O dia a dia de um condutor Tesla em Portugal



Lentamente, os portugueses começam a despertar para uma nova realidade no campo da mobilidade: os veículos elétricos.

Apesar de não serem propriamente novidade, são ainda uma miragem para muitos portugueses, não só pelo preço de aquisição mais elevado mas também pelo facto de a rede pública de carregamentos ser ainda escassa. Como em tantos outros campos da vida, no entanto, há sempre um grupo de pioneiros que desbrava terreno e ajuda a normalizar o que é novidade.

Hugo Pinto é um destes pioneiros: não conduz só um elétrico; conduz um Tesla. A marca é conhecida por evocar curiosidade, por estar na linha da frente no que toca a carros elétricos e por ter obrigado a indústria a dar um passo que não queria no sentido de eletrificar a sua frota. Estivemos à conversa com ele para saber como é o dia a dia de um proprietário de um VE em Portugal, mais especificamente de quem conduz um Tesla.

 

O que o levou a escolher a Tesla? Queria comprar um carro elétrico e a Tesla foi a escolha natural, ou comprou um elétrico por causa da Tesla?
Um misto de fatores: por um lado, para mim os elétricos já eram assumidamente o futuro, e nunca vi os híbridos, com as suas duas formas de locomoção, a complexidade mecânica e a pouca autonomia elétrica, como uma solução. Por isso, procurava um veículo elétrico sem compromissos: que me permitisse percorrer, sem fazer contas aos quilómetros, os meus percursos diários mais exigentes. O Tesla era a única opção. Como já era fã do percurso da marca ao longo dos anos, foi a escolha natural: comprei um Tesla por ser o único elétrico sem compromissos de prestação ou autonomia.

 

Que carro tinha antes de ter o Tesla? Trocou porquê?
Tinha um BMW Série 3. Era um excelente carro, bastante mais pequeno que o meu atual Model S, mas já buscava seriamente uma alternativa elétrica desde 2015/2016. Quando a Tesla chegou oficialmente a Portugal, fiz um test drivee já não consegui esquecer a experiência. Decidi-me, depois de fazer contas à vida muitas vezes, duas semanas depois.

 

O Model S foi o primeiro modelo a trazer sucesso à Tesla.

 

Decidi-me, depois de fazer contas à vida muitas vezes, duas semanas depois.

 

Como é o dia-a-dia de um utilizador de Tesla em Portugal? O carro faz mais parte da sua vida agora?
Há um fenómeno curioso com os utilizadores de Tesla em Portugal. São na sua maioria embaixadores ferrenhos da marca e muitos – eu inclusive – confessam que buscam motivos para usar o carro, fazendo viagens longas de férias e promovendo encontros entre eles.

O dia-a-dia de um utilizador Tesla, bem como de qualquer veículo elétrico, é muito semelhante ao de qualquer utilizador de um veículo a combustão, com nuances importantes. Primeira: normalmente começa retirando o cabo de carregamento da viatura e termina colocando o cabo de carregamento na mesma; E segunda: não passa mais pelos postos de abastecimento de combustíveis. Muita gente comenta que os elétricos demoram tempo a carregar. É verdade, mas fazem-no à noite, enquanto dormimos. Perdia muito mais tempo a meter gasóleo com o meu carro anterior do que perco hoje no dia a dia a encaixar e desencaixar o cabo de manhã e à noite.

 

Sente que tem mais opções do que quem não usa Tesla no que toca ao carregamento?
Sem dúvida. Este é um ponto essencial da experiência Tesla. A rede de SuperChargers, mesmo que ainda com poucos locais em Portugal (há ainda apenas cinco localizações), suporta em grande modo as necessidades de grandes deslocações dentro do país, e permitiu, antes da fase de comercialização da rede Mobi.e, criar nos utilizadores expectativas de fiabilidade em como o local de carga estaria disponível e rápido a meio da viagem que seriam infelizmente impossíveis de ter na rede pública antes da sua fase de comercialização.

Não deixa de ser curioso que nas cinco localizações de SuperChargers em Portugal, haja quase tantos pontos de carregamento como existem Postos de Carga Rápida (PCR) na rede pública em todo o país, em muitos mais locais.

 

Uma das grandes vantagens que a Tesla continua a ter relativamente às outras marcas é a sua rede de carregadores Supercharger.

