Projeto para Bienal de Arquitetura de Veneza responde a urgência da escassez de água doce
A realidade do território nacional é o ponto de partida do projeto “Fertile Futures”, que vai representar Portugal na Bienal de Veneza de Arquitetura deste ano, e constitui uma resposta à urgência de soluções sustentáveis para um futuro com escassez da água doce.
As equipas envolvidas no projeto escolhido pela Direção-Geral das Artes (DGArtes) para representar Portugal em Veneza a partir de maio já iniciaram o trabalho, disse a curadora Andreia Garcia, fundadora do ateliê Architectural Affairs, no Porto, em entrevista à agência Lusa.
“A escassez de água doce é um problema global com manifestações dramáticas no território português. Repercute-se no alargamento dos períodos de seca extrema e aumento do calor, agravamento de aridez dos solos, risco de incêndio, e, ao mesmo tempo, cheias e inundações que vivemos recentemente”, alertou a arquiteta sobre a motivação do projeto que será lançado no fim de semana, em Lisboa.
Na capital terá início um ciclo de “Assembleias de Pensamento” que vai reunir consultores e especialistas envolvidos no tema em discussão nos laboratórios do projeto, e que prosseguirão por Veneza (maio), Braga (junho), Faro (setembro) e Porto Santo, na Madeira (outubro), até ao encerramento da Bienal de Veneza de Arquitetura, em novembro.
O projeto português “aborda este elemento vital [água doce] às espécies humana e não humana, e é simultaneamente uma questão política e económica, emocional e metafórica”, apontou a docente na Universidade da Beira Interior, cujo trabalho curatorial já passou, entre outras iniciativas, pela Bienal de Arte Contemporânea da Maia (2019) e a Bienal de Conhecimento Art(e)facts, no Fundão, distrito de Castelo Branco.
“A nossa proposta para Veneza é muito sobre o encontro e sobre a produção de conhecimento nesse encontro, a pensar nas novas gerações, que serão os responsáveis pelo futuro sustentável”, sintetizou, sobre a essência de “Fertile Futures”, que “articula projeto, pensamento e pedagogia”.
Andreia Garcia considera “urgente a discussão pública sobre a proteção, gestão e futuro deste recurso natural”, sobretudo pelos problemas vividos em várias regiões do território nacional, a partir dos quais o projeto selecionou sete casos reais.
Nesta abordagem encontra-se o “contributo da arquitetura no desenho ou redesenho de uma ideia de futuro mais descarbonizada, descolonizada e colaborativa” com outras disciplinas, com o objetivo de encontrar soluções sustentáveis para os reservatórios de água doce do futuro.
Para cada uma das equipas das sete hidrogeografias foi convidado um ateliê de arquitetura e um especialista de outra área disciplinar: a Bacia do Tâmega, (equipa atelier Space Transcribers e o geógrafo Álvaro Domingues), o Douro Internacional (arquiteta Dulcineia Santos e o engenheiro civil João Pedro Matos Fernandes), o Médio Tejo (arquiteta Guida Marques e a engenheira do Ambiente Érica Castanheira), a Albufeira do Alqueva (atelier Pedrez Studio e a arquiteta paisagista Aurora Carapinha), o Rio Mira (Corpo Atelier e a antropóloga Eglantina Monteiro), a lagoa das Sete Cidades, na Ilha de São Miguel, Açores (Ilhéu Atelier de arquitetura e o geógrafo João Mora Porteiro), e as Ribeiras Madeirenses (Ponto Atelier e Ana Salgueiro Rodrigues).
Na seleção dos consultores nacionais e estrangeiros pesou “a experiência em cenários de escassez”, e as equipas foram compostas por arquitetos e especialistas de outras áreas, nomeadamente geógrafos, antropólogos, artistas, ativistas do ambiente e engenheiros, que irão discutir e avançar “soluções especulativas” para as sete regiões do país com problemas de recursos hídricos.
Quanto ao grupo de consultores portugueses e estrangeiros é composto ainda pelo curador e historiador Andrés Lepik, o engenheiro do ambiente Francisco Ferreira, presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, a arquiteta e escritora Margarida Waco, as arquitetas Ana Tostões, Marina Otero e Patti Anahory, os arquitetos Pedro Gadanho, ex-diretor do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, Luca Astorri e Pedro Ignacio Alonso.
Com o envolvimento de todos estes especialistas numa fórmula não hierarquizada, o projeto irá discutir e propor estratégias para a gestão, reserva e transformação deste recurso precioso e finito que é a água doce.
“Fertile Futures” vai “articular-se entre o pensamento, o projeto e a pedagogia, definindo uma tríade metodológica que se materializa num programa de ação de três momentos”, descreveu a arquiteta à Lusa sobre este trabalho que tem como curadores adjuntos Ana Neiva e Diogo Aguiar, e comissariado da DGArtes.
O primeiro momento serão as oficinas de forma laboratorial, que irão responder “à provocação e ao pedido” da curadora da Bienal de Veneza de Arquitetura deste ano, Lesley Lokko, “de trabalhar de forma contínua e aberta, convocando diálogos intergeracionais, interdisciplinares e internacionais”.
Será o trabalho desenvolvido nestas oficinas de projeto que representará a diversidade e o conhecimento das sete hidrogeografias a exibir no Palácio Franchetti, em Veneza, espaço expositivo da representação oficial portuguesa.
“Não teremos arquitetos a conversar com arquitetos, mas a conversar com outras áreas disciplinares”, vincou a curadora à Lusa, acrescentando que o projeto aposta “na produção de novos conteúdos que pensam num futuro fértil mais sustentável e equitativo, numa lógica global, participada, colaborativa e descolonizada”, apresentando uma “ideia muito alternativa” à habitual “exposição de obras selecionadas” na Bienal de Veneza.
Paralelamente a essa exposição, “que parte de um gesto que evoca uma dimensão simbólica, e metafórica, numa experiencia imersiva e emocional”, haverá as “Assembleias de Pensamento”, a primeira delas a começar no fim de semana, na sede da Trienal de Arquitetura de Lisboa, reunindo os consultores e especialistas que alimentam o tema de discussão nos laboratórios.
Através destes encontros, a curadora pretende “ampliar a mediação e sensibilização em espaços abertos ao público, presenciais e virtuais”, enquanto o terceiro momento se materializa num seminário internacional de verão, no Fundão, em julho, durante duas semanas, com a participação de jovens estudantes de arquitetura de todo o mundo, e a tutoria dos arquitetos que fazem parte das sete equipas a trabalhar nos laboratórios.
O Fundão “é um dos municípios da lista das oito cidades portugueses incluídas na missão da União Europeia para a adaptação as alterações climáticas, uma região que tem sido profundamente afetada por incêndios, agricultura intensiva, desertificação e escassez de água”, salientou a arquiteta que recebeu em 2020 uma menção honrosa do prémio Hauser Awards, na Alemanha.
“É uma proposta curatorial que se faz com cânones nada clássicos e portanto há aqui um discurso muito metafórico e muito emocional, mas ao mesmo tempo, muito político, e isto requer um sentido de responsabilidade muito grande”, resume Andreia Garcia, mostrando-se “muito feliz com o desafio” de representar Portugal na Bienal de Veneza.
Com pré-abertura a 18 e 19 de maio, a 18.ª Exposição Internacional de Arquitectura – Bienal de Veneza tem como título e tema “O Laboratório do Futuro”, e vai decorrer de 20 de maio a 26 de novembro deste ano.