Interferência na astronomia: a consequência não intencional de uma Internet mais rápida

Investigadores da Universidade de Curtin realizaram o maior estudo do mundo sobre emissões de rádio de baixa frequência de satélites, concluindo que os satélites Starlink estão a interferir significativamente com as observações de radioastronomia, o que pode ter um impacto na descoberta e na investigação.
Os sinais involuntários dos satélites – que escapam da eletrónica de bordo – podem abafar as fracas ondas de rádio que os astrónomos utilizam para estudar o universo.
Os investigadores do nó da Universidade de Curtin do Centro Internacional de Investigação em Radioastronomia (ICRAR), sediado no Instituto de Radioastronomia de Curtin (CIRA), centraram-se na mega-constelação Starlink, uma vez que é a que tem mais satélites em órbita, mais de 7000, durante o período do estudo.
A Starlink é um serviço privado de Internet por satélite lançado pela empresa aeroespacial SpaceX, que promete ligações mais rápidas à Internet, sobretudo para as zonas rurais e remotas.
A equipa de investigação recolheu e analisou 76 milhões de imagens do céu utilizando uma estação protótipo para o Square Kilometre Array (SKA), que será o maior e mais sensível radiotelescópio do mundo quando estiver totalmente construído no final desta década.
O candidato a doutoramento e líder do estudo, Dylan Grigg, afirmou que a equipa detectou mais de 112 000 emissões de rádio de 1806 satélites Starlink, o que faz deste o catálogo mais completo de emissões de rádio por satélite a baixas frequências até à data.
“A Starlink é a fonte mais imediata e frequente de potenciais interferências para a radioastronomia: lançou 477 satélites só durante o período de recolha de dados de quatro meses deste estudo”, explica Grigg.
“Em alguns conjuntos de dados, verificámos que até 30% das nossas imagens apresentavam interferência de um satélite Starlink”, aponta.
Grigg diz que a questão não era apenas o número de satélites, mas a força dos sinais e as frequências em que eram visíveis.
“Alguns satélites foram detectados a emitir em bandas onde não é suposto estarem presentes quaisquer sinais, como os 703 satélites que identificámos a 150,8 MHz, que se destina a ser protegida para a radioastronomia”, adianta.
“Como podem ter origem em componentes como a eletrónica de bordo e não fazem parte de um sinal intencional, os astrónomos não os conseguem prever ou filtrar facilmente”, esclarece.
O diretor executivo do CIRA e coautor do estudo, Steven Tingay, professor emérito de John Curtin, afirmou que há margem para melhorar a regulamentação, a fim de evitar que os satélites interfiram na investigação.
“Os atuais regulamentos da União Internacional das Telecomunicações centram-se nas transmissões intencionais e não abrangem este tipo de emissões não intencionais”, afirma.
“A Starlink não é a única rede de satélites, mas é de longe a maior e as suas emissões são agora cada vez mais proeminentes nos nossos dados”, sublinha.
“Esperamos que este estudo contribua para apoiar os esforços internacionais de atualização das políticas que regulam o impacto desta tecnologia na investigação em radioastronomia, que estão atualmente em curso”, adianta.
“É importante notar que a Starlink não está a violar os regulamentos atuais, pelo que não está a fazer nada de errado. As discussões que tivemos com a SpaceX sobre este assunto foram construtivas”, diz ainda.
O Professor Tingay explica que a tecnologia de satélites e a radioastronomia são ambas importantes, mas precisam de existir em harmonia.
“Estamos à beira de uma era dourada em que o SKA ajudará a responder às maiores questões da ciência: como se formaram as primeiras estrelas, o que é a matéria escura e até a testar as teorias de Einstein”, diz.
“Mas, para ter êxito, precisa de silêncio na rádio. Reconhecemos os benefícios profundos da conetividade global, mas precisamos de equilíbrio e isso começa com a compreensão do problema, que é o objetivo do nosso trabalho”, conclui.
O impacto crescente da emissão de banda larga não intencional do Starlink na radioastronomia na gama de frequências baixas do SKA foi publicado na revista Astronomy and Astrophysics.