Projeto português quer combater o “flagelo” da desertificação no Baixo Alentejo



No Alentejo, especialmente na região sudeste, a desertificação dos solos avança sem dar tréguas. Práticas agrícolas e pastoris desadequadas têm, ao longo de várias décadas, roubado a terra da matéria orgânica que lhe dá a vida de que dependem inúmeras formas de vida, desde pequenos microrganismos, aos fungos, às plantas e árvores, até às aves e aos grandes mamíferos, incluindo nós, humanos.

O Baixo Alentejo é considerado uma zona semiárida, um tipo de área climática que se caracteriza, sobretudo, por chuvas irregulares e de elevada sazonalidade, por uma maior evaporação face à precipitação e por uma fraca densidade vegetal. Somados todos esses fatores, torna-se particularmente vulnerável à erosão do solo e à consequente desertificação, principalmente se for sofrer sobre-exploração.

A desertificação é o culminar de um processo de degradação físico-química e de erosão do solo, através do qual a sua camada orgânica, aquilo permite que a terra dê frutos e suporte vida, desaparece, expondo o leito rochoso, aquilo que é conhecido como a ‘rocha-mãe’. Quando isso acontece, o solo, para todos os efeitos, está morto.

Atualmente, estima-se que perto de 94% do Baixo Alentejo seja suscetível à desertificação, sendo que em Mértola, na margem esquerda do Rio Guadiana, essa vulnerabilidade chega mesmo aos 96%, de acordo com especialistas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, que integram uma equipa que coordena o Centro Experimental de Erosão de Solos da Herdade de Vale Formoso.

Para combater a desertificação nessa região do país, onde predomina o sistema ecológico do montado, especialmente povoado por azinheiras e sobreiros, nasceu o projeto REA Alentejo, promovido pela Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), em parceria com a FCSH, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), a Câmara Municipal de Barrancos e a Junta de Freguesia da Cabeça Gorda.

Cobrindo uma área de 13 concelhos alentejanos, com um total de 81,1 hectares, em que 38% do território abrangido apresenta uma suscetibilidade crítica à desertificação, 35% muito elevada e 21% elevada, a iniciativa, nas palavras da sua coordenadora Maria Bastidas, pretende “implementar ações de combate à desertificação e restauro dos habitats de Montado em áreas de especial interesse de proteção”, como o Parque Natural do Vale do Guadiana e áreas da Reserva Ecológica Nacional.

María Bastidas, coordenadora do REA Alentejo
Foto: REA Alentejo / Facebook

“A desertificação e as alterações climáticas são uma realidade cada vez mais presente”, salienta a responsável, para quem o REA Alentejo “permite demonstrar metodologias de restauro da produtividade agrícola e florestal nas zonas semiáridas do sudeste de Portugal, potenciar uma melhoria da saúde do solo, do funcionamento dos ecossistemas e, consequentemente, da qualidade de vida das comunidades rurais”.

Menos chuva e décadas de má gestão degradaram os solos do Baixo Alentejo

Dados recolhidos pela Estação Meteorológica de Vale Formoso revelam uma realidade que preocupa os cientistas e os ambientalistas, e que nos deve preocupar a todos e mobilizar-nos para a ação: entre 1940 e 2022, o nível médio de precipitação anual caiu para metade, sendo que, por exemplo, em 2010, foram registados 474,2 milímetros, face aos 755,4 milímetros da década de 1940.

A agudizar os efeitos da diminuição acentuada da chuva, a forma de os humanos se relacionarem com o solo também desempenhou, e continua a desempenhar, um papel central da degradação destas áreas do país e na intensificação da sua vulnerabilidade à desertificação.

“Ao longo dos anos temos vindo a assistir a uma gestão agrícola desadequada no Alentejo, considerando o clima mediterrânico que o caracteriza”, explica Maria Bastidas, do REA Alentejo, que observa também que “[a] marcada irregularidade das precipitações e longos períodos secos” que pautam a paisagem alentejana serão agravados pelas alterações climáticas.

“Más práticas como o sobre ou subpastoreio, o abandono da agricultura ou a intensificação da mesma com a consequente mobilização excessiva do solo, [e] práticas silvícolas desadequadas”, são algumas das principais causas da degradação dos ecossistemas semiáridos no Baixo Alentejo, destaca a coordenadora da iniciativa.

