Como fazer uma transição energética justa para as pessoas e o planeta?



A Europa tem demonstrado um forte compromisso com a transição energética. Tem investido massivamente nas energias solar e eólica e noutras fontes renováveis, e muitos países europeus assumiram metas ambiciosas para aumentar a percentagem de energia renovável no seu mix energético.

Portugal é um dos países que segue na dianteira dessa transformação, com uma grande parte da eletricidade consumida no país a ser gerada a partir de fontes renováveis, como hídrica, eólica e solar. Em 2020, atingiu cerca de 60% de eletricidade proveniente de fontes renováveis, maioritariamente suportada por energia hídrica. Alinhado com as metas europeias, também se comprometeu a reduzir significativamente as suas emissões, tendo encerrado as centrais a carvão em finais de 2021, dois anos antes do que estava inicialmente previsto. E, recentemente, o Governo reviu o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030), agora em consulta pública, e que tem metas mais ambiciosas para a redução de emissões de gases com efeito de estufa e para o aumento da quota de energias renováveis, traçando uma trajetória para alcançar a neutralidade climática em 2045. Estará, assim, Portugal no bom caminho?

Progressos sólidos na transição energética

Para Luís Manuel Alves, Professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Lusófona nas áreas de ambiente, energia e alterações climáticas, a Europa, incluindo Portugal, “está a fazer progressos sólidos na transição energética, com investimentos significativos em energias renováveis e políticas robustas para redução de emissões”. No entanto, “para garantir que se está no bom caminho, é crucial continuar a investir em infraestruturas, tecnologias de armazenamento de energia intermitente, eficiência energética e redução da dependência de importações de combustíveis fósseis”. A cooperação a nível europeu e o compromisso contínuo de todos os países da região “são fundamentais para alcançar os objetivos ambiciosos de neutralidade carbónica e sustentabilidade energética da UE e dos seus Estados-membros”, destaca.

Mas o académico avisa que “há ainda desafios e áreas que necessitam de maior atenção para garantir que a região singre no bom caminho”. Portugal tem investido em projetos de armazenamento de energia, “mas ainda há um caminho a percorrer para garantir uma rede energética resiliente e eficiente” e, apesar dos avanços em renováveis, “ainda importa uma quantidade significativa de energia, especialmente gás natural”. Além disso, o país tem várias iniciativas em curso para melhorar a eficiência energética nos edifícios e no setor industrial, “mas a implementação total dessas medidas requer tempo e um investimento considerável”, alerta.

Maria Santos, Community Energy & Renewables Campaigner na Friends of the Earth Europe, uma organização não governamental que promove a sensibilização para questões ambientais, também considera que, a nível de ambição, a Europa “está num bom caminho” para se tornar no primeiro continente neutro em carbono até 2050.

No entanto, na prática, “ainda há dúvidas sobre o cumprimento deste objetivo, e, mais importante, o cumprimento do Acordo de Paris. Para garantir o cumprimento do Acordo de Paris, a Europa deverá ter um sistema de produção de eletricidade com 100% de energias renováveis até 2041”.

Segundo a responsável, atualmente, a diretiva europeia das energias renováveis estabelece um objetivo de incorporação de 42,5% até 2030, o que indica que “ainda há muito caminho a percorrer”. E sublinha que a transição energética é bastante assimétrica entre os países. Por seu lado, Portugal “destaca-se pela positiva, estando na linha da frente na incorporação de renováveis”, mas, ao nível da eficiência energética, especialmente no combate à pobreza energética, “ainda está bastante atrás”, aponta Maria Santos. Este, explica, “é um aspeto crucial que precisa de ser melhorado para assegurar uma transição energética justa e inclusiva”.

A eficiência energética nos edifícios sempre foi o parente pobre da transição energético, porque é muito mais desafiante, porque tenho de envolver as pessoas”, João Pedro Gouveia

Já João Pedro Gouveia, investigador principal do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (Cense), da Universidade Nova de Lisboa, considera que, no que toca à eficiência energética, Portugal não é um bom aluno. Para o investigador, a Europa e Portugal “estão no bom caminho e mesmo na frente” em termos de panorama internacional. Portugal “segue a Europa e as diretrizes. Nalgumas áreas diria que Portugal é muito bom aluno, como a integração das energias renováveis, e noutras nem tanto, como a eficiência energética dos edifícios. Ou seja, somos bons exemplos nalgumas situações e maus exemplos noutras”, afirma.

