Efeito ‘dominó’: Degelo de uma plataforma de gelo na Antártida pode afetar todas as outras
Uma equipa internacional de cientistas descobriu que um sistema de correntes oceânicas está a influenciar o degelo na Antártida, especialmente da plataforma de gelo associada ao glaciar Thwaites, que nas últimas duas décadas tem perdido massa rapidamente e que, de entre os glaciares do polo Sul, é um dos que mais contribui, globalmente, para a subida do nível da água do mar, dado que os seus mais de 120 quilómetros de diâmetro fazem dele um dos maiores dessa região.
Através de dados recolhidos por sensores colocados na base da plataforma de gelo de Thwaites, uma das maiores da região ocidental da Antártida e que limita a leste o glaciar com o mesmo nome, os cientistas verificaram que essa massa de gelo tem vindo a derreter de baixo para cima, devido ao aquecimento das águas marinhas mais superficiais que correm na sua base.
Talvez seja importante perceber que, ao passo que os glaciares localizam-se em massas terrestres, as plataformas de gelo estão em permanente contacto com o mar, e atuam como uma espécie de barreira que impede que o gelo dos glaciares acabe no mar e faça subir o nível dos oceanos. As plataformas de gelo, por estarem num estado de permanente transformação entre gelo e água líquida, não têm impactos significativos nesse aumento do nível dos oceanos, mas o mesmo não se pode dizer dos glaciares, cuja massa de gelo pode fazê-los ‘transbordar’.
Através de medições feitas entre janeiro de 2020 e março de 2021, os especialistas perceberam que o aquecimento das águas que correm por debaixo da plataforma de Thwaites, e que está a acelerar o seu degelo, está a ser causado pelo próprio degelo de uma outra plataforma, a de Pine Island, a oriente.
Assim, a água derretida causada pelo degelo de uma das plataformas pode levar ao degelo de uma outra, num efeito de cascata. Como a água derretida tem menos concentração de sais do que a água do mar é mais leve, e por isso fica retida nas camadas mais superficiais da coluna de água e em contacto direto com a base das plataformas de gelo, aquecendo-as e derretendo-as de baixo para cima.
Tiago Dotto, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, é o principal do artigo divulgado esta semana na ‘Nature Communications’ que dá conta da descoberta.
O especialista em ciências oceânicas e atmosféricas explica que, apesar de as correntes antárticas desempenharem um papel importante no degelo da base das plataformas, transportando águas mais quentes de outras partes do planeta, a influência das águas que correm dessas massas geladas para o oceano é um “outro processo que pode afetar a estabilidade das plataformas de gelo, revelando a importância da circulação oceânica local e do gelo marinho”.
Através de dispositivos colocados em focas, a equipa confirmou também que durante o inverno a corrente submarina que passa pela plataforma de Thwaites enfraquece, o que impede que a água derretida e mais quente que vem do degelo de outras plataformas seja transportada para outros lugares, ficando presa debaixo dessa massa de gelo.
“Por isso, o que acontece numa plataforma de gelo pode impactar a plataforma de gelo adjacente, e por aí fora”, salienta Dotto, e acrescenta que “este processo é importante em regiões de grande derretimento de plataformas de gelo”, como é o caso do Mar de Amundsen, onde as plataformas estão muito próximas umas das outras, pelo que o efeito ‘dominó’ será bastante mais significativo.