De acordo com as análises dos investigadores da FCUL, entre 1980 e 2010 a semiaridez expandiu-se ainda mais a sul do Rio Tejo e tudo indica que esse fenómeno continue a verificar-se ao longo das próximas décadas, fortemente impulsionado pelos efeitos das alterações climáticas.

Maria José Roxo, geógrafa e catedrática da FCSH e investigadora envolvida no projeto, aponta que a proliferação de charcas agrícolas, a mobilização dos solos e a proliferação de culturas intensivas e superintensivas de “grandes dimensões” são hoje grandes ameaças à conservação do solo no Baixo Alentejo. Por isso, defende que é urgente “melhorar a matéria orgânica presente nos solos, promover uma maior infiltração da água” e, assim, “aumentar a resiliência face à seca”.

Salientando que “o que importa é termos políticas e dados” que permitam responder da melhor forma à desertificação, Maria José Roxo recorda que “quanto mais recuperarmos os ecossistemas, mais carbono é possível capturar”.

Para combater o que Maria Bastidas considera se o “flagelo” da desertificação nessa região do país, é preciso “sensibilizar os agricultores e divulgar boas práticas ajustadas às realidades socioeconómicas e produtivas” dessas pessoas, bem como “gerar as condições necessárias para a sua implementação”.

E está confiante de que “todos os intervenientes do sector agrícola e florestal” – não apenas agricultores, mas também “gestores, entidades públicas e privadas” – estão cientes da gravidade do problema, sendo todos os dias confrontados com “a baixa rentabilidade das explorações” causada pela degradação dos solos, e que “estão conscientes da urgência do combate a esta situação, o que passa pela luta contra a desertificação”.

O REA Alentejo contempla diversas ações em quatro áreas-piloto: no Perímetro Florestal da Cabeça Gorda (Beja), no Monte do Vento (Mértola), na Herdade do Vale Formoso (Mértola) e no Perímetro Florestal de Barrancos (Barrancos).

Entre as medidas que serão implementadas nestes locais contam-se a conversão de eucaliptais e de matos em sistemas agroflorestais, a instalação de bosquetes e de faixas de biodiversidade, a melhoria de pastagens, a plantação de vegetação e a colocação de sebes forrageiras.

Maria Bastidas considera que as ações previstas no projeto “serão bem recebidas pela comunidade”.

Sem as ações necessárias, “toda a produção agrícola e pecuária do território está comprometida”

Todo o Alentejo, mas em especial a região sudeste, “está em processo acelerado de desertificação”, avisa a coordenadora da iniciativa, “o que significa que, em termos de impactos diretos, toda a produção agrícola e pecuária do território está comprometida”. E isso poderá “originar uma escassez de alimento em Portugal, um aumento da dependência dos mercados externos e um acréscimo da necessidade de apoios face situações de calamidade como são as secas severas”.

Além disso, sem as medidas necessárias para travar o avanço da desertificação, também “iremos sentir os impactos da alteração dos ciclos da água e dos nutrientes e da perda da biodiversidade, o que comprometerá a capacidade dos nossos territórios de prestar os serviços dos ecossistemas dos quais usufruímos”, indica Maria Bastidas, salientando que, enquanto Estado-membro da União Europeia, Portugal deve “adotar estratégias de adaptação rápidas e eficientes e esta é uma missão para a qual todos devemos contribuir, sendo que as entidades com competência devem estar na cabeceira assinalando o caminho”.

No entanto, desengane-se quem achar que a decisão estão somente nas mãos dos decisores políticos. Todos nós temos um papel fundamental a desempenhar nesta demanda para proteger os solos.

“A sustentabilidade económica, ambiental e social dos sistemas produtivos e dos ecossistemas dependerá da consciência de cada cidadão de que as suas ações e escolhas têm um impacto decisivo nas gerações futuras”, declara Maria Bastidas.

Como tal, aconselha-nos a optarmos por produtos provenientes de práticas e sistemas agrícolas que sejam benéficos para os ecossistemas e para a biodiversidade, como o montado ou os olivais tradicionais.

“A solução também está nas nossas mãos”, recorda a responsável.





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