Qual a influência da interacção entre os rios Douro e Minho na costa galega?
A 4 de Março de 2001, Portugal entrava noite-dentro com a notícia da tragédia de Entre-os-Rios: a queda da Ponte Hintze Ribeiro, que fazia a ligação entre Castelo de Paiva e a localidade de Entre-os-Rios, e que matou 59 pessoas.
Nos dias seguintes, vestígios do acidente foram encontrados em praias galegas, a mais de 200 quilómetros da foz do Porto, pelo que, desde então, os cientistas apontam que a água do rio Douro influencia a costa oeste espanhola.
Num estudo inédito sobre a interacção entre as plumas dos rios Douro e Minho, uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) demonstrou que o Douro, em interacção com o rio minhoto, é mesmo um dos principais motores das correntes atlânticas daquela costa durante o Inverno, as mesmas que alimentam a intensa pesca, produção de marisco e aquacultura da Galiza.
Levado a cabo pelos investigadores João Miguel Dias, Renato Mendes e Magda Sousa, do Núcleo de Modelação Estuarina e Costeira (NMEC) do Departamento de Física e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA, em colaboração com investigadores da Universidade de Vigo, o estudo clarifica a enorme influência que a interacção entre a descarga fluvial dos rios Douro e Minho tem na circulação costeira da região a norte da sua foz.
“Com o aparecimento na costa galega de corpos das vítimas da tragédia de Entre-os-Rios compreendeu-se ser possível que a água do rio Douro, assim como material nela dissolvido ou em suspensão, pudesse influenciar as zonas costeiras a norte durante períodos de maior caudal e de ocorrência de ventos sul, contrariando a ideia geral do transporte para sul devido à deriva costeira típica da costa portuguesa”, lembra João Miguel Dias.
Quase 15 anos depois do acidente, o coordenador do estudo clarifica a importância da interacção do rio Douro com o rio Minho, com a ajuda do vento de sul característico do Inverno, e diz que “foi o efeito conjugado da elevada descarga fluvial destes rios sob condições de vento sul o factor predominante na definição das trajectórias seguidas pelos corpos”.
Plumas costeiras desvendadas por satélite e modelação numérica
Realizado com recurso a modelos numéricos, desenvolvidos na UA para o efeito, e a imagens de satélite recolhidas durante o inverno de 2010, o estudo permitiu a simulação de fenómenos reais e de cenários idealizados, possibilitando o estudo individual e, posteriormente, global dos processos ligados à propagação das plumas do Douro e Minho, os dois maiores rios que desaguam na zona norte da costa oeste da Península Ibérica.
Essas simulações demonstram que a pluma do rio Douro tem um alcance limitado e como tal reduzido impacto diretco na circulação costeira nas regiões a norte do rio Minho. Porém, aponta Renato Mendes, “a corrente costeira originada pela pluma do Douro ao interagir com a pluma do rio Minho induz modificações na circulação costeira e na propagação da água fluvial proveniente deste, influenciando indirectamente a hidrodinâmica e as propriedades da água nestas regiões”.
Os escoamentos compreendidos entre o rio Mondego e as Rias Baixas, associados a ventos de sul característicos do inverno “geram uma acumulação de água de menor densidade à superfície do oceano ao longo da plataforma continental, que se movimenta para norte junto à costa”. Esta corrente denomina-se Western Iberian Buoyant Plume (WIBP), “constituindo a descarga fluvial dos rios Douro e Minho a sua principal origem”.
O comportamento geral desta pluma já tinha sido estudado anteriormente por outros investigadores, porém a interacção entre as plumas que geram esta corrente e importância individual do Douro e do Minho nunca tinha sido abordada. “Este estudo demonstrou que o rio Douro tem um papel importante na estabilização da WIBP, tornando o escoamento para norte mais eficiente e diminuindo a geração de vórtices de pequena escala que, consequentemente diminuem o transporte de água de origem fluvial para o largo na zona costeira a norte do rio Minho”, acrescenta Magda Sousa. Desta forma, a pluma do rio Douro favorece indiretamente a intrusão de água doce nas Rias Baixas, em particular nas Rias de Vigo e de Pontevedra.
Principais rios nacionais na mira dos cientistas
O estudo das plumas dos principais rios portugueses tem sido objecto de estudo no NMEC desde 2010, através da realização do projecto de investigação “Dinâmica Estuarina e Propagação de Plumas na Costa Portuguesa – Impactos de Alterações Climáticas” financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Deste projecto resultaram os primeiros avanços na modelação numérica e na observação por imagens de satélite das plumas dos rios Tejo e Douro e da Ria de Aveiro.
O trabalho teve continuidade na realização da tese de doutoramento da investigadora Magda Sousa, concluída em 2013 na UA, e desenvolvida em colaboração com investigadores da Universidade de Vigo. “Neste trabalho foi demonstrado que a intrusão da pluma estuarina do rio Minho provoca alterações significativas no padrão de circulação nas Rias Baixas, na Galiza, tendo ficado por investigar o seu efeito conjugado com a pluma do rio Douro, agora clarificado no âmbito da tese de doutoramento de Renato Mendes.
Foto: Ria de Arousa, Galiza / Feans / Creative Commons