Manuel Duarte Pinheiro, LiderA: “As casas dos nossos avós e bisavós já tinham preocupações [sustentáveis]”



Nos dias 25 e 26 de Maio, mais de 30 especialistas em sustentabilidade e produtos sustentáveis – de áreas que vão desde a construção, marketing, comunicação ou eficiência energética – vão reunir-se no Centro de Congressos do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, para abordar os produtos e serviços sustentáveis nos ambientes construídos.

Responsável pelo sistema LiderA, Manuel Duarte Pinheiro falou com o Green Savers, antecipou o congresso e explicou porque vai lançar um catálogo de produtos sustentáveis segundo o sistema LiderA, uma ferramenta online e de acesso gratuito.

Quais as suas expectativas para o congresso de 25 e 26 de Maio?

Tornar claro que a sustentabilidade não é um sim ou não mas um caminho por níveis e que, para o atingirmos, precisamos de melhorias de desempenho factorial. Contribuir para evidenciar que a sustentabilidade pode ser um das áreas a apostar para enfrentar um mercado em mudança, nomeadamente ao contribuir para ganhos de eficiência e para criação e reconhecimento de valor. Especificamente, potenciar o uso de instrumentos que suportem a procura da sustentabilidade.

O congresso reúne, de facto, um grande lote de especialistas em sustentabilidade. Foi esta sempre a sua ideia inicial?

Sim e com competências diversas, já que para se conseguir procurar a sustentabilidade importa dispor de competências. Essa procura da sustentabilidade na construção envolve os promotores, projectistas, fornecedores de produtos e serviços, empreiteiros e utilizadores.

O congresso vai lançar um catálogo de produtos sustentáveis segundo o sistema LiderA, uma ferramenta online e de acesso gratuito. O que nos pode dizer deste catálogo?

Tem como objectivo sistematizar, classificar e disponibilizar online informação sobre os produtos e serviços que tenham bom desempenho ambiental e que procurem a sustentabilidade. O catálogo vai disponibilizar informação sobre os produtos e suas características, seu desempenho sustentável e fundamentação e, no caso em que a informação seja suficiente, efectuar a sua classificação pelo LiderA na escala entre os produtos com reduzidas preocupações (E) aos mais sustentáveis (A++).

Os produtores, comerciantes ou fornecedores podem incluir os produtos através de três formas: (1) auto informação, devendo fornecer informação sobre o mesmo para fundamentar a sua inclusão; (2) equiparação: se já existe algum rótulo, declaração ou estudo ambiental de ciclo de vida e (3) através de avaliação por equipa independente entre os assessores do LiderA.

De que forma poderá este catálogo ajudar o cliente e consumidor na escolha de alternativas sustentáveis?

Na aplicação do LiderA, a informação sobre o desempenho sustentável dos produtos tem-se revelado como essencial e, no geral, a informação encontra-se dispersa ou não está publicada para os produtos disponíveis em Portugal – ou, para exportação, não se encontra facilmente acessível. Assim, espero que seja um catálogo decisivo para os agentes da construção que querem procurar a sustentabilidade.

Mesmo que este catálogo seja fundamental para suportar as decisões de selecção de produtos, bem como contribuir para a divulgação e exportação de produtos nacionais com um perfil sustentável, qual a mais-valia, para o sistema LiderA, em lançá-lo?

É uma das áreas em que, devido à falta de informação no desenvolvimento da sustentabilidade e da nossa certificação LiderA, tem limitado a procura de maiores níveis de desempenho nos materiais. Veja-se, por exemplo, que a energia consumida para extrair e produzir os produtos dos edifícios, conhecida por energia incorporada, pode significar um valor equivalente de energia entre 10 a 15 anos da operação do edifício. Sendo por isso claro que é fundamental existirem produtos e informação sobre a sustentabilidade para a procura de soluções sustentáveis. Segundo o LiderA, esta deve considerar o ciclo de vida e abranger critérios como: elevado desempenho, durabilidade, baixo impacte e toxicidade, custos adequados no ciclo de vida, ser local entre outros.