Entre os bons exemplos estão, seguramente, as renováveis. Nos primeiros sete meses do ano, Portugal ficou na quarta posição de entre os países com maior incorporação de renováveis na Europa, tendo alcançado o valor de 83,8%, o que é visto com bons olhos pelos três interlocutores entrevistados pela Green Savers.

Para Maria Santos, “é, sem dúvida, um bom sinal e cimenta a posição de Portugal” como um dos países que mais aposta neste tipo de energia para a produção de eletricidade.

No entanto, alerta, “ainda há muito a fazer para atingir um sistema elétrico puramente assente em energias renováveis”. Um exemplo concreto, refere, é o facto de ainda dependermos do gás para a produção de eletricidade, e de o Roteiro para a Neutralidade Carbónica indicar que a produção de eletricidade a partir de gás só deverá cessar após 2040. Segundo a especialista, esta meta “pode e deve ser antecipada e revista na nova versão da estratégia de longo prazo”.

O que está a acontecer neste momento, explica, é que vemos um grande número de projetos de autoconsumo coletivo, que algumas empresas chamam de ‘comunidades de energia’, mas isso é manifestamente errado, Maria Santos

Na sua opinião, outro ponto a considerar é a dependência da energia hídrica, que tem sido uma das principais responsáveis pela elevada fatia de energias renováveis. “Num país com um risco de seca tão elevado, situação que poderá ser agravada no futuro devido às alterações climáticas, as energias solar e eólica precisam de crescer ainda mais para responder às eventuais secas, que se estima serem ainda mais graves no futuro”, avisa.

Portugal vai alcançar as metas?

Questionados sobre se conseguirá Portugal alcançar as metas para a transição energética nas datas definidas, as respostas não são categóricas. Para Maria Santos, na versão preliminar do PNEC submetida no ano passado, as medidas anunciadas para cumprimento das metas “não eram concretas e detalhadas o suficiente para assegurar a consistência com os objetivos estabelecidos”, enquanto para Luís Manuel Alves, “embora tanto a Europa quanto Portugal estejam a avançar em direção às suas metas de transição energética, ainda há muitos desafios a serem superados”. Para o Professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Lusófona, a velocidade de implementação e a eficácia das políticas e investimentos nos próximos anos “serão cruciais para determinar se essas metas serão alcançadas nas datas definidas” e a cooperação internacional, a inovação tecnológica e a mobilização de recursos financeiros e sociais serão “essenciais para o sucesso dessa transição”.

Por sua vez, João Pedro Gouveia acredita que Portugal chegará a tempo e horas, mas avisa que a transição energética depende também de como as pessoas reagem e se comprometem. “Portanto, não chega só os políticos definirem números. É preciso que as pessoas estejam envolvidas na transição”, adianta.

Obstáculos à transição energética

O docente da Universidade Lusófona considera que um dos maiores obstáculos a esta transição passa pela falta de conhecimento sobre os seus benefícios, o que “pode limitar a aceitação e o apoio públicos”. Além disso, processos administrativos complexos e demorados para a aprovação de novos projetos de energia renovável “podem desincentivar investimentos”, diz Luís Manuel Alves.

Também Maria Santos considera que em Portugal, e em grande parte do resto da Europa, “ainda existem muitas barreiras regulatórias e administrativas” relacionadas com a rede elétrica, a demora na conexão de projetos, a falta de esquemas de apoio técnico e de financiamento — por exemplo, para apoiar a descentralização energética e intervenções de eficiência energética — e a demora no licenciamento de projetos de energia renovável.

No que diz respeito ao licenciamento, explica que o Simplex Ambiental foi proposto para reduzir a regulação ambiental e permitir uma implantação mais rápida de projetos, mas que as suas consequências ambientais “podem ser desastrosas”, especialmente no impacto na biodiversidade. Portanto, afirma, “é necessário encontrar o equilíbrio certo entre a regulamentação e a desburocratização, de forma a minimizar os impactos e garantir que a cura não seja pior que a doença”. Para a especialista, “há a necessidade de tornar os processos de implementação das energias renováveis mais transparentes e participativos, e garantir que as populações locais tenham algum benefício com estes projetos na sua proximidade, para tentar também minimizar a oposição popular e os processos jurídicos, que são frequentes”.

