A sustentabilidade é uma agenda colaborativa



Nada como a educação para mobilizar a sociedade em torno de temas como ambiente, inclusão e sustentabilidade. Só quando todos passarmos a falar esta “língua” solidária será possível criar o movimento de que necessitamos para regenerar o nosso estilo de vida e apaziguarmos o planeta. Este é o credo da bióloga, ecologista e ambientalista Helena Freitas.

Tem dedicado a vida à conservação da biodiversidade. Fá-lo com espírito de missão, porque acredita ser esta a grande causa do momento. Professora de Biodiversidade e Ecologia no Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra desde 2003, Helena Freitas viu o seu empenho reconhecido pela UNESCO em 2014, quando foi convidada para Chair em Biodiversidade e Segurança do Desenvolvimento Sustentável. Apaixonada pelo planeta, defende-o com garra quando aponta o dedo às autoridades para criticar o imobilismo, argumentando que “não podemos continuar na ilusão de que é possível construir a economia do futuro com premissas do passado”. A também diretora do Parque de Serralves acredita que a “equidade faz parte da agenda da sustentabilidade” e é sob essa bandeira que tem feito as suas intervenções públicas de sensibilização para a causa ambiental.

Aqui fica a conversa que Cláudio Almeida, Communication Manager para as marcas da VINCI Energies dedicadas à transição energética em Portugal, teve com Helena Freitas aquando da sua participação no TEDx Porto “The Unspoken Truth About Climate Change”.
Como é que a educação pode influenciar decisões estratégicas com vista ao equilíbrio ambiental?

Não há dúvida de que este é um dos eixos que é importante encarar de forma muito mais expressiva, desde logo quando na própria academia há uma ausência quase total de oferta de literacia nesta área: clima, ambiente, sustentabilidade. Hoje percebemos que são as dinâmicas interdisciplinares que podem fazer avançar o conhecimento. Se olhar para os currículos das universidades, não há disciplinas, não há conteúdos nestas áreas absolutamente estratégicas.

Tenho acompanhado o tema no domínio dos programas educativos. O Ministério da Educação também está a trabalhar nesta questão da sustentabilidade. E é evidente que precisamos de tornar estes conteúdos mais sedutores para as crianças, os jovens e público em geral. Na dimensão mais global do sistema educativo, estou completamente de acordo de que precisamos de olhar para esses conteúdos e trazer esta literacia de forma bem mais ativa e interdisciplinar.

E como imagina que possa ser a abordagem mais correta a estes temas?

É preciso criar interdisciplinaridade neste domínio, o que significa oferecer ferramentas para perceber para onde podemos crescer, como atuar e ser cidadãos mais participativos no movimento global – porque o movimento global para a sustentabilidade é imparável! Este é o percurso, esta é uma agenda imensurável. Vamos ter de trazer toda a gente para esta agenda.

Há também outra dimensão, outra interface que é muito importante fazer no sistema educativo: a ligação com a ciência. A ciência é determinante para a valorização desta agenda de promoção da literacia para a sustentabilidade, porque permite-nos compreender grande parte dos processos e perceber a urgência de trabalharmos no sentido da regeneração.

A urgência atual…

Exatamente. Nesse sentido, é muito importante começarmos a trazer mais projetos de ciência cidadã, tornar essa agenda mais presente, de forma a que, no espaço educativo, se possa acompanhar os dados que são produzidos, utilizá-los, trabalhá-los e até fazer uma certa apropriação do desenvolvimento científico por parte do sistema educativo e por aqueles que estão a aprender. Isto será uma revolução.

Quando falamos em ser cidadão, falamos de todos os públicos, falamos também de maior cumplicidade intergeracional. É preciso trazer conteúdos que chamem os cidadãos que já não estão na vida ativa, mas que são indispensáveis à mudança.

E buscar um conhecimento que se tem vindo a perder, mas que é essencial para a mudança, não é?

