Turbinas eólicas podem impedir morcegos de alcançar locais com água
A transição energética é um dos grandes desígnios da História moderna humana. Pôr um ponto final no capítulo dos combustíveis fósseis é indispensável para proteger o planeta e toda a vida que ele contém, incluindo nós, humanos.
Dominar e aproveitar a energia do Sol, das marés, do centro da Terra e do vento são algumas das alternativas que prometem assegurar um futuro sustentável da nossa espécie, e, consequentemente, o futuro de todas as outras.
No entanto, a corrida da transição energética tem levantado algumas preocupações sobre os impactos que essas alternativas podem ter sobre o ambiente e a biodiversidade. É preciso garantir que não se está a trocar um mal por outro.
No caso das eólicas, algumas vozes já alertaram para a possibilidade de as turbinas poderem afetar as trajetórias de voo das aves, especialmente das migradoras, obrigando-as a tomarem rotas mais longas e a enfrentar os riscos associados a um maior dispêndio de energia inesperado. Esse é um problema tanto em terra como no mar.
Mas outros animais alados podem ver-se a braços com problemas semelhantes: os morcegos.
Esses mamíferos voadores, do grupo dos quirópteros, dependem, por exemplo, de lagos ou charcos, tal como muitos outros animais, para poderem matar a sede durante as suas viagens, algo que se torna especialmente importante tendo em conta o aumento imparável da temperatura um pouco por todo o mundo. Contudo, se nas imediações dessas massas de água houver turbinas eólicas, os morcegos tenderão a evitá-las, vendo-se obrigados a percorrer vários quilómetros até encontrarem locais alternativos desimpedidos.
Esse é o alerta que nos é feito por três investigadores do Instituto Leibniz para a Investigação Zoológica e de Vida Selvagem (Alemanha), num artigo publicado este mês na ‘Biological Conservation’.
Ao analisarem as interações entre turbinas eólicas e morcegos em paisagem agrícolas na região alemã de Brandeburgo, através da captação das vocalizações destes animais, concluem que os equipamentos instalados nas proximidades de massas de água provocam o afastamento dos morcegos desses locais, um efeito, na prática, de perda de habitat.
O estudo abrangeu três tipos de morcegos: os que caçam acima da copa das árvores ou sobre campos abertos, os que caçam abaixo delas em áreas de vegetação mais densa e os que o fazem em zonas de transição, como nos limites de florestas. Os resultados mostram que os dois primeiros grupos “evitam massas de água quando as turbinas eólicas estão colocadas perto delas”, explica Christian Voigt, um dos autores do artigo. Somente os morcegos do terceiro grupo parecem não se importar muito com a presença das turbinas.
Os investigadores estimam que a proximidade das turbinas às massas de água pode reduzir em 53% a presença dos morcegos de espécies que caça em campos abertos. Essa percentagem sobe para 63% relativamente aos morcegos que tendem a caçar em áreas de vegetação mais densa.
Além da presença, foi também avaliada a atividade de caça, e percebeu-se que, quando as turbinas estavam a cinco quilómetros ou menos de uma massa de água, verificava-se uma redução entre 76% e 87%. Quer isto dizer que as turbinas eólicas não apenas dificultam o acesso dos morcegos às massas de água como podem também afetar a sua capacidade de alimentação.
Para Voigt, estes resultados mostram “o efeito colateral lamentável” de uma solução que tem como objetivo mitigar os efeitos das alterações climáticas, mas que pode acabar por agravá-lo, especialmente no que diz respeito aos morcegos. Se não conseguem chegar a massas de água, terão muito mais dificuldade em lidar com o calor, sobretudo nos meses mais quentes do ano.
“Este facto sublinha, mais uma vez, a importância de se considerar cuidadosamente a localização das turbinas eólicas, de modo a não pôr em confronto diferentes objetivos”, salienta em nota. “Habitats que são muito importantes para a conservação de espécies não devem ser prioritárias ou devem ser totalmente excluídas como locais para produção de energia eólica.”