Monoculturas em colapso: a urgência de um novo futuro florestal



Por Helena Freitas, Professora Catedrática na área da Biodiversidade e Ecologia no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

O esforço de limpeza das florestas, aliado à relativa calma dos últimos anos, criou a ilusão de que o problema dos incêndios estava resolvido e que a devastação de 2017 não se repetiria. Essa confiança desviou a atenção da verdadeira prioridade: a reforma estrutural da floresta portuguesa. Os acontecimentos recentes expuseram a fragilidade das alterações implementadas, as quais são obviamente insuficientes para a magnitude do problema. A reforma é hoje ainda mais crítica e é preciso determinação e ousadia para a intervenção estrutural que a floresta portuguesa exige.

No centro do atual fracasso estão décadas de negligência na gestão florestal. Planeamento deficiente, reflorestação inadequada e falta de manutenção, criaram as condições perfeitas para os incêndios devastadores que enfrentamos. Embora a limpeza da vegetação em torno das habitações possa retardar o avanço das chamas, não resolve os problemas estruturais subjacentes. A crescente dependência das monoculturas de eucalipto, altamente inflamáveis, só agravou a situação. Para reverter este cenário, Portugal deve adotar um novo paradigma florestal, baseado na reflorestação biodiversa e em políticas agroflorestais, que possam criar ecossistemas mais resilientes.

Do ponto de vista económico, o quadro é preocupante. São investidos milhões de euros em ações de combate a incêndios, enquanto a prevenção recebe apenas uma pequena fração desse financiamento. Todos os estudos demonstram que investir na prevenção não só poupa recursos, como também salva vidas. Os custos ambientais são igualmente alarmantes: incêndios sucessivos empobrecem os solos, destroem a biodiversidade e aumentam as emissões de carbono. Em vez de sumidouros de carbono, as nossas florestas estão a comprometer os objetivos climáticos do país.

As alterações climáticas vêm intensificar os riscos. O aumento das temperaturas, as secas prolongadas e os padrões climáticos irregulares, ampliaram a probabilidade de incêndios devastadores. A estratégia dominante, centrada na limpeza das florestas, é insuficiente para enfrentar essas novas ameaças. Precisamos de soluções mais robustas e resilientes às alterações climáticas, como a introdução de espécies de árvores resistentes ao fogo, o uso inteligente do solo e um planeamento ambiental proativo.

Portugal pode olhar para países que mudaram o foco do combate reativo a incêndios para a resiliência proativa das comunidades e o planeamento estratégico do uso do solo. Esses países perceberam que confiar apenas no combate a incêndios é um beco sem saída. As queimadas controladas, por exemplo, são rotineiramente usadas para remover material inflamável, enquanto a educação da comunidade sobre prevenção de incêndios florestais tornou-se parte integrante de sua estratégia.

Igualmente relevante é a falta de coordenação entre o governo nacional e as autoridades locais. As operações de combate a incêndios de grande visibilidade, como as missões aéreas, recebem destaque e financiamento, enquanto as medidas de prevenção a longo prazo são subfinanciadas e ignoradas. É urgente estabelecer políticas claras e criar incentivos nacionais que promovam a silvicultura sustentável, a reflorestação biodiversa, os sistemas agroflorestais e infraestruturas resistentes ao fogo. Sem isso, será difícil envolver os principais atores no esforço para reduzir o risco de incêndios florestais.

Finalmente, há barreiras culturais e psicológicas profundamente enraizadas e difíceis ultrapassar. O combate a incêndios é muitas vezes exaltado como heroico, enquanto a prevenção – apesar da sua eficácia comprovada a longo prazo – é tratada como secundária. A educação pública deve desempenhar um papel central na mudança desta mentalidade.  A prevenção não é inação, mas a escolha inteligente que deve ser priorizada.

 





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