Exatamente. A sustentabilidade tem uma agenda de cumplicidade, de parceria. É uma agenda colaborativa. O movimento de que precisamos compreende esta diversidade que integra, que percebe que não podemos ter uma sociedade desigual, que temos de combater a desigualdade. A equidade também faz parte da agenda da sustentabilidade. Quanto mais inclusivos formos no desenvolvimento da estratégia e na forma como continuadamente trabalhamos em prol da sustentabilidade, mais capazes seremos de fazer a transformação. A agenda de sustentabilidade é uma agenda de bem comum, uma agenda do coletivo, que procura trabalhar em função de uma crescente harmonia entre aquilo que somos capazes de fazer, o progresso e o bem-estar comum. Isto tem que ter escala planetária. Temos de ambicionar a escala planetária! Porque hoje temos ciência, tecnologia, inovação. Temos jovens muito mais atentos, mais abertos, mais cúmplices, capazes de olhar o mundo com ambição.

É essa literacia climática que esperamos que esses jovens implementem nas organizações…

Sem dúvida. Porque a transição climática é tremendamente exigente para as empresas, para a produção de conhecimento, para o investimento público, que deve ser indutor das melhores práticas. Há aqui um processo de tal forma sistémico, que percebemos que nunca estivemos perante um desafio desta dimensão, crítico para o nosso futuro. Quanto mais rapidamente estabilizarmos o sistema climático global, mais capazes seremos de conservar a biodiversidade, a harmonia à escala planetária e de trazer mais pessoas, mais comunidades para construirmos uma sociedade mais justa.

Estamos todos a despertar para a inteligência artificial e a pergunta que se coloca é a seguinte: o que isso nos vai trazer de extraordinário, mas também de disruptivo? Temos de ser cada vez mais capazes de trabalhar em função de uma agenda coletiva, da regeneração planetária, em busca de um mundo mais justo, mais ecológico. Uma nova civilização. A civilização do futuro.

Sobre alterações climáticas ainda existe alguma verdade não dita?

Muito recorrentemente tendemos a evitar o elefante no meio da sala. Sabemos o trabalho científico que temos de fazer. Todos nós. As empresas estão muito à frente e quero registá-lo, porque estão a fazer, em muitos casos, um trabalho muito mais consistente, arrojado, do que os poderes públicos, que são muito mais flutuantes. As empresas têm cada vez mais perceção e estão a ter uma intervenção muito forte e relevante. Precisamos que isso continue a acontecer.

Claro que os poderes e o investimento públicos têm de garantir que vamos na direção certa, para induzir as melhores práticas. Mas não há dúvida de que não podemos continuar na ilusão de que é possível construir esta economia do futuro com as premissas do passado.

É evidente que podemos confiar que a tecnologia, o esforço científico, a capacidade inovadora no curto prazo, nos ajudarão a manter o status quo. Mas há questões que tendemos a evitar e elas têm de começar a ser ditas.

É preciso dizer bem alto que estamos a destruir as florestas tropicais porque mantemos um sistema alimentar perverso e desajustado. É preciso dizer bem alto que, em Portugal, a industrialização da agricultura está a destruir os nossos solos, a contaminar as nossas águas. Há um desajuste total do potencial produtivo da região e, portanto, não faz sentido apostar em estratégias que estão condenadas no curto/médio prazo, que têm encargos futuros brutais para nós, coletivamente. É preciso dizê-lo e trabalhar no sentido de desmontá-lo. Isto também é agenda climática. Porque, em última análise, um terço das emissões de carbono resultam desta mesma agricultura. Não é compatível este desejo de transição climática se não trabalharmos esta questão.

Por outro lado, é preciso manter as florestas tropicais, indispensáveis às funções de descarbonização. Elas servem interesses objetivos, genuínos, de comunidades inteiras que dependem delas.

Sim, não podem ser escudos, simplesmente…

Temos consciência de que os problemas foram, na grande maioria, gerados pelos países do hemisfério norte, que se industrializaram mais depressa e que degradaram mais rapidamente os recursos. Portanto, esses países têm de fazer parte, necessariamente, do processo regenerativo. Temos de contar com eles para ajudarem aos equilíbrios que queremos manter a uma escala planetária. Estas são as questões que tendemos a evitar e a desprezar. Fazemos de conta que não existem. Mas existem e são parte indispensável à mudança.

 

 





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