere muito dos EUA. Donald Trump retirou o país o Acordo de Paris, atacou os esforços para incentivar a energia renovável e fez dos combustíveis fósseis uma prioridade, incluindo o pior de todos, em termos de clima e saúde, o carvão.
“Obviamente, o governo (Trump) é, em si, um obstáculo, mas há outros. O governo dos EUA não deve controlar tudo”, afirmou Guterres. Trump saiu do Acordo de Paris, mas muitos Estados e cidades estão a procurar seguir os objetivos do governo de Joe Biden na redução da queima de carvão, petróleo e gás, que libertam os GEE, acrescentou.
Com base no entendimento de que o investimento nos combustíveis fósseis é cada vez mais arriscado, porque pode redundar em ativos desvalorizados, Guterres apontou que “as pessoas não querem perder dinheiro” e especificou: “As pessoas não querem fazer investimentos no que pode vir a ser um ativo encalhado, sem valor”.
Mais direto, disse que qualquer novo investimento na exploração de novas reservas de combustíveis fósseis “irá ser totalmente perdido” e classificou-o mesmo como “uma perda de dinheiro”.
Mas, apesar da esperança nos relatórios sobre as renováveis, Guterres avisou que o mundo está a perder a batalha contra a rutura climática global, com o aumento da temperatura média global à beira de a exceder de forme definitiva os 1,5 graus centígrados (ºC) desde os tempos pré-industriais. Este limiar (1,5ºC) foi o que ficou estabelecido no Acordo de Paris, ocorrido há 10 anos.
Vários cientistas têm-se pronunciado no sentido de declarar a morte deste objetivo. Com efeito, 2024 superou este valor, se bem que os cientistas adiantem que é preciso uma média de 20 anos para considerar o limite ultrapassado.
Um estudo de cientistas que trabalham com a ONU, saído em junho, concluiu que está a ser emitido tanto dióxido de carbono, que algures no início de 2028, vários anos antes do calculado, a superação do limite de 1,5ºC será cientificamente inevitável.
Apesar de as perspetivas serem más, Guterres não desiste daquele objetivo.
Durante a entrevista, que decorreu depois de falar no Conselho de Segurança sobre a situação na Faixa de Gaza, Guterres assegurou que só há uma saída para esta situação: cessar-fogo imediato, libertação dos reféns, acesso à ajuda humanitária e “avançar com um processo político sério conducente à solução dos dois Estados”.
Acabou com um olhar amplo de horizonte: Palestina, Ucrânia e Sudão são crises, disse, mas a rutura climática é um problema existencial para as pessoas.