Astrónomos descobrem um gigante escondido no “nevoeiro” em torno de uma jovem estrela

Os astrónomos detetaram um exoplaneta gigante – entre três a dez vezes o tamanho de Júpiter – escondido no disco rodopiante de gás e poeira que rodeia uma estrela jovem.
Observações anteriores desta estrela, chamada MP Mus, sugeriam que estava sozinha, sem planetas em órbita, rodeada por uma nuvem de gás e poeira sem caraterísticas.
No entanto, um segundo olhar sobre MP Mus, usando uma combinação de resultados do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e da missão Gaia da Agência Espacial Europeia, sugere que a estrela afinal não está sozinha.
A equipa internacional de astrónomos, liderada pela Universidade de Cambridge, detetou um grande gigante gasoso no disco protoplanetário da estrela: a nuvem de gases, poeira e gelo, semelhante a uma panqueca, onde se inicia o processo de formação dos planetas. É a primeira vez que o Gaia deteta um exoplaneta no interior de um disco protoplanetário. Os resultados, publicados na revista Nature Astronomy, sugerem que métodos semelhantes poderão ser úteis na procura de planetas jovens à volta de outras estrelas.
Ao estudar a forma como os planetas se formam nos discos protoplanetários em torno de estrelas jovens, os investigadores podem aprender mais sobre a evolução do nosso próprio Sistema Solar. Através de um processo conhecido como acreção do núcleo, a gravidade faz com que as partículas do disco se colem umas às outras, acabando por formar corpos sólidos maiores, como asteroides ou planetas. À medida que os jovens planetas se formam, começam a abrir espaços no disco, como as ranhuras de um disco de vinil.
No entanto, a observação destes jovens planetas é extremamente difícil, devido à interferência do gás e da poeira no disco. Até à data, só foram feitas três deteções robustas de planetas jovens num disco protoplanetário.
Álvaro Ribas, do Instituto de Astronomia de Cambridge, que liderou a investigação, é especialista no estudo de discos protoplanetários. “Observámos esta estrela pela primeira vez na altura em que aprendemos que a maioria dos discos tem anéis e lacunas, e eu esperava encontrar caraterísticas em torno de MP Mus que pudessem indiciar a presença de um planeta ou planetas,” disse.
Usando o ALMA, Ribas observou o disco protoplanetário em torno de MP Mus (PDS 66) em 2023. Os resultados mostraram uma jovem estrela aparentemente sozinha no Universo. O seu disco circundante não apresentava nenhuma das lacunas onde os planetas se poderiam estar a formar, e era completamente plano e sem caraterísticas.
“As nossas observações anteriores mostraram um disco chato e plano”, diz Ribas. “Mas isto pareceu-nos estranho, uma vez que o disco tem entre sete e dez milhões de anos. Num disco com essa idade, seria de esperar ver alguma evidência de formação de planetas”, acrescenta.
Agora, Ribas e os seus colegas da Alemanha, Chile e França deram outra oportunidade ao MP Mus. Mais uma vez usando o ALMA, observaram a estrela na gama dos 3mm, um comprimento de onda maior do que o das observações anteriores, permitindo-lhes sondar mais profundamente o disco.
As novas observações revelaram uma cavidade perto da estrela e duas lacunas mais afastadas, que estavam obscurecidas nas observações anteriores, sugerindo que MP Mus pode afinal não estar sozinho.
Ao mesmo tempo, Miguel Vioque, um investigador do Observatório Europeu do Sul, estava a descobrir outra peça do puzzle. Usando dados do Gaia, descobriu que MP Mus estava a “oscilar”.
“A minha primeira reação foi que devia ter cometido um erro nos meus cálculos, porque MP Mus era conhecido por ter um disco sem caraterísticas”, diz Vioque. “Estava a rever os meus cálculos quando vi o Álvaro dar uma palestra a apresentar resultados preliminares de uma cavidade interior recém-descoberta no disco, o que significava que a oscilação que eu estava a detetar era real e tinha boas hipóteses de ser causada por um planeta em formação”, adianta.
Usando uma combinação das observações do Gaia e do ALMA, juntamente com alguma modelação computacional, os investigadores dizem que a oscilação é provavelmente causada por um gigante gasoso – com menos de dez vezes a massa de Júpiter – que orbita a estrela a uma distância entre uma e três vezes a distância da Terra ao Sol.
“O nosso trabalho de modelação mostrou que se colocarmos um planeta gigante dentro da cavidade recém-descoberta, também podemos explicar o sinal de Gaia”, sublinha Ribas. “E a utilização dos comprimentos de onda mais longos do ALMA permitiu-nos ver estruturas que não conseguíamos ver antes”, revela.
É a primeira vez que um exoplaneta incorporado num disco protoplanetário é descoberto indiretamente desta forma – combinando dados precisos sobre o movimento das estrelas do Gaia com observações profundas do disco. Significa também que podem existir muitos mais planetas escondidos noutros discos, à espera de serem encontrados.
“Pensamos que esta pode ser uma das razões pelas quais é difícil detetar planetas jovens em discos protoplanetários, porque, neste caso, precisávamos dos dados do ALMA e do Gaia em conjunto”, afirma Ribas. “O comprimento de onda mais longo do ALMA é incrivelmente útil, mas para observar neste comprimento de onda é necessário mais tempo no telescópio”, diz ainda.
Ribas diz que as próximas atualizações do ALMA, bem como os futuros telescópios, como a próxima geração do Very Large Array (ngVLA), podem ser utilizados para analisar mais profundamente um maior número de discos e compreender melhor a população oculta de planetas jovens, o que, por sua vez, nos poderá ajudar a aprender como o nosso próprio planeta se poderá ter formado.
A investigação foi apoiada em parte pelo Programa Horizonte da União Europeia, pelo Conselho Europeu de Investigação e pelo Conselho de Instalações Científicas e Tecnológicas do Reino Unido (STFC), parte do UK Research and Innovation (UKRI).