Maçarico-de-bico-direito: Uma ave migradora que liga Europa e África



Várias espécies de aves migradoras dependem de mais do que um habitat para sobreviverem. No mínimo, dependem das boas condições do habitat de invernada e do local onde passam os meses mais quentes do ano.

Contudo, algumas chegam mesmo a depender de uma multiplicidade de locais ao longo da sua rota de migração. É o caso do maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa). Esta espécie de ave limícola, que frequenta zonas húmidas como estuários, ocorre em mais de mil zonas húmidas em 46 países, da gélida Islândia à tropical Guiné-Bissau.

Nidificando no Norte da Europa e depois migrando para sul, em direção a África, para escapar ao frio, aves dessa espécie visitam também Portugal, um importante ponto de passagem onde podem descansar, alimentar-se e recuperar as forças necessárias para completarem a viagem.

Entre novembro e março, milhares de maçaricos-de-bico-direito podem ser avistados no Estuário do Tejo, em grupos que podem somar mais de 50 mil indivíduos.

Uma investigação internacional que contou com a participação de cientistas portugueses revela, num artigo publicado na revista ‘Journal of Applied Ecology’, os meandros das longas migrações feitas por esta espécie e alerta para as ameaças que enfrenta.

Martin Beal, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e primeiro autor, explica que os maçaricos-de-bico-direito que visitam o Estuário do Tejo também fazem paragens “em mais de 200 outros locais em 16 países”. Os cientistas conseguiram sabê-lo através de pequenas anilhas coloridas, cada uma com uma identificação numérica única, colocadas nas patas dos animais e também com recurso a monitorização remota com GPS.

Especificamente sobre as aves que visitam Lisboa, os investigadores apontam a construção do novo aeroporto como um “desafio à sua sobrevivência”, um debate acesso no qual a avifauna esteve sob as luzes da ribalta.

A moral desta história é que, sendo uma espécie de longas migrações (quase transequatoriais), como outras tantas, cuja sobrevivência depende das boas condições ambientais e ecológicas dos locais em que vai parando para se reabastecer antes de chegar ao destino, ameaças numa dessas “estações de serviço” podem ter efeitos nefastos de proporções globais.

“Isto mostra como danos que causamos no nosso quintal podem ter consequências para a vida selvagem em locais distantes, sobretudo nos 20% das áreas onde a espécie ocorre no mundo e que não têm qualquer estatuto de proteção”, salienta Beal, dando como exemplo os sapais, mangais e arrozais da região do Baixo Casamanga, no Senegal, que “não possuem qualquer reconhecimento ou proteção formal”, mas onde foram encontrados “maçaricos provenientes de, pelo menos, oito outros países”.

É por isso Maria Dias, também do CE3C e uma das principais autoras do estudo, refere que “a conservação das aves migratórias e a inversão do declínio de muitas espécies depende da cooperação internacional”.

Atualmente, existem já tratados internacionais que visam a proteção das zonas húmidas e dos habitats de espécies migradoras, como a Convenção de Ramsar e a Convenção sobre a Conservação de Espécies Migradoras da Fauna Selvagem (vulgo Convenção de Bona). Apesar disso, as populações de 44% das espécies migradoras continuam a sofrer declínios, fruto, sobretudo, das disparidades no que toca à proteção legal, e efetiva, dos habitats-chave dos quais dependem nos vários países que visitam ao longo das suas grandes jornadas.

Como tal, para proteger estas espécies migradoras é preciso articulação entre os países e “a conectividade ecológica é um conceito que deve ser abraçado para a proteção efetiva de espécies migradoras”, defende a especialista em ecologia das aves.

“A importância de muitas zonas permanece desconhecida, pelo que a abordagem que seguimos neste estudo tem a dupla valência de informar a ciência e fomentar o diálogo para a construção de políticas nacionais e internacionais mais robustas de salvaguarda da biodiversidade”, destaca a investigadora.





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