Lobos que se alimentam de lontras-marinhas no Alasca ameaçados por altas concentrações de mercúrio



Em novembro de 2020, o cadáver de uma loba da subespécie Canis lupus ligoni com quatro anos de idade foi descoberto numa ilha ao largo da costa sudeste do Alasca. Esses lobos ocorrem apenas nessa região dos Estados Unidos da América e na costa da Columbia Britânica, no Canadá.

O animal tinha sido apetrechado com um colar com GPS por biólogos que estudavam o comportamento de predação desses lobos na região. Sem sinais exteriores que pudessem ajudar a identificar a causa da morte, o corpo, encontrado na Ilha Pleasant, foi submetido a necrópsia. Os resultados revelaram que a loba, batizada com o código 202006, tinha altas concentrações de mercúrio no fígado e nos rins, bem como noutros tecidos.

A loba 202006 morreu em novembro de 2020, no Alasca. Não se sabe ainda porquê ao certo, mas o seu fígado e rins tinham altas concentrações de mercúrio. Foto: Gretchen Roffler / Alaska Department of Fish and Game

Estima-se que, atualmente, as concentrações de mercúrio na atmosfera estejam 450% acima dos valores que se registariam sem intervenção humana. A queima de combustíveis fósseis e da extração de ouro de pequena escala são duas das principais fontes dessas emissões atmosféricas. Além disso, o degelo dos glaciares está também a provocar o transporte de partículas de mercúrio arrancadas da crosta terrestre para os mares e oceanos à medida que esses blocos gelados vão derretendo com o aumento da temperatura do planeta. O Alasca é uma das regiões da Terra com os ritmos mais acelerados de degelo dos glaciares.

Quando em contacto com a água, o mercúrio transforma-se em metilmercúrio. Essa substância, que é tóxica, não é metabolizada pelos organismos que a ingerem, pelo que vai-se acumulando nos corpos dos animais ao longo das suas vidas, um processo chamado bioacumulação, e à medida que subimos na cadeia alimentar, as suas concentrações são cada vez maiores, a chamada bioampliação.

A descoberta de altos níveis de mercúrio na loba 202006 levou um grupo de cientistas a tentar perceber o que terá estado na origem desses níveis invulgares. Num artigo publicado na revista ‘Science of the Total Environment’, revelam que as populações de lobos Canis lupus ligoni que vivem na Ilha Pleasant têm concentrações mais elevadas de mercúrio nos seus corpos do que os animais da mesma subespécie que vivem em território continental.

Essa diferença deve-se ao facto de a dieta dos lobos insulares se basear largamente em lontras-marinhas (quase 70%), ao passo que a dos lobos continentais depende sobretudo de alces e veados.

Sobre os lobos da Ilha Pleasant, Benjamin Barst, da Universidade do Alasca em Fairbanks e um dos principais autores do estudo, diz que “eles estão a comer tantas lontras-marinhas que estão a receber esta dose mais elevada de mercúrio, que se vai acumulando ao longo do tempo”.

Os lobos são predadores com uma grande capacidade de adaptação, pelo que podem mudar as suas dietas e comportamentos de caça consoante a abundância das presas disponíveis. Vivendo isolado numa ilha, os lobos de Pleasant têm à sua disposição uma maior variedade de presas marinhas do que de presas habitualmente encontradas em habitats continentais.

Ainda não se sabe se a viragem alimentar para as lontras-marinhas é algo permanente ou esporádico, mas os investigadores consideram que se aumentar o número desses mustelídeos a largo da costa do Alasca e da Columbia Britânica, é possível que os lobos se habituem a tê-las como importantes fontes de calorias, o que pode, por sua vez, aumentar a exposição dos canídeos selvagens à contaminação por mercúrio.

Os investigadores vão continuar a investigar a relação entre as altas concentrações de mercúrio encontradas nos lobos e o seu consumo de lontras-marinhas, para tentarem perceber que implicações isso poderá ter para a sobrevivência desses predadores terrestres que se estão a converter, aparentemente, em predadores costeiros.






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