 

E a condução automática? Consegue usá-la em Portugal?
Não sou grande fã da expressão Condução Automática. A minha expressão preferida neste momento é Condução Assistida: o AutoPilot está lá para assistir e aliviar o esforço do condutor humano, sem o substituir. Não é correto criar expectativas de que o carro é autónomo. Ainda não estamos nesse estágio de implementação da tecnologia, embora em potencial os carros que a Tesla tem na estrada tenham a capacidade de sensores necessária para essa condução autónoma. Mas o software ainda não está lá e, mesmo quando estiver, os reguladores não permitirão que os carros conduzam sozinhos sem a responsabilidade de um humano ao volante, durante largos anos. Mas as funcionalidades vão estar tecnicamente disponíveis dentro de muito pouco tempo, e veremos carros cada vez mais capazes de fazer coisas em vez de humanos, ainda que sejam sempre estes últimos os responsáveis pela segurança da viatura.

Em Portugal, praticamente todas as capacidades de condução assistida da Tesla são utilizáveis em estradas bem marcadas. Sempre que o carro não considera as condições de visibilidade como suficientes, não permite que o utilizador comece uma sessão de condução assistida.

 

Perdia muito mais tempo a meter gasóleo com o meu carro anterior do que perco hoje no dia a dia a encaixar e desencaixar o cabo de manhã e à noite

 

O Autopilot é um sistema de ajuda à condução, que automatiza algumas tarefas mas que ainda requer a atenção à estrada por parte do condutor.

 

Sente que está a ajudar a criar um futuro melhor para todos nós ao guiar um VE?
Sinto honestamente que sim. Nenhum carro novo é especialmente amigo do ambiente, porque a sua construção é, por si, uma fonte de produção de gases de efeito de estufa. No entanto, a operação de um veículo elétrico é uma ordem de grandeza mais limpa que num carro a combustão, tem menos necessidades de manutenção e, numa rede elétrica como a maior parte das redes europeias, o mix de produção de energias renováveis já representa perto de metade da energia disponível na rede. Um veículo elétrico é, neste contexto, uma escolha sã.

 

Conduz mais por ter um Tesla? Ou não notou diferenças relativamente ao seu carro anterior?
Quase como confissão: conduzo muito mais por ter um Tesla. Entre viagens longas, encontros e mesmo pequenas viagens de família que faria no carro da minha esposa, tudo serve de desculpa para conduzir o Tesla. A aceleração muito dinâmica e o grande espaço interior tornam a condução de um carro de combustão clássica uma experiência pálida em comparação.

 

O que mais aprecia na marca? O carro em si ou as atualizações do software? Porquê?
Como dizem os ingleses, aprecio “the whole package” – é tudo: a empresa foi criada com uma missão grandiosa de acelerar a transição do mundo para a energia sustentável; os carros são divertidos e muito rápidos de conduzir; são verdadeiros computadores com rodas que ficam melhores e com mais funcionalidades, normalmente gratuitamente, a cada nova atualização. A Tesla diferencia-se da concorrência não apenas pela fantástica viatura em si, mas porque a conjunção destes fatores faz da experiência de ter um Tesla algo que, ao fim de mais de um ano, ainda me traz um sorriso ao rosto.

 

Que dicas tem para quem queira dar o salto para um carro destes?
A grande dica é investigar tudo o que possa sobre os carros. Ter um carro elétrico assume um princípio basilar sem o qual a experiência de propriedade é bastante diminuída: é preciso ter onde carregar, todos os dias, sem pensar duas vezes. Se tivermos em casa, ou no trabalho, um local de parque onde se possa instalar uma ficha elétrica, o problema está resolvido. Se dependemos da rede pública, dos postos de carga lenta/normal, a coisa torna-se mais complicada e uma experiência fantástica pode transformar-se numa eterna preocupação de onde carregar o carro a seguir. Não é isso que se pretende e não é essa a experiência da vasta maioria dos proprietários de veículos elétricos.

 

O Model 3 chega em 2019 a Portugal.

 

É abordado na rua por pessoas curiosas relativamente ao seu carro? Como lida com isso?
Sou, bastante mais do que estava à espera. Fotos, perguntas, dedadas e marcas de testa nos vidros, são (ainda) o dia-a-dia de quem tem um Tesla. Encaro-o com a naturalidade de quem sabe que há um ano e meio atrás seria eu a espreitar para dentro do carro e a fazer as perguntas. Tenho noção de que há um efeito “halo” na marca Tesla e que a experiência de quem tem um destes carros pode influenciar pela positiva a decisão de comprar um elétrico de quem pergunta, ou pelo menos desmistificar alguns dos mitos que existem sobre estes carros. Sou o mais simpático que a pressa me permite e mostro muitas vezes o carro por dentro e por fora.

 

a operação de um veículo elétrico é uma ordem de grandeza mais limpa que num carro a combustão, tem menos necessidades de manutenção

 

Acha que a infraestrutura de recarregamento em Portugal é boa? Mudava alguma coisa?
A infraestrutura Tesla de SuperChargers e Destination Chargers é boa e continua a crescer. A infraestrutura pública da rede Mobi.e esteve bastante tempo estagnada e com pouco incentivo para crescer, uma vez que a entidade gestora da rede não avançava com a comercialização da energia e dos serviços de carregamento, o que não criava nos operadores dos postos nem o incentivo nem o compromisso de terem mais e melhores postos disponíveis. Começou uma nova fase de comercialização no dia 1 de Novembro, em que estes problemas foram finalmente debelados. Estou muito expectante em relação aos próximos meses e à evolução da rede.

