InFishMix”, e das moscas se fez peixe
Uma empresa em Santarém está a criar moscas com bagaço de azeitona para com elas produzir farinha para peixe de aquacultura, uma iniciativa que envolve universidades e que os responsáveis consideram um exemplo perfeito de sustentabilidade.
Chamado “InFishMix”, o projeto vai buscar o que sobra da produção de azeite e junta-lhe larvas de uma mosca específica que em 12 dias crescem com o bagaço. O que sobra, bagaço digerido, serve para produzir fertilizante orgânico. E das moscas faz-se alimento para peixes de aquacultura, substituindo o tradicional uso de peixe selvagem.
O processo é explicado por Daniel Murta, fundador da empresa EntoGreen, que apresenta soluções nutricionais para a alimentação animal, a última é dedicada a peixe de aquacultura, com a produção a ser vendida essencialmente para Espanha.
Atualmente, explica em declarações à Lusa, metade do peixe consumido já é de aquacultura, pelo que é fundamental que essa produção seja eficaz, sustentável e segura, e que dependa cada vez menos de capturas de peixes selvagens.
É que, recorda, os peixes de aquacultura são basicamente alimentados com ração que tem como principal ingrediente a farinha de peixe, feita com restos de pescado ou com peixes selvagens capturados em vários pontos do globo, incluindo por exemplo a sardinha capturada no Chile.
O “InFishMix” procura “encontrar fontes alternativas para alimentação de peixes em aquacultura, que reduzam a dependência da captura de peixe marinho e que tornem a aquacultura cada vez mais sustentável”, diz Daniel Murta.
A EntoGreen está a desenvolver as novas soluções nutricionais com a “Egas Moniz School of Health & Science”, uma universidade que criou recentemente o primeiro mestrado em aquacultura sustentável.
Daniel Murta está convicto da importância da contribuição do projeto “InFishMix” para a sustentabilidade da aquacultura, um setor em grande crescimento a nível europeu e uma “grande oportunidade” para Portugal, pela “vasta costa e boas condições de produção” de peixe de aquacultura, um produto de qualidade, quer nutricional quer de sabor, e seguro.
Este trabalho de desenvolver misturas de farinhas de inseto, além da universidade Egas Moniz, junta ainda o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto, e o NORCE, um centro de investigação norueguês.
“Conseguimos demonstrar que é possível substituir o principal ingrediente das rações para peixe por uma fonte proteica mais sustentável. E não falamos só de proteína. Embora a farinha de inseto seja muito rica em proteína ela também é rica em princípios ativos, que vão promover não só o bem-estar e saúde dos peixes mas também promovem a digestibilidade da ração que lhes é dada”, diz o administrador da EntoGreen e investigador na “Egas Moniz School of Health & Science”.
Os insetos usados, especialmente as ‘moscas-soldado-negro’, inserem-se no desenvolvimento do setor bioindustrial dos insetos, no qual estão a ser investidos muitos milhões. Em Portugal estão a surgir produtos no mercado derivados de insetos, até para alimentação humana.
Num investimento de 12 milhões de euros, usam-se as moscas para decompor produtos vegetais, converte-se bagaço em proteína, com uma produção diária de 2,3 toneladas de proteínas desengorduradas de insetos, devendo chegar-se às sete toneladas no final do ano (que correspondem a 120 toneladas de bagaço).
E as moscas, que são abatidas de forma rápida, evitando o sofrimento, são processadas, secas e prensadas, e usadas depois como um dos ingredientes para comida de peixe.
No “InFishMix” a parceria “determinante” com a universidade validou a qualidade e segurança da cadeia de valor. E às duas entidades, ao ICBAS e ao NORCE juntou-se outra empresa nacional, igualmente de Santarém, a Thunder Foods, que já produz alimentação humana com base em insetos.
Daniel Murta elogia o sabor e qualidade desses produtos, e Manuel Pequito, investigador na “Egas Moniz School of Health & Science”, garante à Lusa a qualidade do peixe de aquacultura, às vezes até mais seguro do que espécies selvagens.
“A resistência a esse peixe terá de ser ultrapassada, até porque temos de ser mais sustentáveis, porque será insustentável comer peixe que não seja de aquacultura dentro de 30 anos”, diz.
À Lusa fala também do único mestrado de aquacultura sustentável do país, focado em produção animal mas também na medicina em aquacultura. É que, explica, cada vez mais o mundo se preocupa com a produção de peixes mas também com o bem-estar e saúde dos peixes e com a saúde das pessoas que os consomem.
Daniel Murta diz que as farinhas derivadas de insetos, de levado teor de proteína, podem ser aplicadas também em rações para animais de companhia, para aves ou para suínos e que o futuro sustentável terá de ser assim.