Antártida vulnerável a espécies invasoras que apanham boleia em plástico e detritos orgânicos



Os ecossistemas únicos da Antártida podem ser ameaçados pela chegada de espécies marinhas não autóctones e pela poluição marinha proveniente de massas de terra do hemisfério sul, segundo um novo modelo oceanográfico.

Num estudo publicado na revista Global Change Biology, cientistas da UNSW Sydney, da ANU, da Universidade de Otago e da Universidade do Sul da Florida sugerem que os objetos flutuantes podem chegar às águas da Antártida a partir de mais fontes do que se pensava.

“Uma abundância crescente de plásticos e outros detritos de origem humana nos oceanos significa que há potencialmente mais oportunidades para o biota chegar à Antártida”, afirma a autora principal, Hannah Dawson, que completou o estudo como parte do seu doutoramento na UNSW e está agora sediada na Universidade da Tasmânia.

As espécies não nativas – incluindo uma série de pequenos invertebrados marinhos – podem chegar à Antártida apanhando boleia em objetos flutuantes como algas, madeira à deriva, pedra-pomes e plástico.

Anteriormente, os cientistas pensavam que estas espécies apenas vinham à deriva de ilhas remotas e despovoadas do Oceano Antártico.

Contudo, esta nova investigação sugere que podem chegar à costa antártica partir de todos os continentes austrais.

“Sabíamos que as algas podiam chegar à Antártida vindas de ilhas subantárticas, como as ilhas Macquarie e Kerguelen, mas o nosso estudo sugere que os objetos flutuantes podem chegar à Antártida vindos de muito mais a norte, incluindo da América do Sul, Nova Zelândia, Austrália e África do Sul”, afirma Dawson.

O Professor Crid Fraser, da Universidade de Otago, coautor do estudo, afirma que as algas podem causar um duplo golpe no ecossistema marinho da Antártida.

“A alga touro do sul e a alga gigante são muito grandes – frequentemente com mais de 10 m de comprimento – e criam um habitat semelhante a uma floresta para muitos animais pequenos, que podem transportar consigo nas longas viagens de rafting para a Antártida”, sublinha.

“Se colonizarem a Antártida, os ecossistemas marinhos poderão mudar drasticamente”, acrescenta.

Modelação do Oceano Austral

Utilizando dados modelados de correntes de superfície e ondas de 1997 a 2015, a equipa acompanhou o movimento de detritos flutuantes de várias fontes terrestres do Hemisfério Sul em direção à Antártida, fornecendo uma nova e valiosa visão sobre a frequência e as vias de dispersão marinha.

“Conseguimos analisar a frequência destas ligações de rafting através da simulação das vias de dispersão ao longo de 19 anos de diferentes condições oceanográficas”, explica a coautora da ANU, Adele Morrison.

“Descobrimos que os objetos de rafting chegaram à costa antártica em cada um dos anos simulados. Parece haver um bombardeamento constante de tudo o que flutua – sejam algas ou garrafas de plástico”, adianta.

Dawson compara o processo de modelação por computador ao jogo “Poohsticks” do clássico infantil Winnie the Pooh.

“Imagine deixar cair um pau num rio e depois correr rio abaixo para ver onde vai parar – é essencialmente isso que fazemos com a nossa modelação, utilizando correntes oceânicas simuladas, em vez de um rio”.

“Libertámos milhões de partículas virtuais – que representam objetos à deriva – de cada uma das massas de terra de origem e modelámos as suas trajetórias ao longo de 19 anos de correntes oceânicas de superfície e ondas de superfície estimadas. Depois de executarmos as simulações, conseguimos ver onde é que elas iriam provavelmente parar”, explica.

“O tempo mais curto que as partículas demoraram a chegar à costa antártica foi a partir da ilha Macquarie, a sul da Nova Zelândia, tendo algumas delas chegado em pouco menos de 9 meses. Em média, a viagem mais longa foi a dos objetos libertados da América do Sul”, afirma.

Águas mais quentes

A investigação também esclarece quais as regiões da costa antártica que correm maior risco de receber espécies não nativas.

“A maior parte destes objetos de rafting chegam à ponta da Península Antárctica, uma região com temperaturas oceânicas relativamente quentes e frequentemente sem gelo. Estes fatores tornam-na uma zona propícia ao estabelecimento de espécies não nativas”, afirma o Professor Matthew England, da UNSW Scientia, que é também coautor do estudo.

A queda drástica do gelo marinho antártico nos últimos anos torna estas ligações de rafting particularmente preocupantes.

“O gelo marinho é muito abrasivo e, por isso, atua como uma barreira para que muitas espécies não nativas se estabeleçam com sucesso na Antártida”, revela Dawson.

“Se o recente declínio do gelo marinho antártico continuar, os seres vivos que flutuam à superfície, ou que se prendem a objetos flutuantes, poderão ter mais facilidade em colonizar o continente, o que poderá ter grandes impactos nos ecossistemas”, conclui.





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