 

Acha que precisamos de fazer mais em Portugal para acelerar a transição para veículos elétricos?
Precisamos de fazer basicamente duas coisas: em primeiro lugar, promover sistematicamente a aquisição de veículos elétricos com incentivos que apelem aos consumidores particulares (ex.: as empresas podem deduzir IVA de viaturas VE compradas até um certo montante, os particulares, não) e uma infraestrutura de carga em postos rápidos e lentos (para pernoita) muito mais vasta do que a atual. Em segundo lugar, diferenciar agressivamente no bolso de quem usa transportes o impacto ambiental do seu uso – os transportes coletivos devem ser muito acessíveis e incentivados, os transportes individuais elétricos um pouco menos e os transportes individuais a combustão muito mais penalizados. A estrutura de incentivos deriva das opções de política ambiental e de mobilidade, e é necessário que os países desenvolvidos – nos quais Portugal tem dados cartas – tomem opções corajosas.

 

O futuro pertence mesmo aos VEs?
O futuro pertence à locomoção elétrica sem dúvida, porque, ao contrário do motor a combustão, o motor elétrico é completamente indiferente à fonte da eletricidade que lhe chegou: se de uma célula de combustível de hidrogénio, se de uma bateria de iões de lítio. É completamente indiferente se essa eletricidade veio de painéis solares, de energia eólica, ou até da queima de combustíveis fósseis. O motor elétrico é o único que nos transporta todos os dias com cada vez menor impacto ambiental, à medida que a rede elétrica evolui e se transforma. Os carros a combustão não podem fazer isso.

Outra questão é se os veículos elétricos serão veículos suportados por baterias elétricas ou células de hidrogénio. Essa é uma pergunta recorrente, cuja resposta se pode dar de forma mais ou menos pragmática. Desde muito pequeno que me interesso por ciência e desde muito pequeno que leio artigos de divulgação científica que afirmavam entusiasticamente que “o hidrogénio é o futuro”. Há inclusive alguns fabricantes, hoje, que têm, em fase pré-comercial, tecnologias de fuel cellbem mais eficientes que a geração anterior. Mas a produção de baterias de iões de lítio e a sua densidade explodiram nos anos recentes com o advento dos computadores e telefones móveis, e os veículos elétricos aproveitaram-se dessa conjuntura. O meu carro usa aproximadamente seis mil pequenas baterias iguais às que encontramos em computadores portáteis comuns. É uma tecnologia do presente, em carros do presente. Resta saber se quando o hidrogénio chegar ao seu prime-timenão teremos já uma nova geração de baterias de estado sólido, mais resistentes e rápidas de carregar, e se não veremos o hidrogénio relegado para aplicações especializadas, como o transporte marítimo. O ótimo sempre foi inimigo do bom.

 

O novo Tesla Roadster deverá chegar ao mercado em 2020.

 

Acha que as marcas tradicionais estão mesmo apostadas em construir carros elétricos?
Acho que se não estão, terão forçosamente e rapidamente que estar. Os legisladores europeus inverteram completamente o curso no que toca ao apoio aos motores diesel, sobretudo nas grandes cidades, pela simples razão de que a poluição desses motores começou a pesar nas saúde e despesas públicas.

Adicionalmente, os carros elétricos fazem simplesmente sentido: são mais simples, mais fiáveis, mais rápidos, mais divertidos. Era uma ideia à espera de florescer, e os compradores de carros começam cada vez mais a considerá-los como uma compra de um carro normal, não um carro exótico. Não tenho dúvida que são o futuro de muitos de nós. Para mim, claro está, são o presente.

 

Na sua opinião, o que falta para vermos mais modelos das VW, Fiat, Peugeot, etc.?
Creio que faltam elementos em dois eixos: no primeiro, falta coragem organizacional para canibalizar as suas próprias linhas de produtos com carros elétricos excecionais que são tão bons (e quase de certeza melhores) que as suas ofertas clássicas, com os grandes custos na conversão dos seus processos e parceiros para esta nova era; no segundo eixo, falta a criação de capacidade de produção em escala, sobretudo de baterias, para suportar o crescimento desse mercado. Neste momento, essa diminuta capacidade de produção de baterias é o grande bottleneckpara a maioria dos construtores – e uma das grandes razões para a vantagem que a Tesla tem nesta área em relação à concorrência, com a aposta que cedo fez na sua GigaFactory no Nevada.





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