Observação de cetáceos leva 87% dos ecoturistas marinhos aos Açores



Quem não conhece a música “Baleias” do cantor brasileiro Roberto Carlos? Um ícone dos anos 80. Uma forma de protesto do artista face à sua caça furtiva.  Os versos desta melodia “de uma cauda exposta aos ventos, nos seus últimos momentos, relembrada num troféu em forma de arpão (…)” deram voz ao sofrimento deste majestoso animal marinho, alertando ao mesmo tempo que se o massacre continuasse colocaria em perigo a existência de algumas espécies para as gerações futuras: “os seus netos vão-te perguntar em poucos anos pelas baleias que cruzavam oceanos, que eles viram em velhos livros ou nos filmes dos arquivos”.

Atualmente, segundo uma notícia da agência Reuters partilhada pelo jornal Público, a Islândia, a Noruega e o Japão são os únicos países que ainda continuam a sua caça comercial, mesmo contra a dura reação dos ativistas.

A captura de baleias terminou em Portugal quando aderimos à Comunidade Económica Europeia, sendo um dos primeiros a por fim à sua matança. Nesse mesmo ano, em 1986, foi fechada a última fábrica de transformação de baleias do nosso país.

As Ilhas dos Açores têm sido historicamente ligadas aos cetáceos e, apesar de, como revela um documentário apresentado pela RTP, terem sido mortos doze mil animais entre 1896 e 1949, a verdade é que os Açores se transformaram num exemplo de uma transição bem-sucedida da caça às baleias para a sua observação. Cerca de 26 espécies são avistadas nestas águas entre as mais de 80 existentes, fazendo do Arquipélago um dos destinos mais reconhecidos para a observação de baleias e golfinhos no mundo e um dos melhores santuários do planeta.

Segundo Gisela Dionísio, investigadora no MARE-Universidade de Lisboa, presidente da ONG Atlantic Naturalist e consultora científica na empresa Naturalist Ciência e Turismo, o arquipélago dos Açores é considerado um modelo no Atlântico Norte para observação de cetáceos não só pela legislação em vigor, mas pela visão dos operadores e dos turistas que o visitam.

Um facto corroborado pelo estudo “O Valor do ecoturismo marinho para uma região ultraperiférica europeia” publicado em 2022 por oito investigadores de várias universidades (dos Açores, de Faro, de Coimbra e de Edibumburgo), em que avaliaram o impacto socioeconómico de atividades recreativas não extrativas intimamente relacionadas com a biodiversidade marinha como, por exemplo, a observação de cetáceos, o mergulho e a pesca desportiva em uma das regiões mais ultraperiféricas da Europa: o arquipélago dos Açores (Atlântico nordeste).

Os dados foram recolhidos num inquérito que envolveu 1740 clientes e 49 gerentes de empresas de turismo marinho (mais de 90% dos operadores ativos na região), a equipa calculou os gastos com as atividades praticadas, bem como o alojamento, a alimentação e outros consumos (exceto o preço dos voos).

Os resultados foram publicados na revista Ocean & Coastal Management e sugerem que 17% do total de visitantes dos Açores se envolveram em atividades de ecoturismo marinho, contribuindo desta forma com 210 milhões de euros para os cofres da economia açoriana.

Se analisarmos os turistas que se deslocam apenas por causa destes eventos, estes deixam no arquipélago 80 milhões de euros por ano, o que representa 2,2% do produto interno bruto (PIB) regional.

Os resultados indicam também que, em média, um ecoturista marinho típico tem estadia mais longa e padrão de gastos mais elevados em comparação com outros visitantes. “Esses valores adicionam uma nova dimensão aos argumentos em apoio à conservação marinha e chamam a atenção para a integração abrangente de atividades de ecoturismo marinho em planos de gestão”.

Adriana Ressureição, co-autora do estudo e investigadora do CCMar Centro Ciências do Mar da Universidade do Algarve, diz à Green Savers que passados dez anos estão a realizar um novo estudo para monitorizar o impacto socioeconómico destas atividades bem como o grau de satisfação dos seus praticantes.

As conclusões serão publicadas em 2025, no entanto, a investigadora adiantou à Green Savers que o impacto socioeconómico será muito mais elevado. Revelou ainda que apesar dos clientes WW serem bastantes exigentes, o nível de satisfação rondou os 90%, com 99% a dizer que repetiria a experiência nos Açores.

A verdade é que a alternativa de avistamento de cetáceos no seu meio natural é uma atividade que gera anualmente mais de dois mil milhões de dólares e é praticada em mais de cem países, levando cerca de quinze milhões de pessoas a desfrutar desse maravilhoso encontro. Resumindo, a sustentabilidade pode ser lucrativa!

