Ideias de Amílcar Cabral sobre os solos são hoje consideradas pelas Nações Unidas



Algumas das ideias sobre a terra defendidas pelo agrónomo Amílcar Cabral são atualmente consideradas pelas Nações Unidas no combate à desertificação, o que revela o pioneirismo do líder africano, disse hoje o especialista na área dos solos Manuel Madeira.

Professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Agronomia (ISA), onde Amílcar Cabral se formou engenheiro agrónomo, Manuel Madeira sublinha a importância do curso no ecletismo da formação de Amílcar Cabral, que “é de uma cultura enorme, abrangendo várias áreas do conhecimento”.

Uma formação que agudizou a visão genérica dos problemas gerais, dos ecossistemas. À curiosidade natural de Cabral, associou-se uma formação superior, concluída após o relatório final do curso de engenheiro agrónomo, intitulado “O problema da erosão do solo. Contribuição para o seu estudo na região de Cuba (Alentejo)”, datado de 1951.

A obra, que faz parte do repositório do ISA e pode ser consultada, é dedicada “aos jornaleiros do Alentejo, trabalhadores da terra dos latifúndios, homens de vida incerta que a erosão ameaça”.

A dedicação terá promovido alguns anticorpos num sistema fascista e colonialista, sem espaço para grandes odes aos trabalhadores rurais.

Na génese da mesma esteve, seguramente, a experiência vivenciada por Cabral em Cabo Verde, terra onde viveu e de onde eram naturais os pais, nomeadamente as grandes fomes dos anos 40 do século passado, provocadas, em parte, pelas secas e que custaram milhares de vidas.

À experiência pessoal aliou-se a formação do ISA e uma produção científica frequente, materializada em vários artigos.

“Estou em crer que estes escritos derivam um pouco desse convívio, dessa confrontação com o drama humano que se vivia em Cabo Verde”, disse.

E dessa constatação surgiu a defesa de ideias pioneiras, como a construção de barragens.

“Cabral sabia que existia uma questão técnica: Temos de ter mais água, segurar água, reter água, florestar. Tem de se promover a cobertura florestal para se combater o risco da erosão”.

Curiosamente, adiantou o docente, estes textos que Amílcar Cabral escreveu enquanto estudante, a partir da situação cabo-verdiana que presenciou, aliada à investigação e formação superior no ISA, têm “fundamentos e conceptualizações que estão atualmente considerados na Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, o que revela uma perceção e uma inovação”.

E acrescentou: “Cabral considerava que, além de um problema técnico, existia um problema de políticas, de governo, que os problemas eram todos abrangentes e que deveriam ser considerados nas mais variadas vertentes”.

Manuel Madeira, que ingressou no ISA no final dos anos 60 do século passado, já após a saída de Cabral, manteve sempre uma grande curiosidade sobre o percurso académico daquele que é considerado o “pai” das independências de Cabo Verde e Guiné-Bissau, tendo realizado várias intervenções em Cabo Verde sobre o líder africano.

Recorda a dedicatória que Cabral escreveu num exemplar do relatório final do curso e que ofereceu a um amigo: “A verdadeira técnica é a que conscientemente materializa as conquistas da ciência e as suas próprias capacidades no sentido da dignificação da vida para todos os homens”.

Trata-se, na opinião de Manuel Madeira, de uma “síntese do seu pensamento e da importância das questões humanas”.

Ao trabalho de final de curso, e sobretudo devido ao teor da dedicatória, seguem-se tempos de “um ambiente um pouco hostil”, agravados quando foi preterido num concurso para um emprego, apesar de ser o mais bem classificado.

Cabral segue para a Guiné-Bissau, a sua terra natal, onde realiza vários trabalhos, com destaque para o recenseamento agrícola deste país, que lhe ofereceu “o contacto com populações e tribos” e “um conhecimento profundo do problema agrícola colonial”.

As suas ideias de desenvolvimento da agricultura para as populações também não foram bem recebidas e Amílcar Cabral regressa a Lisboa. Realiza vários trabalhos de consultor técnico em Portugal e em Angola, onde se confronta novamente com questões que terão acelerado o seu papel enquanto líder independentista.

Foi assassinado a 20 de janeiro de 1973, em Conacri, na Guiné, tinha 49 anos.

Em 2020, foi considerado o segundo maior líder mundial de todos os tempos, a seguir a Maharaja Ranjit Singh, líder do império sikh do início do século XIX, segundo uma lista elaborada por historiadores para a BBC e com a votação dos leitores.





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