O investigador João Pedro Gouveia acredita que o financiamento será sempre um obstáculo a transpor. “Acho que isso não há volta a dar. É preciso muito dinheiro para fazer a transição”, afirma, sublinhando que “esse é que é o desafio”, e divide a questão em duas dimensões. A primeira é o financiamento que é preciso para transformar. “Não é transição, é mesmo transformação! Há áreas que vão ter de ser transformadas, e depois, o que incomoda um pouco ver, é que estamos a levar dinheiro para objetivos contrários”, lamenta, dando um exemplo recente: “Ainda há pouco tempo também esteve em consulta pública a expansão de rede de gás, o que para mim é inacreditável. Ou seja, o mesmo governo, o mesmo país – isto é um bocadinho esquizofrenia – que lança um PNEC ambicioso com um roteiro da neutralidade carbónica, que fala da urgência climática, que quer descontinuar lentamente os combustíveis fósseis, em 2024 está a preparar-se para expandir redes de gás. Colocar dinheiro nas empresas de combustíveis fósseis, isso é o contrário”, acusa.

Depois, continua, para há a dimensão do conhecimento. “As pessoas têm de ser mais informadas, têm de saber o que é que podem fazer. Em relação ao financiamento da eficiência energética, têm de saber que existe, como é que podem concorrer, etc. Tem de haver um certo planeamento e conhecimento mais alargado sobre este tema”, defende.

O parente pobre da transição energética

No âmbito do PNEC 2030, estão ainda previstas medidas para combater a pobreza energética e aperfeiçoar os instrumentos de proteção a clientes vulneráveis, mas, neste campo, João Pedro Gouveia não tem dúvidas: “estamos piores do que estávamos há 10 anos”. Segundo o investigador, o último indicador que existia para Portugal e para a Europa relativamente ao desconforto no Verão tinha sido recolhido pelo Eurostat, em Portugal pelo INE, em 2012, e revelava que 32% da população experienciava desconforto nos meses mais quentes do ano. “Eramos o segundo pior país da Europa, atrás da Bulgária. O INE lançou dados sobre isto este ano e revelou que perto de 40% da população portuguesa reportava que estava desconfortável no verão em casa. A mesma coisa no Inverno, esse indicador sai todos os anos e nesse estamos pior do que no ano passado”, afirma.

Além disso, acrescenta, “Portugal é o segundo país com mais casas com problemas de infiltração, bolores e humidades a seguir ao Chipre e nesse indicador também estamos piores do que há dois anos. Portanto, tudo nos demonstra que temos de olhar para os lados e, realmente, atuar politicamente e com medidas concretas para as coisas”.

Para João Pedro Gouveia, isto acontece porque a degradação das casas, entre outros fatores, “é mais acentuada do que a velocidade a que se faz, por exemplo, a renovação dos edifícios, ou melhor, a eficiência energética”. Na sua opinião, “a eficiência energética nos edifícios sempre foi o parente pobre da transição energética”. Porquê? “Porque é muito mais desafiante, porque tenho de envolver as pessoas. Portanto, há este desafio permanente. Percebo a dificuldade dos governos, mas é preciso trazer mais dinheiro para esta discussão. Não chega o dinheiro que se põe, o PRR agora para os edifícios mais sustentáveis, isso é uma fração do dinheiro necessário. Posso-lhe dizer que nós fizemos um estudo há dois anos onde identificámos que eram precisos 72 mil milhões de euros para renovar Portugal inteiro em 30 anos. O PRR para eficiência energética da habitação dá 400 milhões de euros alocados ao longo dos anos. Não é nada”, explica.

Além disso, continua, “temos renovações muito abaixo do que é suposto quando uma estratégia de longo prazo de renovação dos edifícios diz que, virtualmente, todos os edifícios tinham de ser renovados até 2050. Isto é impossível”. Portanto, alerta, “se já estamos hoje a ver que é impossível, a política tem de atuar, tem de fazer mais regulamentos, tem que aumentar a ambição, tem que pôr mais dinheiro, tem que capacitar os agentes. Isto faz-se. Dá muito trabalho? Dá, mas é preciso uma alteração de pensamento sobre isso. Porque não vamos lá com megaprojetos de hidrogénio”.

O papel das comunidades de energia

Um estudo da Universidade de Delft estima que metade dos cidadãos da União Europeia poderão produzir a sua própria eletricidade até 2050 e satisfazer 45% da procura de energia na UE. Atualmente, estima-se que existam cerca de 9.000 comunidades de energia pela Europa e que mais de 1,5 milhões de cidadãos estejam envolvidos na transição energética europeia. Ou seja, explica Maria Santos, “há um potencial muito grande que pode e deve ser aproveitado”.

