Crise/Energia: Setor das rações alarmado com preços “loucos” de matérias-primas



“Tudo o que é matéria-prima está entre o dobro e triplo de há ano e meio para cá”, alertou Rafael Neves, administrador da Ovopor, empresa dos Milagres, no concelho de Leiria, que se dedica, para além da produção de ovos, ao fabrico de ração, alimentando 600 mil galinhas. Administrador da empresa desde a sua fundação, em 1984, Rafael Neves assiste com alguma incredulidade aos “custos loucos” que se têm registar desde 2021.

Se, no final de 2020, o preço dos cereais, nomeadamente o milho (fundamental para as rações), estava na casa dos 180 euros por tonelada, um ano depois já estava nos “200 e muito, quase 300”, subida explicada pelo aumento de procura com o aliviar das restrições impostas pela pandemia, o incremento dos custos logísticos, a crise energética, questões climáticas que afetaram a produção de cereais na América do Sul e ainda um abastecimento de grandes quantidades de cereais por parte da China na sua senda para ser autossuficiente na produção de carne.

“Com esta guerra louca que vivemos, tivemos um aumento dos 200 e muito para agora estarmos no patamar de 400 e poucos euros a tonelada”, disse à agência Lusa Rafael Neves. Segundo o responsável da Ovopor, o setor das rações em Portugal “tem uma dependência tremenda do milho e do trigo da Ucrânia” e, durante muitos meses do ano, “grande parte do milho” consumido “é milho ucraniano”.

“A partir do dia 24 [de fevereiro], o milho ucraniano acabou e, neste momento, é o recurso total a outras fontes de abastecimento”, frisou. O secretário-geral da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais (IACA), Jaime Piçarra, afirmou que a guerra na Ucrânia apenas veio acentuar “uma crise” que o setor já vivia.

Referiu que, em Portugal, havia uma exposição de entre 30% a 40% aos cereais produzidos na Ucrânia. “Esta era uma altura em que importávamos muito milho da Ucrânia e estaríamos à espera do milho do Brasil, que chega em junho. Somos obrigados – e estamos a fazê-lo – a entrar em contacto com os fornecedores para encontrar alternativas a esse milho e outras matérias-primas”, como a colza ou o girassol.

Face à atual situação, Jaime Piçarra defendeu linhas de crédito à tesouraria com “fundo perdido na totalidade” para ajudar empresas que “estão descapitalizadas” e que de outra forma não podem recorrer à banca.

A solução passa por “não aumentar os custos, mas assegurar ajudas para ser possível travar aumentos aos consumidores, que são inevitáveis, mas que podem ser mitigados”, frisou, realçando que o principal custo de produção de animais centra-se na sua alimentação.

“Como temos matéria-prima como custo principal, isso repercute-se ao longo de toda a cadeia alimentar. Se não tivermos empresas viáveis e com margens capazes para sobreviver, isso será o colapso”, advertiu.

No caso da Avenal, empresa sediada na Aroeira, concelho de Leiria, dedicada a rações de animais de estimação (cães e gatos), o aumento dos custos já se faz sentir no produto final.
Se em janeiro o preço das rações já tinha sido revisto, este mês voltou a sofrer um aumento na ordem dos 20%, contou à agência Lusa o administrador da empresa, Ulisses Mota.

Estimando faturar 30 milhões de euros este ano, a empresa, que tem crescido “na ordem dos dois dígitos” todos os anos, tem vindo a registar uma margem cada vez menor face ao aumento dos custos.

A crise energética fez aumentar os preços do gás (fundamental nesta empresa para secar as rações), com a fatura a subir “cinco vezes”, e as matérias-primas estão também mais onerosas, notou.

“Agora, agravou-se com a crise na Ucrânia. Está a ser terrível. Durante anos, as rações até baixavam de preço e agora inverteu completamente”, frisou Ulisses Mota, referindo que se registam dificuldades até a assegurar a disponibilidade total das matérias-primas necessárias.

Face à atual situação, a empresa tem dificuldade “a planear à semana”, quanto mais ao mês, constatou o responsável. Ulisses Mota referiu também que chega a haver dias em que “o stock fica a zero e tem que se esperar que chegue o camião” para a produção não parar.

Sobre o futuro, Rafael Neves, da Ovopor, recordou que “o céu é o limite” para a subida de preços, mas admitiu acreditar que já se tenha chegado lá. “Temos a expectativa de pôr um bocadinho o travão nas compras, porque esperamos que se tenha um caminho mais simpático do que aquele que temos hoje, com algum abaixamento dos preços”, disse.





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