E se os pilares do ESG estiverem a abanar?



Três letras substituíram a palavra sustentabilidade. São elas ESG, sigla para práticas ambientais, sociais e de governança. Estas surgiram, em 2004, para medir o impacto que as ações de sustentabilidade geram nos resultados das empresas. “Os pilares da sustentabilidade compreendem a componente social, económica e ambiental”, afirma Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável.

Porém, na sua opinião, cada um deles só se consegue atingir, se os outros dois estiverem a caminhar no mesmo sentido. Sem desenvolvimento económico, o país não tem capacidade para conservar o ambiente, combater as alterações climáticas, nem reduzir as desigualdades sociais. “Se não houver por parte de Portugal um esforço para se aproximar mais da média europeia dos indicadores económico sociais, temo que seja mais difícil avançar na fileira ambiental. Não podemos descurar as diversas componentes”. Margarida Couto, presidente do Grace, Associação Empresarial que atua nas áreas de responsabilidade social e sustentabilidade, corrobora, dizendo que tal como uma casa não é sólida sem uma boa estrutura, também as empresas não são sustentáveis sem os três pilares do ESG. “Temos de ter uma visão holística”.

A verdade é que há pressão no ar. As regras parecem estar a mudar em todo o mundo. Se antigamente uma empresa visava apenas o lucro; o seu objetivo era focado no crescimento económico e em resultados financeiros. Hoje, apesar de o lucro ser importante para que a empresa possa crescer e honrar os seus compromissos, o seu papel na sociedade ganhou uma dimensão muito importante. Gerar valor para os stakeholders é fundamental para o seu sucesso.

O poderoso investidor Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora do mundo com nove trilhões de dólares em ativos, chegou mesmo numa das suas famosas cartas aos investidores, a mencionar o termo capitalismo de stakeholder, onde dizia: “capitalismo de stakeholder não é sobre política. Não é uma agenda ideológica ou social. É capitalismo, impulsionado por relações entre a empresa e funcionários, clientes, fornecedores e comunidades, onde os dois lados se beneficiam e a sua empresa prospera. É o poder do capitalismo”. Portanto, os pilares da sustentabilidade são aqueles que podem sustentar as empresas no futuro.

Onda anti ESG nos Estados Unidos

E se os pilares da sustentabilidade abanarem? É o que está a acontecer. O mesmo Larry Fink que defendia o termo ESG, em junho deste ano, veio a público afirmar que ia deixar de o usar por ser “demasiado politizado”. Por detrás desta sua decisão deverão estar as desavenças entre liberais e democratas que andam em lados opostos da barricada. Estas “guerras” internas nos Estados Unidos fizeram a sua empresa perder 4 mil milhões de dólares. No entanto, Larry Fink mantém o objetivo de, em 2030, pelo menos 75% dos seus investimentos concentrarem-se em emitentes com metas específicas de cortes de emissões com efeito de estufa.

Esta onda anti ESG nos Estados Unidos já vem de trás. Em 2022, a prestigiada revista de economia The Economist fez uma capa com o título “ESG: três letras que não vão salvar o planeta”. Este movimento não reconhece os fatores ambientais ou sociais como riscos financeiros, defendendo que estes não devem interferir na gestão das empresas. Isto porque, na sua ótica, a finalidade das empresas é fazer dinheiro. Talvez, o que esteja na base deste movimento seja o não querer fazer investimentos para operar a transição, afinal será preciso mudar negócios, em alguns casos implicará, inclusive, mudar estruturas físicas e muitas das grandes empresas não têm agilidade para o fazer, além de precisarem de avultados investimentos.

Um movimento que colocou as casas de investimento britânicas em alerta. Segundo um comunicado da Blomberg Green, agência de comunicação financeira, a Associação de Investimentos e Financiamento Sustentáveis do Reino Unido (UKSIF), cujos membros administram 19 trilhões de libras, ou seja, cerca de 24 trilhões de dólares americanos, querem que o governo estipule diretrizes claras que especifiquem se os gestores de ativos têm ou não o dever de se preocupar com os riscos dos danos ambientais, impactos sociais e de má governança corporativa.

O movimento anti ESG americano abordou o setor financeiro com ameaças de ações judiciais e listas contra alguns dos maiores bancos e gestoras de ativos do mundo, lê-se no comunicado da Blomberg Green. Até agora, os níveis de hostilidade em relação ao ESG ainda não tem eco no Reino Unido, tendo havido apenas alguns incidentes, mas Alexander Stafford, presidente do All Party Parliamentary Group on Environmental, Social e Governance, disse à Blomberg Green que “era necessário fazer o que fosse possível para conter qualquer histeria que viesse dos Estados Unidos”.

E na Europa?

A Europa vai à frente. Ainda não se deixou contaminar pela onda anti ESG. Comprometeu-se em atingir a neutralidade carbónica em 2050. O objetivo é reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, proteger a biodiversidade, incentivar a economia circular, garantir a segurança alimentar e aumentar a eficiência energética. Há, no entanto, uma meta intermédia em reduzir 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Se a atingiremos, não se sabe. Algumas empresas estão a rever as metas devido às consequências da guerra na Ucrânia, contudo os dados estão lançados e os especialistas acreditam que não haverá retrocesso.

