Resíduos na UE: metas ambiciosas, financiamento incerto

Por Paulo Praça, Presidente da Direção da ESGRA
A UE impõe metas exigentes para a redução de resíduos em aterro, mas limita o financiamento
para soluções essenciais. Como países como Portugal poderão cumprir os objetivos sem
apoio europeu?
No atual quadro regulamentar da União Europeia (UE), no âmbito do qual a Comissão Europeia traçou metas ambientais obrigatórias muito exigentes para a prestação do serviço público de gestão e tratamento de resíduos urbanos, foi tomada a decisão de não apoiar financeiramente instalações de tratamento da fração residual (de resíduos) e aprovado um novo enquadramento financeiro destinado a promover o investimento sustentável, conhecido por Regulamento da “Taxonomia da UE” – Regulamento n.º 2020/852, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2020 – estabelecendo critérios para classificar a sustentabilidade ambiental das atividades económicas, e nessa medida qualificar o investimento financeiro nas atividades em causa.
No que respeita às metas ambientais para o setor dos resíduos urbanos, destaca-se a meta mais difícil de alcançar para Portugal: reduzir a deposição em aterro até 10% do total dos resíduos urbanos produzidos, até 2035! Esta meta é particularmente difícil de alcançar para países, como Portugal, que ainda dependem muitíssimo dos aterros para encaminharem os resíduos que produzem, e onde, também, não existe capacidade suficiente de tratamento em níveis mais elevados da hierarquia de resíduos.
Compreendendo-se e estando absolutamente alinhados com a exigência e urgência dos objetivos ambientais traçados pela Comissão Europeia e assumidos por todos os Estados-Membros, cientes da responsabilidade e do papel da União Europeia no combate às alterações climáticas, não se compreende a racionalidade de vedar o acesso ao financiamento de soluções tecnológicas que são rigorosamente controladas do ponto de vista de desempenho ambiental e absolutamente necessárias para cumprir as metas que a mesma Comissão Europeia definiu.
Esta consequência é mais surpreendente e incoerente para os casos mais extremos de países onde o aterro ainda é a solução dominante e não existe capacidade de valorização energética suficiente para dar resposta à redução necessária da deposição em aterro, como é o caso de Portugal que em 2023 depositou em aterro mais de metade dos resíduos que produziu, mais concretamente, 57%, tendência constante há muitos anos. Discordando-se ou não da posição da Comissão Europeia, e ainda que nos pareça absolutamente contraditório que tenha criado um sistema que dificulta o cumprimento das metas que a mesma Comissão fixou, o certo é que as metas são obrigatórias e o seu incumprimento tem pesadas consequências.
O que significa que cabe a cada um dos Estados-Membros, aos seus Governos e Municípios, a responsabilidade de encontrar financiamento nacional para resolver os seus problemas para atingir as metas em matéria de resíduos e alinhar o desempenho de Portugal com os Estados mais cumpridores, não sendo naturalmente uma coincidência que os países da Europa que apresentam taxas mais elevadas de reciclagem e mais baixas de deposição em aterro são precisamente os mesmos com maior capacidade de valorização energética de resíduos.
Dado o atual contexto geopolítico internacional e o novo ciclo de mandatos na UE, existem ajustamentos que irão ser feitos, e prevendo-se alterações ao Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), exortamos os governantes e as autoridades públicas a defenderem os interesses nacionais na prossecução das metas ambientais, requerendo a realização de ajustamentos técnicos, de modo a assegurar que não se perdem de vista os princípios que o motivaram e que nos movem como europeus.