ONGs criticam antecipação de reabertura da caça à rola-brava. ICNF justifica decisão com “evolução positiva” das populações da espécie



No passado dia 21 de maio, o Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) anunciou que iria autorizar a reabertura da caça à rola-brava (Streptopelia turtur, também conhecida como rola-comum) no país já este ano, e não só em 2026, como tinha sido inicialmente definido.

A decisão surge no contexto de uma moratória que se estendeu de 2021 até 2025 na Europa ocidental, um dos importantes corredores migratórios da espécie, que cessou a caça à rola-brava em Portugal, Espanha, França e Itália, como medida para recuperar as populações dessas aves, reduzidas grandemente nas últimas décadas devido à caça excessiva. Estima-se que as populações de rola-brava na Europa tenham sofrido perdas de perto de 80% nos últimos 40 anos.

No passado mês de abril, a Comissão Europeia, com base nas recomendações de um grupo de especialistas das diretivas Habitats e Aves, conhecido como NADEG, decidiu autorizar a retoma da caça à rola-brava em Espanha, França e em Itália, apontando que esses países reuniam as condições para tal, nomeadamente um aumento das populações de rola-brava em dois anos consecutivos, o aumento da taxa de sobrevivência e a existência de sistemas nacionais robustos de regulamentação, controlo e fiscalização da atividade cinegética que visa essa espécie.

De acordo com a Portaria n.º 67/2024, de 22 de fevereiro, a moratória da caça à rola-brava em Portugal deveria somente ser levantada na época venatória 2026-2027, com o documento a afirmar, à altura, que, embora as populações da espécie “tenham revelado uma recente estabilidade populacional na sequência da interdição de caça nos países atravessados pela rota migratória ocidental, entre os quais Portugal, não alcançaram ainda as condições necessárias para o levantamento da interdição”.

Recorde-se que a espécie está classificada como “Quase Ameaçada” de extinção no Livro Vermelho das Aves de Portugal Continental de 2022, um agravamento face ao estatuto de “Pouco Preocupante” com o qual foi categorizada em 2005 no Livro Vermelho dos Vertebrados.

Contudo, no passado dia 15 de maio, foi publicada uma nova portaria (Portaria n.º 222-A/2025/1, de 15 de maio), que passa a incluir a rola-brava como espécie cinegética para a época 2025-2026, apontando-se que Portugal reúne já todas as condições exigidas, incluindo um sistema de regulação, controlo e fiscalização da caça à rola-comum para a época venatória de 2025-2026.

Em resposta a questões enviadas pela Green Savers, o ICNF justifica a decisão de antecipar o fim da moratória com uma “evolução positiva dos efetivos da população de rola-comum na sua rota migratória ocidental”, acrescentando que Portugal segue “a mesma linha de atuação” de Espanha, França e Itália.

Este ano, a caça à rola-brava no país só será permitida nos dias 24 e 31 de agosto, “do nascer do sol às onze horas da manhã”, segundo nos avança o ICNF, na sequência de deliberação do seu Conselho Diretivo, com um limite de abate de 13.200 indivíduos, e apenas “em terreno ordenado, nas zonas de caça que cumpram cumulativamente um conjunto de condições demonstrativas da implementação de medidas de gestão e ações de monitorização, essenciais para a recuperação e conservação desta espécie e uma exploração cinegética sustentável”.

A instituição assegura que tanto Portugal como a Comissão Europeia “consideram que não está em causa a conservação da espécie”, uma vez que “esta medida vai ser suportada por um modelo de exploração adaptativo” que permitirá ajustar a exploração cinegética à situação populacional da espécie.

ONGs defendem que moratória deve continuar “por mais algum tempo”

Em reação à decisão do ICNF, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), em nome da Coligação C7, que congrega outras cinco organizações não-governamentais de ambiente (FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, Liga para a Protecção da Natureza, Quercus, WWF Portugal e ZERO), diz à Green Savers que embora, à escala da Europa ocidental, os dois primeiros critérios exigidos para a retoma da caça à rola-brava possam já ter sido alcançados, incluindo em Portugal, duvida que o terceiro exista no país.

“Não temos conhecimento de que esse [sistema nacional credível de regulamentação, controlo e fiscalização da atividade cinegética dirigida à rola-brava] esteja em vigor em Portugal”, diz a SPEA, embora o ICNF garanta que estará implementado a tempo da reabertura da caça à espécie.

Recordando as “muitas décadas de declínio em Portugal” da rola-brava, a organização considera que é preciso “assegurar que a monitorização da espécie é reforçada”, para que seja possível “acompanhar a evolução demográfica e o sucesso reprodutor da espécie de forma mais consistente e com resultados mais robustos”.

“Levantar a moratória e não termos a certeza de que vamos recolher informação de qualidade sobre o estado das populações de rola-brava é, no mínimo, uma decisão precipitada, até porque a espécie só iria obviamente beneficiar de mais tempo para recuperar”, sublinha.

Os conservacionistas acreditam que seria importante manter a moratória à caça à rola-brava nos países da Europa ocidental “por mais algum tempo”, salientando que a proibição permitiu reduzir “a pressão cinegética de forma significativa” sobre a espécie, que “mostrou alguma recuperação”, e apontando a caça como “um importante fator de mortalidade não-natural” dessas aves.

No que a Portugal especificamente diz respeito, a SPEA conta-nos que é preciso “dar mais tempo” à rola-brava para “recuperar os números das suas populações” para que possa “ser mais resiliente às ameaças com que atualmente esta espécie migratória se depara”, alertando que “o fim apressado” da proibição poderá resultar “daqui a muito pouco tempo” em novos declínios e que poderá ser necessário “recorrer novamente a uma moratória para impedir o agravamento da situação da rola-brava”. E avisa que “será sempre um retrocesso no combate à perda de biodiversidade se antes de conseguirmos reverter o estatuto de ameaça de uma espécie, desistirmos de reduzir a sua mortalidade não-natural, ou para que melhor se entenda, desistirmos de mitigar a mortalidade associada às atividades humanas”.

“Acreditamos que manter-se a moratória por mais alguns anos seria vantajoso não só para a conservação da espécie, como para a própria atividade cinegética, que assim corre mais riscos de voltar a ter uma moratória num futuro próximo”, refere a SPEA.






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