A Comissão Europeia está a impor novas regras e a legislação que aí vem em termos de ESG é um desafio para as PME, que representam 99% do tecido empresarial nacional. As empresas não só terão de adotar as medidas alinhadas com a estratégia da União Europeia como de as comunicar, integrando o relatório de sustentabilidade no relatório anual de gestão. “Esta informação será muito importante para que investidores, fornecedores e clientes tomem decisões com base em critérios de sustentabilidade, responsabilidade social e governança”, lê-se no site do IAPMEI, Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas.

A nova diretiva traz também a obrigação de verificação da informação por terceiros, evitando assim a prestação de informações falsas ou de práticas de greenwashing, que consiste na divulgação de informações enganosas ou exageradas sobre as práticas sustentáveis. A mesma fonte refere que a nova Diretiva sobre o Reporte de Sustentabilidade Corporativo (CSRD), entra em vigor em 2024, sendo aplicada de forma faseada conforme a dimensão da empresa.

ESG 2.0:  a futura liderança será feminina?

Com ou sem movimento anti ESG, a realidade é que a procura de talentos nesta área está ao rubro. O estudo ESG 2.0 The future generation of leadership, da Harvard Law Business School demonstra que a procura de talentos será implacável. Mesmo as empresas com um histórico bem-sucedido de integração das práticas ESG estão com dificuldades em recrutar os melhores profissionais.

O estudo refere que quem não se posicionou ainda neste tema está a sentir uma enorme pressão por parte dos investidores, consumidores, colaboradores, reguladores e conselhos de administração. Algumas empresas estão neste momento a lutar para recuperar o atraso. Será que ainda vão a tempo? É que o ESG deixou de ser um requisito funcional. Passou a ser um trunfo comercial. Há uma mudança de paradigma.

Outro estudo da consultora Mckinsey, explica que à medida que as preocupações coletivas crescem sobre a distribuição e a finalidade da riqueza, a crescente consciência social está a levar os consumidores a pensar onde devem colocar o seu dinheiro. A geração millenial — pessoas nascidas entre 1981 e 1996 em particular, tem esta preocupação bem vincada. Um estudo da Fidelity Charitable revelou que 79% dos millenials ricos consideram as doações de caridade como muito importantes. Uma geração que se define mais pela ação, aquilo que faz do que propriamente pela riqueza.

Estes fatores levaram a uma avalanche de procura de talentos de liderança ESG. Os líderes serão decerto diferentes do arquétipo atual. Para ser um líder ESG 2.0 tem de ser mais sénior e credível. Para compreender melhor esta mudança e quais as competências, o estudo da Mckinsey destaca a análise da Russel Reynolds Associates que analisou os antecedentes de 46 líderes ESG seniores de grandes organizações. Resultado? “Os líderes são predominantemente mulheres, na sua maioria contratadas fora da empresa, em vez de serem promovidas para a função e trazem na bagagem experiência multifuncional para o cargo”.

Segundo a mesma análise, os líderes ESG 2.0 têm quatro responsabilidades principais: criar a melhor política e estrutura ESG para a empresa, integrá-la em toda a organização, garantindo uma consistência de mensagens e execução em cada linha de negócio, servir de rosto a nível interno e externo, articulando com os investidores em como o ESG premeia todos os níveis da organização e por fim, envolver-se com todos os parceiros externos como, por exemplo, a cadeia de fornecimento, garantindo que também estes têm boas práticas ao nível da sustentabilidade, ajudando-os, inclusive a criar estratégias de negócios mais sustentáveis.

Nova Diretiva Sobre Reporte de Sustentabilidade Corporativo (CSRD):

Quem reporta primeiro?

  • 1 de janeiro de 2024: grandes empresas de interesse público (mais de 500 trabalhadores) já sujeitas à diretiva de reporte não financeiro;
  • 1 de janeiro de 2025: grandes empresas ainda não sujeitas à diretiva de reporte não financeiro (mais de 250 trabalhadores e/ou 40 milhões de euros em volume de negócios e/ou 20 milhões de euros no total do ativo);
  • 1 de janeiro de 2026: PME cotadas e outras empresas.

Fonte: IAPMEI

Alguns dos temas importantes em cada sigla do ESG:

Ambiente — o seu impacto no mundo

  • Alterações climáticas
  • Emissões de gases com efeito de estufa (GEE)
  • Esgotamento dos recursos naturais
  • Resíduos e Poluição
  • Desflorestação
  • Materiais perigosos
  • Biodiversidade

Social — O seu contributo para a sua comunidade

  • Condições de trabalho, incluindo a escravatura e o trabalho infantil
  • Impacto nas comunidades locais
  • Regiões em crise e conflito
  • Saúde e segurança
  • Relações laborais e diversidade
  • Vendas abusivas
  • Proteção de dados

Governança — Como é a sua conduta?

  • Remuneração de executivos
  • Suborno e corrupção
  • Lobbying político e donativos
  • Diversidade e estrutura do Conselho de Administração
  • Estratégia fiscal
  • Violação de dados

Fonte: KPMG, relatório ESG: Environment, Social and Governance

*Artigo originalmente publicado na revista de dezembro de 2023

 





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