Segundo a especialista, este potencial “vai além da própria energia renovável e dos benefícios ambientais”. Os benefícios são também económicos e sociais, para as próprias comunidades locais. As comunidades de energia “promovem o desenvolvimento local através da criação de emprego e da geração de investimento que fica no local” e “há também os benefícios sociais, nomeadamente na literacia e educação, onde os membros destas comunidades entendem melhor este recurso e como podem ser mais eficientes na sua utilização – os membros destas iniciativas têm cerca de 17% de redução no consumo de energia”.

As comunidades de energia também foram reconhecidas pelo seu papel no combate à pobreza energética, tanto através do investimento em projetos de renovação como de eficiência energética. “São regidas por um forte sentimento de solidariedade e partilha entre os membros, o que também estimula o sentimento de proximidade entre as pessoas”. Além disso, sublinha, “têm um papel muito importante na aceitação pública das energias renováveis. Ao perceberem que podem beneficiar diretamente destes projetos, a resistência à sua implementação é diminuída”.

Portanto, resume, “quando se trata de comunidades de energia, é preciso entender que é algo que transcende apenas uma dimensão técnica e tecnocrata. O seu verdadeiro potencial transformador advém precisamente destes outros benefícios, que podem ser um caminho para transformar como nos organizamos e relacionamos em torno deste bem comum”.

Para Luís Manuel Alves, as comunidades de energia “têm um papel crucial na transformação do setor energético, oferecendo benefícios ambientais, socioeconómicos e tecnológicos significativos”. O potencial futuro dessas comunidades “é vasto, com a capacidade de promover a sustentabilidade, a resiliência e a inclusão social”. Para maximizar esse potencial, aponta, “é essencial o apoio contínuo por parte de políticas públicas, investimentos em tecnologia e a conscientização e engajamento das comunidades locais”.

Na verdade, ambos concordam que estas comunidades estão aquém do seu potencial. Maria Santos considera que o quadro regulatório das comunidades de energia em Portugal “ainda é bastante incompleto e não está em conformidade com a diretiva europeia” e que esta “continua a ser uma das principais barreiras à implementação de comunidades de energia”. O que as pessoas precisam de compreender, defende, “é que esta diretiva consagra o direito de produzir a sua própria energia e de ser participantes ativos no sistema energético. As comunidades de energia são uma forma de concretizar este direito”.

O que está a acontecer neste momento, explica, é que vemos um grande número de projetos de autoconsumo coletivo, que algumas empresas chamam de ‘comunidades de energia’, “mas isso é manifestamente errado”. Na legislação portuguesa, “há uma grande confusão entre estes dois conceitos, que são diferentes. As comunidades de energia são um conceito organizacional, ou seja, uma forma legal para as pessoas se juntarem e desenvolverem o seu projeto, enquanto o autoconsumo coletivo é uma atividade que pode ou não ser implementada por uma Comunidade de Energia Renovável ou outra entidade, empresa ou pessoa singular. Portanto, ainda é necessário clarificar legalmente estes dois conceitos e alguns elementos da definição de comunidades de energia”.

Benefícios socias ignorados pelas empresas?

João Pedro Gouveia considera mesmo que o potencial destas comunidades, atualmente, “é negligente”. Para o investigador, este campo “basicamente é gerido por empresas na lógica em que a Comissão Europeia em teoria queria, ou seja, promovido pelo cidadão ou bairro. Não é isso que acontece na maioria dos casos. Nós temos uma, que estamos a ajudar a desenvolver, que é a de Telheiras, que é verdadeiramente inclusiva, vai ter famílias em pobreza energética. Foi o bairro que criou a comunidade. Agora, as das grandes empresas está para se provar, na verdade, como é que envolvem realmente as pessoas. Ou seja, é uma empresa que ocupa um telhado e avança”.

Neste sentido, serão os benefícios sociais totalmente ignorados quando se trata de grandes empresas? “Não diria que são totalmente ignorados”, responde João Pedro Gouveia, que pensa que, “em termos de mensagem e de media, fazem grande show off disso, mas é tudo em teoria. Criou-se uma comunidade? Não se criou. Criou-se um papel em como se vai fazer alguma coisa no futuro. O que quero ver é se, daqui a 3 anos, vamos listar essas comunidades criadas e vamos ver, então, quantas pessoas é que realmente estão envolvidas e se as pessoas mais vulneráveis e entidades de apoio social estão, realmente, a ter vantagens com isso. Não me parece, mas vamos ver”.

