Mineração em mar profundo provoca “efeitos letais” em corais de águas frias



Uma equipa de investigadores portugueses estudou os riscos associados à mineração em mar profundo e demonstrou que a atividade liberta “quantidades elevadas de metais dissolvidos” para a coluna de água que provocam “efeitos letais nos corais de águas frias”.

Em comunicado, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), entidade que liderou o projeto, esclarece hoje que ao longo dos últimos quatro anos a equipa estudou os riscos e impactos da mineração em mar profundo.

Além de investigadores da FCUP, o projeto contou com investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e do Instituto de Investigação em Ciências do Mar Okeanos da Universidade dos Açores.

O objetivo do projeto Deep-Risk foi “colmatar algumas das lacunas mais importantes associadas à avaliação de risco ambiental da mineração em mar profundo”, nomeadamente, o risco das plumas de sedimentos que são produzidas durante a atividade, destaca o docente da FCUP e coordenador da equipa, Miguel Santos.

Apesar de a dispersão de sedimentos ser a “consequência mais imediata e esperada”, a investigação concluiu que a atividade “também liberta quantidades elevadas de metais dissolvidos para a coluna de água”, acrescenta Miguel Caetano, investigador do IPMA.

Face às correntes, estas plumas podem “espalhar-se por grandes distâncias” e afetar organismos a “vários quilómetros” do local de mineração.

Em laboratório e recorrendo a câmaras hiperbáricas para simular condições do mar profundo, a equipa analisou os efeitos de plumas de sedimentos em diferentes organismos, como esponjas, bivalves e corais de profundidade de água fria, tendo os resultados demonstrados efeitos negativos em todos.

“Verificou-se que pequenas concentrações de partículas de sulfuretos polimetálicos em plumas de sedimentos provenientes de uma potencial exploração mineira em águas profundas provocam efeitos letais nos corais de águas frias”, avançou Marina Carreiro e Silva, do Okeanos.

No âmbito do projeto foram também desenvolvidos novos modelos hidrodinâmicos e ecológicos para avaliar o comportamento e efeitos das plumas de sedimentos, com o objetivo de “antecipar a evolução destes ecossistemas na presença de fatores de ‘stress’”.

Estes modelos “mostram que os ecossistemas hidrotermais impactados pelas plumas poderão entrar em colapso, indicando que têm pouca resiliência para ultrapassarem esse impacto”, afirmam as investigadoras Ana Colaço, do Okeanos, e Irene Martins, do CIIMAR-UP.

Os investigadores esperam que os resultados possam contribuir para a implementação de diretrizes ambientais, uma vez que a investigação do mar profundo foi identificada como uma área de investigação prioritária em Portugal para o período de 2020-2030.

“Os resultados do projeto contribuirão para o estabelecimento de instrumentos legais para a gestão sustentável e conservação dos ecossistemas marinhos, incluindo os recursos naturais não vivos de mar profundo”, acrescentam.

Moratória até 2050 na mineração em mar profundo em debate hoje no parlamento

Recorde-se que uma moratória à mineração em mar profundo até 2050 vai hoje ser debatida no parlamento, devendo ser aprovada na sexta-feira, com quatro partidos a apresentarem projetos de lei, incluindo PSD e PS.

Segundo os partidos, a mineração em mar profundo, para extração de minerais, como cobre, lítio, níquel ou manganês, usando maquinaria pesada, pode ser prejudicial para os fundos marinhos, pelo que consideram que é preciso mais tempo para investigar esses efeitos.

O PSD, principal partido que apoia o Governo, apresenta uma proposta para alterar a lei 17/2014, que estabelece as bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional (define as normas de uso adequado do espaço marítimo), especialmente “no que se refere à proteção dos ecossistemas marinhos face às ameaças colocadas pela mineração em mar profundo”.

“A mineração em mar profundo, destinada à extração de recursos minerais como nódulos de manganês, sulfuretos polimetálicos e cobalto, utiliza tecnologias capazes de operar a grandes profundidades, mas permanece numa fase de desenvolvimento global”, e levanta “sérias preocupações sobre os potenciais impactos ambientais desta atividade”, acrescenta o partido na apresentação do decreto-lei.

O partido admite que o processo possa causar “danos significativos” nos ecossistemas vulneráveis do fundo do mar e na coluna de água, e trazer problemas na pesca, e recorda que Portugal, como membro da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), votou em julho de 2023 contra a mineração em mar profundo.

A moratória tem sido defendida por organizações ambientalistas e pela comunidade científica, tendo o Governo dos Açores já dito também que não vai aceitar essa mineração e que qualquer proposta nesse sentido será “liminarmente recusada”.

Em outubro de 2023 o parlamento aprovou um projeto-lei do PAN que impunha uma moratória à mineração em mar profundo nas águas portuguesas até 2050. Mas quando o texto estava em comissão para ser discutido o Governo de António Costa caiu, pelo que a iniciativa caducou.

Na altura o diploma foi aprovado com a oposição do PSD, Chega e Iniciativa Liberal e a abstenção do PCP. Mas agora os dois maiores partidos, com o PAN e com o Livre, apresentam propostas coincidentes da moratória até 2050.

O projeto de lei do PS também apresenta uma alteração à lei 17/2014 para estabelecer a moratória.

“Tem havido um interesse crescente na mineração dos minerais existentes no mar profundo, designadamente de cobalto, lítio e níquel, sulfuretos hidrotermais e as crostas de ferro-manganês. Neste sentido, entende o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que não se pode perder esta nova oportunidade de reunir um amplo consenso parlamentar no sentido de adotar uma moratória à mineração em mar profundo”, refere o documento do PS.

A mesma proposta do PAN, alertando para o “impacto irreversível” da atividade nos ecossistemas e na biodiversidade do fundo marinho, que se avançar pode extinguir espécies e comprometer os benefícios dos ecossistemas para a humanidade.

Também o Livre aponta no documento a mesma data de moratória, 1 de janeiro de 2050, e também fala de “preocupações ambientais significativas, ameaçando a biodiversidade marinha e os ecossistemas oceânicos, fundamentais para a saúde climática global”.

O parlamento discute outro projeto de lei do Livre, de alteração da lei de Enquadramento Orçamental para introduzir “a perspetiva de género e de justiça climática”.

Também o PAN e o PS têm iniciativas legislativas para adaptar a Lei de Enquadramento Orçamental ao disposto na lei de Bases do Clima.

E o Bloco de Esquerda apresenta uma alteração à lei 17/2014 para reverter a abertura à privatização de volumes de mar com concessões até 50 anos. O Bloco propõe a eliminação da figura de concessão e mantém a figura de licenças de utilização para uso temporário, intermitente ou sazonal até 25 anos.





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