Uma atividade rentável, mas com regras

O Whale Waching (WW) é a principal atividade de ecoturismo marinho nos Açores e uma das principais motivações para os visitantes viajarem para o arquipélago. Segundo o estudo citado acima, começou em 1989, nas Lajes, uma antiga vila baleeira na ilha do Pico, e foi posteriormente alargada a mais três ilhas: Faial, Terceira e São Miguel.

No entanto, foram abertos concursos para novas licenças para as ilhas que ainda não estão a operar.  “Neste momento é responsável por 87% do número total de ecoturistas nos Açores, sendo a atividade que mais turistas atrai à região. São mais de 58 mil participantes”; contabiliza Adriana Ressureição.

O estudo Valor do ecoturismo marinho para uma região ultraperiférica europeia, informa que a WW nos Açores é regulada por uma série de leis (DLR 9/99/A, DLR 10/2003/A e Portaria 5/2004) e limitado por licenças. Atualmente, o número de licenças é restrito a 25, mas como referido foram abertos concursos para novas licenças para as ilhas que ainda não estão a operar e são atribuídas aos operadores por um período de vários anos.

“O código de conduta da WW foi definido para garantir a sustentabilidade desta indústria e para o bem-estar dos animais, e definir questões como distâncias de aproximação, ângulo de aproximação, número máximo de barcos permitidos por grupo, tamanho máximo dos barcos, duração da interação, entre outros”, refere o estudo.

A investigadora do Algarve, diz que os Açores não praticam um turismo de massa e que valorizam o legado cultural e as tradições, mencionado como exemplo os vigias, antigos baleeiros que em terra avistam os animais e podem desta forma ajudar os operadores a conseguirem avistamentos com quase 100% de sucesso, além de serem fundamentais na ajuda à distribuição dos mesmos para que o impacto seja o menor possível no habitat marinho caso do ruído provocado pelas embarcações.

“O negócio está bem estabelecido na região, operando em cinco das nove ilhas, seja de forma sazonal ou durante todo o ano, ou sazonalmente, e oferece uma excelente oportunidade para recolher dados de espécies como as grandes migradoras, os seus padrões de distribuição e abundância, mas também na monitorização dos seus habitats”, explica Gisela Dionísio.

A recolha de dados desta forma é contínua e as empresas que partilham os seus registos em plataformas como o iNaturalist ou o MONICET, contribuem para a informação das espécies residentes ou não residentes, assim como ajudam a avaliar a resposta dos cetáceos a potenciais impactos naturais ou antropogénicos.

“Os dados oportunistas, como são os da maioria destas empresas, complementam a investigação dedicada, e fornecem suporte adicional para planos de gestão adequados. Existe já muito material disponível para trabalhar na região dos Açores apenas com dados recolhidos pelas empresas nos últimos dez anos”, explica Gisela Dionísio, dizendo ainda que podem ser observadas diferenças entre ilhas seja pela dimensão, pelo número de licenças atribuídas ou pela missão de cada empresa.

Os navios utilizado no WW são principalmente barcos semirrígidos que levam 12 a 24 passageiros, mas alguns cruzeiros também operam, podendo embarcar 80 pessoas. Os passeios guiados têm a duração de três a quatro horas e são precedidos por um briefing sobre os regulamentos desta atividade, ecologia e comportamento das espécies, contribuindo para a literacia oceânica dos residentes e dos visitantes.

Faial, testa modelo pioneiro

No grupo central, na ilha do Faial testa-se um modelo pioneiro. As empresas trabalham em conjunto no mesmo canal de rádio e com o apoio de quatro vigias em terra — Norte e Sul das ilhas do Faial e Pico, o que ajuda na distribuição dos barcos, sempre que possível, nas áreas onde ocorrem os cetáceos.

“Uma das vantagens desta partilha desta informação em rede entre vigias e empresas é que as embarcações podem distribuir-se, sempre que possível, pelas diferentes áreas de duas ilhas, o Faial ou Pico, onde ocorrem cetáceos, evitando sempre que possível várias embarcações junto dos mesmos grupos de animais”, explica Gisela Dionísio.

Uns vêm primeiro num local e depois trocam para que a outra embarcação também possa levar os seus clientes. A investigadora refere ainda que nem sempre é possível, obter uma fórmula mágica — especialmente em Julho e Agosto, sendo ainda precoce discutir sobre o sucesso desta nova medida — testada pelos próprios operadores, mas “para já parece estar a dar bons passos na organização das embarcações das únicas cinco empresas do Faial e uma das muitas do Pico”.