Quanto à valia de ser o sistema LiderA a lançá-lo, a primeira mais-valia, no meu ponto de vista, decorre de ser um sistema independente, integrador, com uma forte base técnica e prática na selecção e certificação da sustentabilidade, assegurando solidez e conhecimento da realidade da construção.

A segunda mais-valia decorre do enfoque do LiderA, que assenta no desempenho do serviço, equilibrando um bom serviço a custos adequados, pelo menos no ciclo de vida, o que pode contribuir para sua viabilidade incluindo económica.

A terceira mais valia resulta da criação de sinergias, já que os trabalhos efectuados pelo LiderA, os seus mais de quatrocentos assessores e os múltiplos edifícios certificados podem potenciar a utilização e o mercado desses produtos.

O congresso dá bastante importância ao marketing e comunicação. Porquê?

Dá uma importância fundamental. Marketing, em última análise, é mercado, e se não houver mercado não é realista e efectivo adoptar soluções. Isso aplica-se quer na oferta, onde importa dispor de soluções, quer na procura, onde estas devem ser escolhidas e o utilizador deve utilizá-las de forma sustentável.

Assim, marketing e comunicação fundamentada são decisivos para acelerar a percepção de qual é a importância de procurar a sustentabilidade, bem como a forma mas eficiente de a fazer e assegurar práticas e comportamentos que dinamizem a sua boa utilização.

Mas importa que o marketing e a comunicação sejam fundamentados, para evitar que se corra o risco do greenwashing, isto é usar os termos ecológico e a sustentabilidade sem que haja razão, designação por vezes utilizada em produtos e serviços que não a procuram de forma fundamentada – ou apenas de forma superficial. Também neste domínio temos muito a aprender e espero que o congresso, contribuindo com uma vasta partilha de experiências, seja um momento enriquecedor e inspirador para essa aprendizagem.

O responsável pela área de prescrição da Vulcano, André Cruz, disse há dias ao Green Savers que, para se massificar, a sustentabilidade precisava apenas de um adequado investimento em comunicação. Concorda? É por isso que dedica um quarto do seu congresso à comunicação?

Sim, mas é indispensável que os produtos sejam efectivamente bons e procurem a sustentabilidade, daí que os outros três quartos do congresso sejam dedicados ao bom desempenho e procura da sustentabilidade, nos edifícios e em outros produtos. Gosto particularmente do conceito que produtos sustentáveis são produtos que nos asseguram um serviço de elevado desempenho a preços adequados.

Recentemente, o consultor Martin Townsend disse em Lisboa que a indústria da construção estava nervosa porque sempre construiu edifícios da mesma forma. Concorda?

Em parte, julgo que a questão é mais profunda, porque não é apenas uma questão de oferta e de fazer sempre da mesma forma, mas também é uma questão de procura.

O que quero dizer é que, embora a corrente dominante actualmente construa edifícios da mesma forma, em tempos passados já existiram preocupações em responder ao clima, utilização de materiais locais e duráveis, poupança de água, entre outras, e exemplo disso são as casas dos nossos avós e bisavós. Ou seja, existia e existe uma parte da indústria que projecta e constrói edificados respondendo a essas solicitações. Exemplos dessa abordagem são os edifícios certificados pelo LiderA.

A indústria está preocupada, já que percebeu de forma clara que a procura se reduziu. Existem municípios onde as licenças para edifícios novos e reabilitados caíram drasticamente. A procura vai ser cada vez mais cuidadosa na escolha, considerando o preço, o serviço e o desempenho. Isto significa que o consumidor/cliente, no acto de ponderar a compra, vai atender ao preço. Mas sabendo que o barato sai caro, potencialmente irá considerar aspectos de custos no ciclo de vida, olhando para o investimento numa perspectiva mais alargada. Por exemplo, ponderando o custo da energia de operação e o valor da manutenção.

