Este verão há menos gelatinosos nas águas portuguesas



Em entrevista à Green Savers, Antonina dos Santos, Coordenadora do Projeto GelAvista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, um programa de ciência cidadã responsável pela monitorização dos organismos gelatinosos em toda a costa portuguesa, Açores e Madeira, explica quais as espécies mais perigosas e o que fazer caso seja picado por uma delas.

      A presença de espécies gelatinosos nas praias podem ocorrer durante todo o ano, contudo agora na época balnear quais as mais comuns?

Depende do local do país. A caravela-portuguesa (Physalia physalis) ocorre durante todo o ano e em todo o país. Por isso, também poderá ser avistada nos meses de verão, especialmente nos Açores e Madeira. Neste período é comum o avistamento da medusa-do-tejo (Catostylus tagi) nos estuários do Tejo, Sado e Guadiana e, ria de Aveiro e, nas praias e zonas costeiras vizinhas a estes locais. Nos meses de verão, há também grande probabilidade de encontrar a medusa-tambor (Rhizostoma luteum) e, ocasionalmente, a medusa-compasso (Chrysaora hysoscella) na região do Algarve. Este ano os avistamentos destas duas espécies têm sido raros. Por seu lado, a água-viva (Pelagia noctiluca) ocorre com frequência nos Açores e Madeira durante o verão e, este ano não é exceção. A veleiro (Velella velella) também poderá ser encontrada ocasionalmente, durante o verão, em todo o país.

Este verão está mais calmo?

Sim, temos tido um verão calmo em ocorrências de gelatinosos, comparativamente a outros anos, como no ano passado em que tivemos muitas ocorrências de arrojamentos da medusa-tambor.

     Quais as mais perigosas nas águas portuguesas?

As espécies de gelatinosos com maior grau de perigo em Portugal são, sem dúvida, a caravela-portuguesa, a água-viva e a medusa-compasso, por esta ordem.

Caso um banhista se cruze com uma destas espécies o que deve fazer?

A informação sobre o que se deve fazer no contacto com estas espécies está descrita no site GelAvista, aqui: https://gelavista.ipma.pt/cuidados/ e também a divulgamos, com frequência, nas nossas redes sociais. Basicamente, o que recomendamos é que não toque nos organismos gelatinosos que se encontram arrojados, especialmente no caso de não saber distinguir as espécies. Também se deve assinalar o local para que outros veraneantes sejam alertados. No caso de se tratar de uma caravela-portuguesa e de ser necessário, recomendamos que se remova o organismo para o lixo orgânico, o que deve ser feito com cuidado, sem tocar diretamente no exemplar.

     Qual é a causa de haver tantos arrojamentos

      Os arrojamentos na costa e nas praias são devidos principalmente, às correntes marinhas e ao vento. Todos os gelatinosos apresentam uma capacidade de natação reduzida, sendo incapazes de fazer face às correntes e ao vento, sendo arrastados de encontro à costa. O aumento do número de arrojamentos está diretamente relacionado com o aumento das populações das espécies gelatinosas que, por sua vez, está relacionado com as alterações das condições ambientais, como por exemplo, aumento da temperatura da água do mar, intensidade dos ventos e das correntes marinhas, entre outros.

      E se for picado?

É importante saber a espécie em que tocou. Porque o modo de atenuar o efeito do veneno é distinto, consoante se tratar da caravela-portuguesa ou de uma medusa. No entanto, em ambos os casos, recomendamos que se lave a zona afetada somente com água do mar e que se retire possíveis vestígios do organismo gelatinoso que se possam encontrar na pele, sem esfregar, para evitar injetar mais veneno inadvertidamente. Depois, no caso de se tratar da caravela-portuguesa, recomendamos que se coloque uma compressa quente e, no caso de uma medusa, se coloque uma compressa fria, na zona afetada.

       Qual a diferença entre medusa e alforreca?

A palavra medusa designa uma fase do ciclo de vida dos cifozoários e corresponde ao animal que apresenta uma campânula e, na parte ventral, pendurada para baixo a partir do centro, está uma estrutura semelhante a um pedúnculo, com a boca na ponta e que se encontra rodeada de tentáculos, chamados os braços orais. Como é uma apresentação muito característica de muitas espécies de gelatinosos, também é o nome comum para todas as espécies de cifozoários que se veem a olho nu. A palavra alforreca designa o nome comum da medusa-do-tejo e da medusa-tambor e também, de outros cifozoários que ocorrem no continente português, como a medusa-compasso.

Já há espécies invasoras? Se sim, quais e de que países provêm?

Uma espécie invasora é aquela que, além de ser não-nativa de um determinado ecossistema, também é uma espécie cuja introdução causa ou, é suscetível de causar, danos ambientais, económicos ou danos à saúde humana. Neste contexto, não temos registo de espécies de gelatinosos invasoras em Portugal.

      O GelAvista é um programa de ciência cidadã responsável pela monitorização dos organismos gelatinosos em toda a costa portuguesa. Qual o balanço?

O balanço é extremamente positivo. Em oito anos de existência, o GelAvista já recebeu mais de 18.700 avistamentos, de mais de 3.000 cidadãos portugueses e estrangeiros que nos visitam e, com mais de 60 espécies de gelatinosos assinaladas e registadas. Ainda que o tempo disponível para tratar toda essa informação seja pouco, já publicamos sete trabalhos científicos. Também já se realizou uma tese de mestrado, estando outras duas em desenvolvimento. Anualmente realizamos o Encontro GelAvista, aberto ao público e que tem tido sempre a participação de cidadãos interessados em saber o ponto da situação dos gelatinosos em Portugal. Tivemos sempre muito boa receção por parte do público, o que demonstra que as pessoas estão interessadas em saber mais sobre as espécies gelatinosas e sobre os ecossistemas marinhos.

O facto de haver gelatinosos é sinónimo de que a água não está com boa qualidade?

      Não. As espécies gelatinosas ocorrem em todos os ambientes marinhos, desde as zonas costeiras até às zonas mais profundas dos oceanos, incluindo as regiões mais remotas. São espécies muito resistentes, podendo sobreviver em ambientes com pouco oxigénio dissolvido e/ou com pouco alimento. Como têm uma capacidade de natação reduzida são levadas, involuntariamente, pelas correntes e pelos ventos até zonas de retenção, onde habitualmente se concentra lixo. Por isso, podem ser encontradas em locais onde outras espécies podem perecer e, por vezes, junto a zonas de acumulação de lixo.

Algo mais que deseje acrescentar.

Gostaria de acrescentar que o GelAvista não sobrevive sem a colaboração dos cidadãos, aos quais estamos muito gratas e a quem continuamos a solicitar que nos enviem a informação relativa aos seus avistamentos de qualquer organismo gelatinoso. Pedimos que envie a data, hora e local do avistamento, com uma fotografia, para permitir a confirmação da espécie avistada e do número, mais ou menos, dos indivíduos que foram avistados. Adicionalmente, solicitamos que se coloque um objeto de tamanho conhecido junto do animal a fotografar, para podermos obter uma estimativa do seu tamanho. Recebemos esta informação através da App GelAvista, disponível para todos os dispositivos móveis e, pelo email dedicado: plancton@ipma.pt. Também gostaria de acrescentar que, como habitualmente, vamos realizar o 9.º Encontro GelAvista, de 10 e 11 de Outubro próximo, no IPMA-Algés, onde apresentaremos o ponto da situação do GelAvista e teremos, como sempre, convidados especiais que irão apresentar o seu trabalho.





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