Mas há regras claras. A realização de operações turísticas nas ilhas dos Açores estão sujeitas ao cumprimento do Decreto Legislativo Regional n.º 9/99/A onde estão sujeitas a licenciamento pela Direção Regional de Turismo dos Açores (designada DRT), ou seja, apenas se podem aproximar dos cetáceos embarcações licenciadas. Segundo a Direção Regional do Turismo, o diploma em vigor, e que se encontra em revisão, faz referência que qualquer plataforma é considerada dentro da área de aproximação se estiver a 500 metros do animal.

O mais perto que os barcos podem chegar são 50 metros, quando apenas uma embarcação, num ângulo de 60º paralelamente à retaguarda dos animais. O tempo de permanência dentro da área de aproximação é limitado a 30 minutos e é proibida a permanência de mais de três embarcações com raio de 300 metros.

Sempre que os animais se aproximarem da embarcação a menos de 50 metros — são muito curiosos, por isso pode acontecer, o motor deverá estar em marcha lenta. As manobras de aproximação devem ser coordenadas via rádio pela primeira embarcação que entrar na área de aproximação para reduzir o impacto do comportamento dos animais.

A mesma fonte (DRT) explica ainda que durante a aproximação é fundamental ficar atento à movimentação dos animais pela plataforma, manter o barco paralelo e ligeiramente atrás dos cetáceos num ângulo de 60.º para que estes tenham uma área livre de 180.º à sua frente.

A evitar sempre qualquer mudança brusca de direção ou velocidade (não superior e não se deve exceder a velocidade dos animais). É proibido dar marcha a ré no motor, exceto se houver uma emergência, aproximar-se a menos de 50 metros ou ir numa embarcação à vela, isto porque o uso de motor é obrigatório — para que os cetáceos que são acusticamente mais sensíveis, saibam sempre onde estão os barcos e decidir as suas trajetórias. Se os animais observados estiverem agitados ou apresentarem sinais de stress a distância deve ser reajustada conforme as normas estabelecidas. Outra regra importante é não se aproximar intencionalmente de crias de cachalotes quando se encontrem à superfície e sem a presença de fêmeas.

Veja a infografia aqui

Investigadores criam empresa para financiar as suas idas ao mar

Além disso, estas atividades “criam entre 400 e 500 empregos diretos, mesmo que mais de metade (68%) seja sazonal (entre três e seis meses”. Na ilha do Faial existe a primeira empresa criada por investigadores da Universidade, uma MARE-start up Universidade de Lisboa que faz a ponte entre a Ciência e Turismo, a Naturalist, Ciência e Turismo (www.naturalist.pt). A equipa de investigação da Naturalist possui dois doutorados, 2 mestres em Biologia Marinha, skippers a tempo inteiro e estudantes das diferentes universidades portuguesas a realizar teses em tempo parcial que usam a empresa como plataforma para a investigação.

Esta equipa conta com mais de 60 artigos publicados em revistas internacionais avaliadas por pares, muitos deles publicados com dados recolhidos através das saídas de WW. Sendo os fundadores da empresa, sediada na Horta, Faial,  investigadores na área da Ecologia Marinha levam os seus “naturalistas” numa verdadeira expedição oceânica, a conhecer o rico ecossistema marinho dos Açores, onde se incluem as espécies de baleias e golfinhos.

São recolhidos dados para diversos projetos em cursos, desde os grandes cetáceos e os impactos das alterações climáticas nas suas migrações, invertebrados pelágicos como as caravelas portuguesas ou projetos de maior dimensão com foco nas áreas marinhas protegidas (como o projeto BiodivAMP) ou à escala europeia sobre a caracterização de habitats, e a interação de espécies bandeira com o turismo como o projeto Eurosyng.

A Naturalist também recolhe dados e trabalha em estudos que visam a elaboração de códigos de conduta para espécies de baleias de barbas em alimentação, mergulho com espécies bandeira (tubarão-baleia e cavalos-marinhos).

Sugestões aos turistas que querem observar cetáceos independentemente da zona do mundo que escolhem:

  • ⁠ ⁠Evite fazer Whale Watching em zonas onde exista turismo de massas e não regulado
  • ⁠ ⁠Informe-se e esteja atento ao greenwashing
  • ⁠ ⁠Escolha operadores conscientes, que sigam os SDG’s e acima de tudo que se foquem na Sustentabilidade ambiental (ligados a projetos conservação), económica (rentável e de sucesso: animais mais próximos menos gasto de combustível fóssil) e social (manutenção de recursos humanos a tempo inteiro e não parcial.




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