E cada vez mais o consumidor/cliente procura que os edifícios lhe assegurem o serviço que precisa, o conforto, a acessibilidade, condições de trabalho adequadas, ou seja, pretende a conjugação da dimensão social e ambiental, com a económica, caminha para sustentabilidade. Assim é claro que tem que se melhorar a forma de promover, projectar e construir os edifícios e ambientes construídos.

Na sua opinião, a que se deve esta recente proliferação de conferências e congressos sobre sustentabilidade?

Porque se percebeu que este conceito é chave e que pode ser a solução. Porque se procura esse novo e crescente mercado e se pretende fornecer conceitos e soluções, levando a que mesmo a Ordem dos Arquitectos e dos Engenheiros e outros agentes da construção tenham promovido também esse tipo de iniciativas.

Na prática, as empresas já estão a investir nestas estratégias de desenvolvimento sustentável, ou ainda estão a “pagar para ver”?

Estamos em transição de uma sociedade intensiva de energia e materiais, com fortes desafios económicos, para uma sociedade que desejamos que seja eficiente com crescimento económico em que os impactes ambientais sejam minimizados.

O atingir do desenvolvimento sustentável passa pelo consumo, comunidades, municípios e produtos sustentáveis, sendo a construção sustentável uma das bases.

Nesta dinâmica, as estratégias de desenvolvimento sustentável têm diferentes níveis preventivos e de proactividade. Enquanto não se passa para o nível no qual se consegue atingir uma relação win-win entre economia e ambiente, a primeira impressão é que as empresas estão a pagar para ver, mas a médio/longo prazo será, possivelmente, a pagar para se posicionarem e evoluírem no mercado. Um exemplo: no LiderA, a classe C significa uma melhoria de desempenho face à prática de 25% e a B que significa uma melhoria de 37,5%. Estes níveis de desempenho são, no geral, custo eficiente, permitindo ter abordagens que procuram a sustentabilidade sem custos significativos acrescidos.

Acresce que, por vezes, ainda é permitido a alguns não considerar devidamente as regras e, por exemplo, poluir de forma significativa, o que implica externalizar para outros e para o ambiente – e também concorrência desleal.

Na minha perspectiva seria desejável que a indústria da construção pense menos no produto e mais no serviço, e comece a incorporar a dimensão da sustentabilidade ajustada à realidade do serviço e do mercado logo na fase inicial em que concebe a intervenção.

Lançou o sistema LiderA em Janeiro de 2006. Nos últimos cinco anos, o que mudou na mentalidades dos executivos e agentes económicos portugueses no que toca à sustentabilidade?

Refira-se que, em 2007, as primeiras cinco certificações do LiderA são todas atribuídas a promotores privados, o que significava que na altura já existia uma mentalidade em alguns dos agentes económicos que procurava a sustentabilidade.

Cada vez mais há o entendimento que a sustentabilidade é um caminho com diferentes níveis, sendo dinâmica a procura.

Nestes cinco anos tenho visto alargar a base de procura da sustentabilidade, embora a um ritmo ainda muito reduzido, estando longe de ser a corrente dominante.

Por vezes, quem promove e vende sabe que os custos do investimento estão com eles e que os benefícios são para quem compra e utiliza, o que significa que se não existir um mecanismo claro de repartição dos custos/ benefícios a adesão é restringida.

O LiderA claramente tem ajudado nesse ponto.

Infelizmente, essa evolução ainda não é a corrente dominante que gostaria, se bem que nos últimos meses se note uma procura cada vez mais elevada dos executivos e agentes económicos de olhar esta dimensão como mais uma base de diferenciação de mercado e uma forma de internacionalização.

Espero que olhar o ambiente e a sustentabilidade possa ser um factor de competitividade. A adesão sistemática a práticas e atitudes dos utilizadores – como as previstas no LiderA, por exemplo na classe A – poderia significar que se poderia reduzir em 44% o nosso défice da balança de pagamentos, para além do benefício e valor de termos ambientes construídos de elevado desempenho.





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