Até ao final do século, 40% das espécies de vertebrados terrestres podem estar ameaçadas pelo calor extremo
As ondas de calor são um dos efeitos mais evidentes das alterações climáticas. Este verão foi uma prova dolorosa de que a Terra está a aquecer, um processo intensificado pela poluição geradas pelos humanos, reduzindo rios e secando lagos, aumentando o risco de incêndios e afetando a saúde dos ecossistemas e a biodiversidade.
Estima-se que nos meses mais quentes de 2022 terão morrido 15 mil pessoas em todo o mundo devido ao calor extremo, tendo os termómetros registado valores sem precedentes em muitos países. A queda vertiginosa do nível de humidade no ar, a seca dos corpos de água e a escassez de vegetação causaram também a morte de milhares de animais por todo o planeta.
Por exemplo, no final de 2022, o governo do Quénia informou que entre fevereiro e outubro tinham morrido mais de mil animais devido à seca, a pior que os países da África oriental enfrentaram nos últimos 40 anos.
Uma nova investigação científica revela agora um cenário ainda mais preocupante: até 2099, duas em cada cinco espécies (40%) de todos os vertebrados terrestres verão a sua sobrevivência ameaçada pelas ondas de calor.
Gopal Murali, da Ben-Gurion University of the Negev, em Israel, e o principal autor do artigo publicado esta semana na ‘Nature’, detalha que, num cenário em que as emissões de gases com efeito de estufa se mantenham elevadas e façam subir a temperatura média global em 4,4 graus Celsius, essas espécies “vão experienciar eventos térmicos extremos [ondas de calor] com temperaturas que ultrapassarão os seus níveis históricos” em, pelo menos, metade das regiões onde estão presentes.
Além disso, a equipa prevê também que 11% de todas as espécies de vertebrados terrestres deverão estar expostas a ondas de calor durante todo o ano. No entanto, nem tudo está perdido, e se as emissões forem reduzidas drasticamente será possível evitar esse cenário catastrófico.
“Um futuro cenário de emissões reduzidas reduz significativamente a exposição dos animais a eventos térmicos extremos”, acrescenta o especialista, explicando que “apenas 6,1% de todos os vertebrados terrestres” serão afetados pelas ondas de calor, e nenhuma enfrentará esses fenómenos durante todo o ano.
O trabalho abrangeu mais de 33 mil espécies de anfíbios, aves, mamíferos e répteis e baseou as suas previsões em dados sobre a exposição a ondas de calor que essas populações sofreram recentemente.
Shai Meiri, da Universidade de Tel Aviv e outro dos autores, assinala que, de todos os vertebrados ameaçados, os anfíbios e os répteis são os grupos que estão mais vulneráveis ao calor extremo, sugerindo que tal se deve à sua reduzida distribuição, comparada com as restantes espécies de vertebrados. Quanto menor é a área a que uma espécie ou grupo está confinado, menor é a capacidade que têm para se deslocarem para outras regiões para poderem escapar ao calor.
O cientista diz ainda que as previsões mostram as espécies que vivem nas regiões mais secas do planeta, como nos desertos, por exemplo, serão também fortemente afetadas pela vagas de calor, uma vez que esses eventos agravarão as condições ambientais desses locais, tornando ainda mais escassa a vegetação e a água que já não abunda.
É por isso que outro dos cientistas envolvidos na investigação, Takuya Iwamura, da Universidade de Genebra, afirma que os resultados mostram que “cortes substanciais nas emissões de gases com efeito de estufa ainda nos permitem minimizar os efeitos do aquecimento global sobre a sobrevivência das espécies”.
E salienta que cumprir os limites climáticos traçados no Acordo de Paris, para limitar o aquecimento da Terra a 1,5 graus até ao final do século, poderá proteger milhares de espécies de vertebrados da ameaça do calor extremo.
“Temos que de começar a considerar o impactos dos eventos de calor extremo quando tomamos decisões sobre conservação e gestão do território”, argumente Uri Roll, recordando que “a crise da biodiversidade está aí e muitas espécies serão extintas devido às várias ações humanas”, e que se nada for feito para travar a degradação dos sistemas da Terra, as alterações climáticas “serão o último prego no caixão” de inúmeras espécies.
“O tempo para agir é agora”, avisa.