Paulo Rodrigues: “Lixo electrónico na rota dos países em desenvolvimento”
“NAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS tem-se observado um forte incremento na produção de resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos (REEE), resultante do aumento do consumo destes equipamentos pela sociedade. Eles têm-se tornado bens de consumo descartáveis, nomeadamente os equipamentos de informática, vídeo, som, electrodomésticos e telefones. A rápida inovação tecnológica, a redução do tempo de vida útil dos equipamentos, a chamada obsolescência programada e a publicidade a criar novas necessidades, desejos e estilos de vida, influenciando padrões de consumo, concorrem como principais factores explicativos desse forte incremento.
Por outro lado, o processo produtivo destes equipamentos, envolve consumo de energia e recursos naturais não renováveis, contribuindo para a insustentabilidade ambiental, que será mais significativa quanto mais rápido e prematuro for o seu descarte como resíduo.
Os REEE apresentam graves impactos ambientais e na saúde humana, se não forem encaminhados para processos de tratamento e reciclagem adequados e, assim, manipulados por operadores devidamente treinados, protegidos e com formação específica adequada. É precisamente isto que não acontece quando os REEE são enviados para os países em desenvolvimento.
Nestes países, a falta de capacidade tecnológica, Know-how, experiência, formação e conhecimento leva a que estes resíduos sejam manipulados, desmantelados manualmente sem qualquer tipo de protecção individual ao nível das mãos, pés, vias respiratórias. Os REEE são depositados ou queimados a céu aberto, com consequências ambientais a nível das emissões gasosas perigosas, contaminação do solo e dos cursos de água.
Aqui levantam-se questões éticas pertinentes. Será eticamente aceitável que os países desenvolvidos enviem o seu lixo electrónico para países em desenvolvimento, muitas vezes encoberto como ajuda humanitária quando, na realidade, grande parte destes EEE já não têm possibilidade de ser reutilizados? Será eticamente correcto, enviar os REEE para os países em desenvolvimento, sabendo, a priori, o destino e utilização que vão ter e sabendo que estaremos a colocar em risco a saúde dessas pessoas e a contribuir para a contaminação ambiental local? Não estarão os países desenvolvidos a descartar-se não só do seu lixo electrónico, mas também das suas responsabilidades e princípios éticos? E para que servem a legislação e os acordos internacionais que regulamentam os fluxos de REEE se estes não forem cumpridos?
Paulo Rodrigues (paulo.vrodrigues@sapo.pt) é leitor do Green Savers e abordou o tema do lixo electrónico no seu curso de doutoramento em Ecologia Humana, na Universidade Nova de Lisboa. Quer publicar o seu artigo no nosso agregador? Envie-nos o seu texto para info@greensavers.sapo.pt ou cmartinho@gci.pt. Estamos à procura da sua inspiração ou desabafo.