Os Direitos Humanos enfrentam o maior desafio dos últimos 70 anos?



Por Paulo Fontes
Diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal

Há 70 anos, o ideal de que todos os seres humanos nascem iguais em dignidade e direitos marcou a forma como vários líderes por todo o mundo quiseram validar a (re)construção de um mundo mais justo, mais livre e mais igual para todas as pessoas. A 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, escrevendo no seu preâmbulo que esta marcava “o advento de um mundo no qual os seres humanos usufruem de liberdade de expressão e crença, e liberdade do medo e da carência”. Em 30 artigos, as nações e os líderes mundiais assumiram este compromisso de garantir continuamente que todas as pessoas em todo o mundo, sem exceção, podem viver com justiça, paz, liberdade e igualdade. E a verdade é que todos os anos têm sido feitos progressos para que isso seja uma realidade.Os números da pena de morte têm diminuído a nível global. Em cada vez mais países se aprova legislação que garante proteção contra o racismo, xenofobia ou discriminação, e mulheres, crianças e pessoas de grupos vulneráveis têm cada vez mais acesso a proteção, dignidade e igualdade. Estes são apenas alguns dos exemplos de como o trabalho realizado desde 1948, com base na declaração que plasma os direitos humanos, tem contribuído para um mundo mais justo, livre e igualitário.

Mas sete décadas depois, vemos também, um pouco por todo o mundo, sinais de retrocesso nos direitos humanos.

Esses retrocessos notam-se noutro tipo de declarações, aquelas declarações tantas vezes proferidas por líderes que procuram legitimar e incitar ao ódio, à divisão e ao medo. Declarações que hostilizam refugiados e requerentes de asilo, pessoas que fogem da violência, da guerra ou da discriminação, que precisam da nossa humanidade e solidariedade, não de serem rotuladas e discriminadas. Declarações que utilizam o medo e a culpabilização “do outro” como argumento para restringir liberdades, reprimir direitos e deixar injustiças impunes.

A verdade é que estas outras declarações, tão diferentes daquela pela qual começámos, espelham os novos desafios do mundo: o extremismo ganha cada vez mais terreno através do recurso à mentira mediática e ao populismo como discurso, ganha inclusivamente eleições. As sociedades e as pessoas polarizam-se. Simplificam-se os problemas, em lógicas e com premissas (e notícias) falsas e apresentam-se soluções erradas e assentes no facilitismo.

Se abrirmos as redes sociais, principalmente em páginas ou perfis com a publicação de notícias, ou de organizações da sociedade civil, como é o caso da Amnistia Internacional, os comentários de ódio multiplicam-se. Os já conhecidos trolls e perfis falsos distorcem a informação e a opinião de quem lê e a desinformação propaga-se. Ainda este mês a Amnistia Internacional lançou o resultado de um estudo colaborativo em larga escala que revela que o racismo, a misoginia e a homofobia florescem basicamente sem controlo no Twitter, principalmente contra mulheres não-brancas políticas e jornalistas. Três das 10 palavras candidatas na iniciativa da Porto Editora “Palavra do Ano” em Portugal são precisamente “populismo”, “sexismo” e “extremismo”. A palavra do ano do “Oxford Dictionary” é “toxic” (tóxico), também ligada ao sexismo, à retórica divisiva, de demonização e xenofobia de vários líderes no mundo. Devemos refletir no que significa para nós enquanto humanidade e sociedade o facto de estas serem as palavras que marcam a nossa atualidade e a forma como comunicamos.

Num tempo em que a (des)informação se propaga de forma incrível, precisamos urgentemente de um novo movimento. É preciso que todos e todas nós nos desinstalemos e sejamos agentes de liderança desse novo movimento, com um discurso e ação diferente. Que ao ódio respondamos com amor, que à divisão respondamos com propostas de união e que à desinformação e ao facilitismo das soluções erradas respondamos com humanidade, com uma opinião informada, esclarecida, esclarecedora e construtora de soluções sólidas e sustentáveis. 

Este é o movimento que tornará o mundo no lugar que queremos e que quisemos há 70 anos, com declarações mais próximas e mais alicerçadas na declaração universal dos direitos humanos e nos seus 30 artigos. Porque nessa sim, estão plasmados os princípios para criarmos um mundo melhor, mais justo e mais igual para todas as pessoas.





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