“CSI Marfim“: Cientistas criam ferramenta para reforçar combater ao tráfico de marfim de elefantes

O comércio de marfim proveniente das presas de elefantes é, regra geral, proibido a nível global pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES), desde 1989. Há, no entanto, exceções a essa regra, como o comércio de itens de marfim adquiridos antes de esses grandes mamíferos terem passado a ser protegidos ao abrigo do tratado internacional.
Para dar a volta à proibição, o marfim de mamute-lanudo (Mammuthus primigenius), um grande mamífero com presas longas que desapareceu há cerca de quatro mil anos, tem sido frequentemente usado como substituto do marfim de espécies modernas de elefantes. Por ser uma espécie extinta, os mamutes-lanudos não estão abrangidos pela CITES, embora em 2019 Israel, durante a conferência das partes da convenção (COP18), tenha avançado com uma proposta para a inclusão desses mamíferos extintos no Apêndice II. A proposta, no entanto, não foi aprovada, por se considerar, na altura, que não havia evidências de que marfim de elefantes pudesse estar a ser traficado ocultado em carregamentos de marfim de mamutes.
A conversa, agora, é outra. O marfim de elefantes vivos, cujo comércio é ilegal, está, muitas vezes, realmente a passar por marfim de mamute, cujo comércio não é regulado internacionalmente, o que mantém essa grande ameaça sobre as populações de elefantes existentes no planeta.
De forma simples, o marfim de mamute-lanudo está a servir para “branquear” o tráfico ilegal de marfim de elefantes modernos. Por serem muito semelhantes, sobretudo aos olhos de não especialistas, as autoridades aduaneiras e alfandegárias têm, frequentemente, dificuldades em distinguir o marfim de elefantes do marfim de mamutes. Sobretudo se as presas estiverem cortadas em pedaços pequenos, e como os métodos disponíveis no mercado, como análise molecular e datação por radiocarbono (carbono 14), para fazer essa distinção são caros e lentos a produzir resultados (podem demorar semanas), muito marfim de elefantes acaba por passar pelas malhas.
Para tentar detetar as ilegalidades, a comunidade científica tem procurado formas de distinguir um produto do outro. Em abril de 2024, por exemplo, um grupo de investigadores das universidades britânicas de Bristol, Lancaster e Birmingham desenvolveu técnica com base em laser, chamada espectroscopia Raman, que permite analisar a composição bioquímica das presas e detetar a espécie a que pertencem.
Num artigo publicado na revista ‘PLOS One’, dizem que o método é preciso e foi testado com sucesso.
“O reforço da vigilância e da monitorização de amostras que passam pelas alfândegas em todo o mundo usando espectroscopia Raman pode atuar como dissuasor para aqueles que caçam ilegalmente espécies de elefantes ameaçadas e criticamente ameaçadas”, dizia, à altura, Rebecca Shepherd, primeira autora do estudo.
Agora, uma nova investigação apresenta uma outra técnica, desta feita, baseada na análise de isótopos estáveis de hidrogénio e oxigénio. Num estudo publicado na revista ‘Frontiers in Ecology and Evolution’, os autores dizem ter encontrado “diferenças estatisticamente significativas” quando compararam os rácios desses isótopos em amostras de marfim de mamute e de elefante.
Por isso, declaram que a análise de isótopos estáveis é “uma ferramenta eficiente” para fazer a distinção entre os dois tipos de marfim. Pavel Toropov, da Universidade de Hong Kong e um dos autores do artigo, diz que esse método é mais rápido e mais barato que as alternativas hoje existentes.
“Os nossos resultados mostram que a análise de isótopos estáveis de hidrogénio e oxigénio é uma ferramenta eficiente para distinguir entre marfim de elefante e de mamute”, assegura, por sua vez, Maria Santos, primeira autora. Isso deve-se ao facto de “os elementos da água bebida pelos mamutes em regiões de elevada latitude, como a Sibéria, têm assinaturas isotópicas distintas quando comparadas com os elementos da água ingerida pelos elefantes em latitudes tropicais”, explica a cientista.
Ao longo de toda uma vida, esses elementos vão se acumulando nos dentes e presas dos animais, incluindo nos nossos, e é como se criassem uma espécie de “código de barras” de isótopos, que, quando analisado, permite descobrir por onde andámos enquanto por cá andámos.
“Esperamos que o protocolo descrito no nosso estudo seja aplicado para analisar grandes quantidades de objetos supostamente de marfim de mamute”, diz Santos, que está confiante de que esse método ajudará a combater o comércio ilegal de marfim “de forma mais eficaz” e a fazer derrocar a lacuna, no conhecimento e nas capacidades das autoridades alfandegárias, para distinguir o marfim de elefante do de mamute-lanudo.