Estrume pode ajudar a melhorar os mapas globais da distribuição dos herbívoros
Os investigadores utilizaram registos de estrume para criar mapas de alta resolução da distribuição dos herbívoros em todo o mundo. O seu novo estudo, recentemente publicado na revista Nature Food, revela uma forte relação positiva entre a presença de estrume e a pressão de pastoreio, o que significa que a quantidade de estrume encontrada num determinado local pode ajudar-nos a compreender aproximadamente quantos herbívoros aí vivem.
Muitas pessoas consideram o estrume simplesmente como o excremento deixado por cavalos e vacas em espetáculos no campo, ou como algo a evitar quando se visita a quinta dos primos. Mas este é, de facto, um recurso importante para milhões de pessoas em todo o mundo.
O estrume também funciona como uma pegada biológica. Pode dizer-nos muito sobre o nosso ambiente, por exemplo, que animais estão a pastar onde, e o que isso pode significar para a saúde ambiental.
Agora, cientistas da Austrália, Espanha, China e Arábia Saudita, liderados pelo Professor David Eldridge da UNSW Sydney, produziram a primeira avaliação global do estrume produzido pelo gado e pelos animais de pastagem nativos nas terras secas – ambientes áridos e semi-áridos que ocupam cerca de 40% da área terrestre do mundo.
A investigação revelou pontos críticos de produção de estrume, mas também sublinhou que, em termos gerais, o gado e os herbívoros selvagens – animais como cavalos, vacas e cangurus que só comem vegetação – não ocupam os mesmos espaços na Terra.
“Compreender a distribuição dos herbívoros é importante por várias razões”, afirma o professor “Ajuda-nos a melhorar a nossa compreensão da indústria do pastoreio, como a propagação de doenças bovinas. Se tivermos uma melhor compreensão de onde estão os animais, teremos uma melhor compreensão de onde podemos precisar de direcionar determinadas práticas de gestão da terra”, acrescenta.
Estimativa da densidade do efetivo pecuário
As avaliações atuais da densidade pecuária baseiam-se em estimativas aproximadas de variáveis ambientais, tais como a precipitação média anual, a temperatura e algumas variáveis do solo. Estas variáveis ambientais são indicadores gerais de habitats que são suscetíveis de serem ocupados por herbívoros, porque os sistemas mais produtivos têm geralmente mais erva e, portanto, suportam mais herbívoros.
As organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), precisam de saber onde se concentra o gado e em que quantidade. Para o efeito, utilizam modelos informáticos relativamente aproximados.
Melhorar os métodos existentes de previsão da distribuição dos herbívoros é fundamental para uma série de indústrias agrícolas. Assim, o professor Eldridge e a sua equipa propuseram-se resolver alguns destes desafios com uma solução algo invulgar.
O estrume – um subproduto da produção de carne, uma fonte de fertilizantes de azoto e fósforo – é utilizado na construção civil e como combustível para cozinhar por milhões de pessoas em todo o mundo. “Medir e cartografar o estrume pode ser um recurso útil para ajudar estas organizações a afinar as previsões grosseiras da distribuição dos animais”, afirma o professor.
Métodos e conclusões
A equipa de investigação reuniu 50 conjuntos de dados globais que incluíam a massa de estrume produzida e medidas da pressão de pastoreio por diferentes herbívoros, incluindo antílopes, ovelhas e cangurus.
A sua análise mostrou que todos estes conjuntos de dados, exceto um, apresentavam fortes relações positivas entre a produção de estrume e a pressão de pastoreio.
“Estes dados mostram uma forte correlação positiva, ou uma relação positiva, entre a quantidade de estrume produzido e a pressão de pastoreio dos animais”, afirma Eldridge, sublinhando que “se soubermos quanto estrume existe, podemos prever onde os animais estão distribuídos.”
A equipa também combinou dados de massa de estrume de gado e de herbívoros selvagens de inquéritos em 760 locais de terras secas em todo o mundo, representando medições independentes de herbivoria, para gerar mapas de alta resolução.
“O que descobrimos de surpreendente é que, quando se modela onde estão os herbívoros nativos e onde está o gado, há alguma sobreposição, mas, em geral, há muitas áreas onde eles não interagem”, diz Eldridge. “Isto pode dever-se à competição direta por recursos ou ao facto de os herbívoros selvagens evitarem potenciais parasitas e doenças transmitidas pelo gado”, explica.
Os investigadores localizaram pontos críticos de produção de estrume na África central, no norte e leste da Austrália, nas pradarias da Eurásia, no centro-leste da Índia e na costa oeste dos Estados Unidos da América. A produção de estrume é menor no centro-norte de África e no centro-oeste da China.
O estrume como ferramenta científica
A avaliação global da distribuição do gado é extremamente importante para o planeamento do uso da terra, para estimar as emissões brutas de metano, prever a produção global de carne ou prever onde o gado pode estar em risco de pragas e doenças como a brucelose.
Também melhora a capacidade das organizações para preverem as tendências da produção alimentar global e os impactos da seca e das catástrofes naturais na segurança alimentar.
A contagem de estrume pode muitas vezes ser mais fácil e mais eficiente do que a contagem de animais, explica o professor.
Eldridge sublinha que, “por exemplo, um artigo mostra como a contagem de estrume nos dá frequentemente uma melhor estimativa das densidades de elefantes do que os levantamentos aéreos dos próprios animais”. As contagens de estrume “são também formas eficientes de estudar a preferência de habitat de herbívoros esquivos que são difíceis de detetar ou que ocorrem em números muito baixos”, afirma.
Mas o estrume também pode ajudar os investigadores a uma escala mais local. “Conhecer a localização do estrume em diferentes cercados pode informar-nos sobre as preferências de habitat dos diferentes herbívoros e a forma como interagem. Isto pode fornecer aos agricultores melhores informações sobre a localização de vedações, pontos de água e outras infra-estruturas para melhorar a produção animal”, revela.
Eldridge explica que as avaliações do estrume não são isentas de complexidades. “Muitos agricultores na Ásia e em África recolhem o estrume, reduzindo o potencial de avaliação no terreno e, por conseguinte, subestimando potencialmente a quantidade de estrume produzido pelos animais”, aponta.
Alguns animais, como os veados, enterram o seu estrume e, em muitos países tropicais, os escaravelhos do estrume e as térmitas decompõem esse estrume em apenas alguns dias, tornando as avaliações regionais mais difíceis.
“Estas e outras questões dificultam a realização de avaliações robustas das densidades animais”, diz Eldridge. “No entanto, mesmo quando contabilizámos as áreas onde as pessoas recolhiam estrume, continuaram a existir fortes relações com a pressão de pastoreio”, acrescenta.
Apesar dos desafios, esta investigação fornece, pela primeira vez no mundo, um mapa global abrangente do estrume do gado e dos herbívoros selvagens nas terras secas e abre caminho para que as organizações incorporem dados sobre o estrume nos mapas e modelos de gado.