Entrevista: Portugal “terá de acompanhar” tendência internacional para que “todos os edifícios de serviços possuam algum tipo de avaliação ESG”



A certificação BREEAM In-Use está a redefinir os padrões de sustentabilidade no setor imobiliário, demonstrando o impacto real de edifícios mais eficientes e responsáveis.

Com uma exigente avaliação que mede critérios como eficiência energética, gestão de recursos e bem-estar dos ocupantes, este reconhecimento não só reduz custos operacionais, como valoriza os ativos e atrai investidores alinhados com ESG.

Um dos melhores exemplos recentes em Portugal é o Edifício Q51, no Quinta da Fonte Business Ecosystem, que se tornou o primeiro edifício totalmente destinado a escritórios em Portugal no país a obter a classificação “Outstanding” no BREEAM In-Use Part.

Márcia Duarte, Associate Environmental Engineer | BREEAM In-Use Assessor da Savills, explica à Green Savers quais as vantagens desta certificação para os edifícios de escritórios e setor e avisa que “Portugal terá de acompanhar a tendência internacional para que gradualmente todos os edifícios de serviços possuam algum tipo de avaliação ESG, ou corre o risco de perder interesse para investidores, grupos multinacionais ou colaboradores/utilizadores estrangeiros”.

1 – Como é que deve ser feita a transição para práticas mais ecológicas e quais os desafios que enfrentam promotores, construtores e arquitetos?

Considero que devemos fazer a distinção entre os desafios que enfrentam os novos edifícios e os edifícios existentes.

No caso da nova construção os desafios são, muitas vezes, consequência da introdução do tema da sustentabilidade quando os projetos já se encontram numa fase de desenvolvimento demasiado avançada e, por vezes, pela omissão dos critérios de sustentabilidade dos programas e cadernos de encargo. É muito importante que todos os envolvidos nestes processos tenham a perfeita noção do que é esperado do seu trabalho desde o início, por forma a reduzir o número de alterações em fase de projeto, evitar falhas de comunicação entre os vários envolvidos, controlar custos e coordenar devidamente as equipas para a fase de obra.

Relativamente às construções existentes, é frequente faltar uma análise do ciclo de vida das alterações “mais ecológicas” comparativamente com manter/adaptar o existente. Ou seja, a estratégia adotada não deve ser de “terra queimada”, deitar tudo abaixo e fazer de novo. Devemos manter o sentido crítico e avaliar a possibilidade de reutilizar ou modificar sistemas existentes. Por exemplo, vale a pena substituir todas as torneiras de um edifício por equipamentos de baixo consumo de água ou fará mais sentido instalar redutores de caudal? Este tipo de solução, para além de permitir alcançar os objetivos, representa um investimento bastante inferior.

Por outro lado, é de lamentar que em Portugal a certificação energética de um edifício ainda dê primazia à instalação de equipamentos de climatização ao invés da valorização de sistemas de climatização passiva.

2 – Qual o processo para um edifício alcançar esta distinção?

No caso do BREEAM In-Use, esquema para o qual o edifício Q51 – propriedade da Acacia Point – recebeu a certificação, o processo inicia-se com uma pré-avaliação, onde, dada a documentação disponível e visitas ao imóvel, se estima o número de créditos que o edifício poderá alcançar.

Numa fase posterior, o cliente reúne toda a documentação de suporte aos créditos previstos anteriormente. Quando terminada a recolha de evidências, o Assessor BREEAM In-Use conduz uma auditoria e novas visitas ao imóvel, por forma a verificar que tudo se encontra conforme os critérios do esquema de certificação.

O processo é então submetido à entidade certificadora, BRE, que conduz uma nova auditoria, podendo colocar questões e pedidos de informação adicional, sendo que a pontuação prevista poderá sofrer alterações caso se conclua que os critérios de avaliação não estão devidamente satisfeitos. Concluída a fase de avaliação do BRE, é então emitido o certificado.

Os certificados BREEAM In-Use têm uma validade de três anos. Pretende-se assim incentivar os gestores dos edifícios a adotarem novas tecnologias e soluções ao longo da vida útil dos imóveis, de modo a melhorar continuamente o seu desempenho.

3 – Que melhorias teve de implementar?

No caso do Q51, o edifício já se destacava ao nível dos critérios de ESG adotados. Nas várias visitas efetuadas ao edifício, tornou-se evidente todo o cuidado que o proprietário e o inquilino tiveram na adequação do espaço aos requisitos dos seus utilizadores e às melhores práticas de ESG. É de referir, por exemplo, a existência de espaços de descanso e salas destinadas a consultas de psicologia para os colaboradores.

Posto isto, foi apenas necessário alinhar alguns aspetos aos níveis exigidos pelo BRE, tal como instalação de painéis fotovoltaicos na cobertura, reestruturação da monitorização dos consumos de água pelo sistema de Gestão Técnica Centralizada (GTC) e aumento do número de carregadores para carros elétricos.

4 – Quais as vantagens para os edifícios de escritórios e para o setor?

Relativamente aos edifícios em si, como vantagens principais é de referir a redução de custos com o consumo de energia e água, a redução de custos de manutenção e o aumento da atratividade para os colaboradores.

Atualmente, as empresas de serviços deparam-se com dificuldades em atrair candidatos para vagas on-site. Uma vez que este tipo de certificação inclui na sua avaliação um conjunto de critérios de carácter social usualmente, edifícios com boas classificações BREEAM, são também bastante atrativos para os colaborares.

Por outro lado, com a globalização e a internacionalização da mão-de-obra qualificada, Portugal terá de acompanhar a tendência internacional para que gradualmente todos os edifícios de serviços possuam algum tipo de avaliação ESG, ou corre o risco de perder interesse para investidores, grupos multinacionais ou colaboradores/utilizadores estrangeiros.

 5 – A Sustentabilidade encarece a construção?

Não necessariamente. É certo que sistemas como painéis fotovoltaicos ou sistemas de GTC, apesar de a longo prazo compensarem financeiramente, representam investimentos iniciais significativos que podem tornar-se impeditivos. No entanto, apostar num edifício com uma envolvente que reduza as necessidades energéticas (seja através da substituição dos envidraçados, seja pela instalação de palas que reduzam os ganhos energéticos), equipamentos e políticas que contribuam para uma gestão responsável dos recursos, instalação de sistemas de reutilização de água para rega, etc., são todos exemplos de medidas com um custo de implementação médio/baixo ou que podem ser faseadas no tempo.

Não existe apenas uma forma de fazermos a diferença.

 

 

 






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