Para Luís Manuel Alves “é possível argumentar que os benefícios sociais das comunidades energéticas muitas vezes são ignorados quando se trata de empresas, especialmente aquelas focadas em maximizar lucros”, enquanto Maria Santos explica que, primeiro que tudo, “é importante entender que as comunidades de energia são normalmente projetos de pequena escala, onde pessoas, na maioria dos casos voluntários, tentam implementar seus projetos com poucos recursos à disposição”.

As grandes empresas, por outro lado, continua a especialista, possuem conhecimento técnico, recursos financeiros e tempo, partindo com avanço. “Quando vemos a intromissão das grandes empresas apropriando-se do conceito de comunidades de energia, há o risco de canibalizarem os recursos que deveriam ser destinados às iniciativas lideradas por cidadãos, desde o espaço para a implementação de projetos até ao espaço necessário para ligar os projetos à rede”, alerta. “Existem até casos em que empresas se apropriam de apoios financeiros, como aconteceu em Espanha, onde a Repsol recebeu cerca de 30% dos apoios destinados a comunidades de energia, correspondendo a cerca de 25 milhões de euros”, denuncia.

Além disso, alerta ainda, o aproveitamento do conceito de comunidades de energia por parte das empresas como uma estratégia de marketing, “como tem acontecido em Portugal, pode ter a implicação negativa de diluir o próprio conceito de comunidade de energia e causar desconfiança nas pessoas, que ficam com a perceção de que se trata apenas de mais uma forma das empresas ganharem dinheiro”. Isso “prejudica a verdadeira essência das comunidades de energia, cujo propósito é permitir que os cidadãos comuns tenham um papel ativo na produção da sua energia e beneficiem diretamente disso. Esta apropriação por parte das empresas não só compromete a integridade do conceito, mas também desmotiva os cidadãos a se envolverem em iniciativas comunitárias genuínas”, avisa.

Para fazer uma transição energética realmente justa, é necessário adotar políticas e medidas que promovam a inclusão social, o desenvolvimento sustentável e a mitigação das alterações climáticas, Luís Manuel Alves

Quanto a isso, João Pedro Gouveia diz que “não há volta a dar”. Para o investigador, “a empresa é para fazer negócio. Portanto, se fizer negócio e ainda conseguir ajudar as pessoas… muitas pensam assim. Mas a prioridade é fazer negócio. Se não der para ajudar pessoas não ajuda. Não tem de ser inclusiva, não tem de ajudar as pessoas vulneráveis. Claro que algumas empresas têm uma dimensão social um bocadinho mais acentuada que outras. E, portanto, vamos ver. Acho que mesmo a Comissão Europeia, nas diretivas e nas ideias estratégicas, tem um peso muito grande nas comunidades de energia renovável para a transição justa, mas isso está por provar”.

Exemplos de boas práticas na Europa

Então como é que podemos fazer uma transição energética justa para as pessoas e o planeta? Para o investigador principal do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (Cense), da Universidade Nova de Lisboa, “um político devia sempre pensar qual é o impacto positivo e negativo de uma certa medida”. Para João Pedro Gouveia, os decisores “ em geral, só pensam no positivo. E, às vezes, não querem pensar em qual é que é a consequência. Faz-se porque parece bem. Na lógica de uma transição justa é importante aferir cada política que se fizer, haver uma reflexão sobre quais são os impactos negativos que isto pode ter”.

Luís Manuel Alves defende que, para fazer uma transição energética realmente justa, “é necessário adotar políticas e medidas que promovam a inclusão social, o desenvolvimento sustentável e a mitigação das alterações climáticas”. Ao adotar estas medidas e políticas, aponta o académico, “podemos promover uma transição energética justa que beneficie tanto as pessoas quanto o planeta, contribuindo para um mundo mais sustentável e equitativo para as gerações presentes e futuras”.

Já Maria Santos dá exemplos, com base em políticas comprovadas de países de todo o mundo, que os governos podem adotar para tornar as tecnologias limpas mais acessíveis a todas as pessoas, como o movimento das comunidades de energia da Cooperativa Ecopower na cidade de Eeklo, na Bélgica, ou o Fundo de Desenvolvimento, na Holanda, para investimento em projetos de energia renovável, financiado pelo governo e por quatro províncias. Estes exemplos, conclui, “demonstram como políticas bem desenhadas e a participação ativa das comunidades e atores locais podem contribuir para a transição energética e beneficiar diretamente as pessoas”.

 

*Artigo originalmente publicado na edição em papel de setembro

 

 

 

 

 

 

 

 





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